Acórdão nº 200/06.0JAPTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução12 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO EM PARTE QUANTO À MEDIDA DA PENA Sumário : I - No caso de recurso de decisão de tribunal da Relação, que julgou parcialmente procedente recurso interposto pelo MP, confirmando as penas aplicadas pelo tribunal do júri, em 15-01-09, (entre os 9 meses e os 4 anos de prisão), agravando de 8 para 9 anos a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes por que o arguido foi condenado, a decisão que confirmou as diversas penas parcelares não é recorrível para o STJ, mas já o é a decisão que agravou a pena conjunta.

II - O facto de o arguido ter sido acusado da prática de crime de corrupção passiva para acto ilícito (art. 372.º, n.º 1, do CP) – crime que a actual redacção da al. m) do art. 1.º do CPP inclui no conceito de criminalidade altamente organizada – não impede o julgamento pelo tribunal do júri.

III - O julgamento dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito, porque puníveis com prisão de 1 a 8 anos – art. 372.º, n.º 1, do CP – não estão incluídos na competência directa do tribunal do júri, tal como definida no art. 13.º, nºs. 1 e 2, do CPP. Mas, podendo a competência resultar da conexão de processos, o julgamento dos referidos crimes, nessa hipótese, também não está aí vedado.

IV -É o art. 207.º da CRP que exclui, em termos absolutos, a possibilidade de intervenção do tribunal do júri no julgamento de certas categorias de crimes: os de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada. Mas, pese embora o conceito constitucional tenha tido por fonte a definição de criminalidade altamente organizada vazada no art. 1.º do CPP, não existe identidade conceptual entre os dois normativos.

V - Não custa aceitar que o crime de corrupção, pelo menos a alta corrupção, assente numa organização refinada, capaz de influenciar os diversos centros de decisão, possa ser incluído no conceito constitucional de criminalidade altamente organizada e, como tal, que o seu julgamento esteja vedado ao tribunal do júri. Não é esse, decididamente o caso da “corrupção miúda”, cometida pelo contacto directo entre duas pessoas, cujo propósito e execução nada têm de altamente organizado, e sem prejuízo de altamente lesiva.

VI -É neste último plano que se inscreve o crime que a acusação imputou ao arguido, não podendo, consequentemente, falar-se aqui e, a esse propósito, de criminalidade organizada e, ainda menos, em criminalidade altamente organizada, para efeitos do disposto no art. 207.º da CRP, sem embargo de se poder integrar o conceito da al. m) do n.º 1 do art. 1.º do CPP, para efeitos do que nele se dispõe, designadamente para efeitos do disposto nos seus arts. 202.º e 215.º. Trata-se de conceitos não coincidentes na sua dimensão, razão pela qual não há que falar, a esse propósito, de eventual inconstitucionalidade da norma de direito ordinário.

VII - Se o tribunal de julgamento avançar para a decisão do mérito, manda o art.º 368.º, n.º 2, do CPP, que o presidente enumere discriminada e especificadamente e submeta a deliberação e votação os factos alegados pela defesa (hipótese que no caso interessa) relevantes para a decisão. E o art. 372.º estatui que, concluída a deliberação e votação, é elaborada a sentença de acordo com as posições que fizeram vencimento, a qual, nos termos do n.º 2 do art.º 374.º, deve conter, além do mais, a enumeração dos factos que ficaram provados e dos que foram julgados não provados.

VIII - Em parte alguma se exige, designadamente neste conjunto de normas, que o tribunal arrume em um qualquer capítulo da sentença os factos alegados irrelevantes para a decisão da causa, as eventuais considerações factuais ou jurídicas tecidas pelo arguido a propósito da acusação, ou mesmo factos que estão em contradição com os que foram provados: a prova do facto positivo corresponde à não prova do facto negativo. O simples confronto da sentença com a contestação permite sindicar o cumprimento daqueles preceitos, designadamente o do n.º 2 do art.º 368.º.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA casado, militar da Guarda Nacional Republicana, nascido em França, em 01.02.74, filho de BB e de CC, residente na Urbanização............, Lote......, Armação de Pêra, foi julgado, com outro, pelo Tribunal do Júri do 1º Juízo da comarca de Silves e, a final, condenado: - pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, alínea a) e 3, do CPenal, na pena de dois anos de prisão; - pela prática de dois crimes de coacção agravada, p. e p. pelos arts. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea d), ambos do CPenal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, por cada um deles; - pela prática de um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea d), ambos do CPenal, na pena de um ano de prisão; - pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artº 183º, nº 2, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de dois anos de prisão; - pela prática de cinco crimes de abuso de poder, p. e p. pelo artº 382º do CPenal, na pena de nove meses de prisão, por cada um deles e, - pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo artº 164º, nº 1, alínea b), do CPenal, na pena de quatro anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de oito anos de prisão.

Na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente CC , foi ainda condenando a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial.

Inconformados com esta decisão, dela recorreram para o Tribunal da Relação de Évora o Ministério Público e o Arguido que, pelo acórdão de 9 de Junho do corrente ano (fls. 2430): - negou provimento ao recurso do Arguido e - concedeu parcial provimento ao do Ministério Público, agravando para nove anos de prisão a pena conjunta aplicada ao primeiro.

Do acórdão do Tribunal da Relação recorre o Arguido, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões que se transcrevem: «A.

INCOMPETÊNCIA MATERIAL E FUNCIONAL DO TRIBUNAL DE JÚRI 1 - O Recorrente foi acusado e julgado, entre outros, por um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artº 372º, nº 1, CP.

2 - Estava, por isso, acusado e foi julgado por um crime incluído no conceito legal de "criminalidade altamente organizada" (al. m) do artº 1º).

3 - O artº 207º, nº 1, CRP exclui tais crimes da competência do Tribunal do Júri.

4 - As regras da conexão estabelecidas nos arts 25º e 27º a 31º impunham e impõem que o Arguido seja julgado de uma só vez pelos crimes constantes da acusação em cujo proémio foi requerida a intervenção do júri.

5 - A competência material e funcional do tribunal fixa-se no momento em que foi requerida essa intervenção, não estando, nem podendo estar dependente das vicissitudes posteriores do processo – v., por exemplo, o artº 31º.

6 - Assim sendo, e porque a incompetência material e funcional do tribunal cristaliza uma nulidade insanável – artº 119º, e) –, deve declarar-se inválido o despacho de fls. 1293 que declarou a competência do júri, bem como todos os actos subsequentes, incluindo o julgamento.

7 - O conjunto normativo formado pelos arts. 13º, 25º, 27º a 31º, 119º, e), e 122º, 1, CPP, é inconstitucional, por violar os arts 32º, 9, e 207°, 1, CRP, na interpretação segundo a qual a absolvição do arguido por um crime abrangido pela definição legal de "criminalidade altamente organizada" sana a incompetência material e funcional do tribunal do júri que o julgou por esse e por vários outros crimes.

8 - A decisão contrária por que optou o douto acórdão recorrido carece de fundamento, pelo que ficou exposto nos números antecedentes e ainda porque tem como ratio decidendi a declaração de inconstitucionalidade da ai. m) do artº 1º e dos nºs 1 e 2 do artº 13º do CPP, na interpretação que considera o Tribunal de Júri incompetente para julgar crimes de corrupção, declaração essa que não tem justificação face ao disposto no artº 207° CRP.

B.

NULIDADE DO ACÓRDÃO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA 9 - O arguido, na sua contestação de fls 1337 e segs, alegou um extenso rol de factos cuja apreciação se reveste de indiscutível importância e interesse para a boa decisão da causa em todas as vertentes descritas nas diversas alíneas do nº 2 do artº 368º.

10 - É completa a omissão do douto acórdão da primeira instância sobre esses factos, que não ficaram a constar do elenco dos factos provados nem do dos factos não provados, o que justifica em termos objectivos dúvidas objectivas sobre se os mesmos foram sequer analisados, discutidos e votados pelo tribunal.

11 - O douto acórdão da primeira instância e o douto acórdão recorrido que, o confirmou, incorreram, assim e por violação do nº 2 do artº 374º, na nulidade prevista na primeira parte da al. c) do artº 379º, que devia e deve ser declarada.

12 - Acresce que o douto acórdão impugnado se funda no entendimento de que o Tribunal da 1ª instância está dispensado de explicitar as razões pelas quais considera que os factos alegados pelo Arguido na contestação são irrelevantes ou inócuos, e considera que sobre o Recorrente impende o ónus de justificar a relevância de factos sobre os quais o Tribunal, de todo, se não pronunciou.

13 - O conjunto normativo formado pelos arts 368º, 2, 369º e 374º, 2, CPP, interpretado no sentido de que o Tribunal da primeira instância não tem de enunciar na sentença todos os factos alegados pelo Arguido na contestação, julgando-os provados ou não provados ou explicitando as razões por que os considera irrelevantes para a boa decisão da causa, e no sentido de impor, nessas circunstâncias, sobre o Arguido o ónus de, em recurso, argumentar as razões por que considera esses factos relevantes, é inconstitucional, por ofensa do disposto, entre outros, no artº 32º, 1, CRP.

C.

ERRADA QUALIFICAÇÃO DO ARGUIDO COMO FUNCIONÁRIO PARA EFEITOS PENAIS 14 - O Arguido é militar da...

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