Acórdão nº 588/09.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Legislação Nacional: LEI UNIFORME RELATIVA AO CHEQUE (LUCH): ARTIGO 3º; DECRETO-LEI 298/92, DE 31-12: ARTIGO 73º E 74º Sumário : I - Decorre do art. 3.º da LUCh que, na base da emissão de um cheque, ocorrem duas relações jurídicas distintas, a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque.

A possibilidade de emissão de cheques pressupõe a existência no banco sacado de fundos (provisão) de que o sacador ou emitente aí disponha. Para além da existência de fundos no banco sacado, essa possibilidade de emissão, depende ainda da realização do acordo de contrato ou convenção de cheque, mediante a qual é concedido ao titular da provisão, pelo banco, o direito de dispor de numerário através de cheques. Mediante este contrato (ou convenção), o banco assume a obrigação de efectuar o pagamento do numerário inscrito no cheque, desde que, evidentemente, o sacador possua na sua conta bancária, os necessários fundos.

II - Resulta do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – DL n.º 298/92, de 31-12 –, designadamente do art. 74.º, que os empregados bancários, no exercício das suas funções devem agir com empenho e zelo de forma a proteger os interesses que lhe são confiados, maxime as legítimas expectativas dos clientes do banco.

III - Emerge do art. 73.º desse diploma, que a entidade bancária deve assumir uma atitude dinâmica e não passiva, uma actividade constante de promoção, vigilância e preservação dos interesses dos clientes, o que implica o emprego de um apertado sistema de controlo e supervisão. Dentre as obrigações inerentes à actividade bancária, salienta-se a outorga aos clientes da garantia de protecção dos fundos confiados.

IV - É dever essencial absoluto da entidade bancária a verificação da assinatura, só ilidindo o banco a presunção de culpa no pagamento de cheques falsificados se provar culpa do cliente, já que lhe é exigível um grau elevado de meios técnicos de preparação para detectar falsificações.

V - A simples observação de assinaturas, feitas a olho nu por funcionário bancário, através de semelhança, não é de molde a afastar a presunção de culpa que impende sobre o banco, por constituir prática falível e não consentânea com os meios tecnológicos de que o banco devia dispor, sendo de exigir a utilização desses meios, designadamente informáticos, para um maior rigor na vigilância dos fundos que lhe são confiados.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA (entretanto falecida tendo os outros AA. sido habilitados para ocuparem o seu lugar na lide), BB e CC, residentes na África do Sul, propuseram a presente acção com processo ordinário contra Banco DD S.A., com sede na Rua J… D…, …/…, Porto, pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhes a quantia indevidamente subtraída acrescida de indemnização por lucros cessantes, correspondente aos juros à taxa anual que se vencerem desde a data dos pagamentos/transferências indevidos, até efectivo e integral pagamento.

Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que são os únicos herdeiros de EE, sendo que o R. resultou da fusão do Banco P… do A… (B…) e sua incorporação no banco R.. Em 1982, o dito EE procedeu à abertura de duas contas bancárias junto do BPA. Por residir na África do Sul, o falecido EE constituiu seu procurador o irmão, FF, que sempre actuou com zelo na defesa dos interesses do seu representado. A R. debitou nas contas bancárias, indevidamente, quantias, entre finais de 1997 e início de 1998, traduzidas em levantamentos e transferências não autorizadas, no montante global de 9.200.083$00.

O R. contestou por excepção, invocando a prescrição do direito de indemnização reivindicado pelos AA.. Acrescenta que todas as ordens de transferência e cheques foram assinadas pelo procurador do A., tendo conferido por semelhança as assinaturas. O beneficiário das ordens de transferências e dos cheques foi um neto do procurador, FF.

Termina pedindo que a excepção de prescrição seja julgada procedente, absolvendo-se o R. da instância; caso assim se não entenda deve a acção ser julgada improcedente e deferida a intervenção acessória provocada de FF.

Os AA. replicaram sustentando que o prazo de prescrição aplicável será o da responsabilidade contratual (art. 309º), pelo que não ocorre a excepção. Acrescentaram dizendo que o procurador, FF, informou que não havia assinado os cheques e as ordens de transferência.

Concluíram como na petição inicial.

Foi admitida a intervenção requerida e ordenada a citação do interveniente.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção da prescrição invocada pelo R., após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção procedente por provada, proferindo-se a seguinte condenação: “Os AA. têm direito a ser indemnizados do valor descontado das ditas contas de depósito, no montante (actual correspondente) de €45.889,41, acrescido de juros à taxa calculados à taxa legal (arts. 804, 805 nº 2 c) e 806 do C.C.), nos seguintes termos: Sobre - Esc. 1.300.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 6 484,37), acrescidos de juros, desde 12.12.1997 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; - Esc. 1.300.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 6 484,37) , acrescidos de juros, desde 26.12.1997 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; - Esc. 180.000$00(correspondentes ao contravalor de € 897,84), acrescidos de juros, desde 14.01.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; - Esc. 160.000$00(correspondentes ao contravalor de € 798,08), acrescidos de juros, desde 15.01.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; - Esc. 215.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 1 072,42), acrescidos de juros, desde 20.01.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; -Esc. 5.000.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 24 939,89), acrescidos de juros, desde 06.02.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; - Esc. 1.045.083$20 (correspondentes ao contravalor de € 5 212,85), acrescidos de juros, desde 12.05.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%” Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 5-05-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Só há responsabilidade civil contratual se houver incumprimento culposo da obrigação, cabendo ao devedor que agiu sem culpa, sendo que esta é apreciada segundo critério de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso.

2ª- A questão da apreciação da culpa é de direito, pelo que importa considerar no caso concreto todas as circunstâncias dos autos.

3ª- O contrato em causa nos autos não é o contrato de abertura de conta ou de depósito, mas o contrato ou convenção de cheque estabelecido entre o titular da conta e o Banco, pelo que é o regime da responsabilidade civil contratual que se aplica e não o regime da responsabilidade pelo risco; 4ª- Por força da convenção de cheque, tinha o Banco a obrigação de verificar se as assinaturas constantes dos cheques e das ordens de pagamento conferiam com a...

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