Acórdão nº 9647/03.2TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução03 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: PARCIALMENTE CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - Visando o contrato-promessa de compra e venda determinado fim – in casu, actividade de restauração– só haverá cumprimento se o interesse do credor, no caso do autor/promitentecomprador, for integralmente conseguido.

II - A actividade de restauração não pode ser tida como uma actividade comercial, mas sim industrial.

III - Entende-se por actividade comercial a actividade de mediação nas trocas, baseada na permuta indirecta e restrita à aquisição de mercadorias e sua revenda com intuito lucrativo; trata-se, pois, de uma função intermediária entre a produção e o consumo, enquanto a actividade industrial se traduz numa actividade criadora, de produção, extracção ou transformação de bens.

IV - Constando do alvará do empreendimento que a fracção autónoma se destinava a comércio, nunca as partes podiam afectar a fim diferente – no caso, à actividade industrial de restaurante –; significa isto que estamos perante um caso de impossibilidade da prestação.

V - É à data do negócio que nos temos de reportar para determinar se a impossibilidade é originária, sendo indiferente que se trate de uma impossibilidade definitiva da prestação ou de uma impossibilidade susceptível de desaparecer mais tarde.

VI - No caso concreto a fracção prometida vender não podia ser destinada à actividade de restauração, ab initio, porquanto a finalidade licenciada pela Câmara Municipal a tal impedia; estamos, portanto, perante uma impossibilidade legal resultante das regras que disciplinam imperativamente o regime jurídico da urbanização e edificação. Não ocorre, assim, a extinção de uma obrigação validamente constituída em consequência de uma impossibilidade superveniente – art. 795.º, n.º 1, do CC –, mas uma nulidade decorrente de uma impossibilidade objectiva e originária da prestação – art. 401.º, n.º 1, do CC (cf., também, o art. 280.º do CC – impossibilidade legal do objecto do negócio, nas circunstâncias concretas do programa contratual convencionado ou a sua contrariedade com regulamentação jurídica de ordem pública).

Decisão Texto Integral: Relatório Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB. Lda.

Em resumo, alegou em fundamento: - Em 18/3/2002 celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, por via do qual a Ré prometeu vender ao A. e este prometeu comprar-lhe, a fracção autónoma, designada pela letra B), integrada no edifício a construir no lote 4 do empreendimento sito na … freguesia e concelho de Albufeira, denominado “…”; - O preço convencionado foi de 74.900€, posteriormente, por aditamento ao contrato, aumentado para 134.675€.

- Desse preço o A. entregou à Ré, a título de sinal e princípio de pagamento as quantias de 5.000€ e 29.915€ (total de 34.915€).

- Convencionaram que a fracção em causa se destinava à actividade de restaurante chinês, sendo que tal actividade constituía elemento essencial do negócio, sem o qual o A. não o teria realizado, como era do conhecimento da Ré.

- A Ré obrigou-se a obter a respectiva licença; - Porém, por carta de 23/9/2002 a Ré informou a A. que, por parecer da Câmara Municipal de Albufeira, não era viável a instalação na fracção de qualquer estabelecimento de restauração e bebidas, tendo o A. ficado estupefacto com a notícia, sentindo-se enganado.

- A partir daí há incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da Ré, que assim ficou impossibilitada de poder vender ao A. a aludida fracção.

Termina pedindo que seja declarada a resolução do contrato-promessa em questão, por facto exclusivamente imputável à Ré, devendo ser esta condenada (além do mais que não está aqui em causa) a pagar ao A. o dobro do sinal ou seja 90.830€, acrescidos dos juros vencidos e vincendos.

Contestou a ré alegando no essencial: - O A. quando assinou o contrato-promessa sabia que a fracção era destinada ao comércio; - A Ré não se obrigou perante o A. obter qualquer licença, designadamente para o exercício da actividade de restaurante chinês; - O A. nunca declarou que não assinava o contrato-promessa se não fosse possível usar a fracção como restaurante chinês, estando, aliás, consciente a quando da assinatura do contrato que a CM de Albufeira poderia inviabilizar a utilização da fracção para restaurante; - Foi o A.; quem não compareceu no Cartório Notarial para outorgar a escritura de compra e venda.

Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Instruídos os autos realizou-se a audiência de discussão e julgamento, e, lida a decisão de facto, foi proferida da sentença final que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R a pagar ao A. a quantia de 69.830 €, a título de restituição do dobro do sinal prestado, com juros legais desde 23/7/2003, até efectivo pagamento, absolvendo a Ré do demais pedido.

Condenou ainda a Ré na totalidade das custas.

Inconformada recorreu a Ré, requerendo, ao abrigo do disposto no Art.º 725 do C.P.C. que o recurso subisse directamente a este S.T.J. (recurso per saltum) o que veio a ser deferido e aceite, oportunamente por este Supremo Tribunal (conf. despacho do relator, que antecede).

Conclusões Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:Conclusão da Revista

  1. A recorrente e o Recorrido celebraram um contrato promessa de compra e venda junto aos autos de fls 10 a 14, em que a Recorrente prometeu vender ao Recorrido e este prometeu comprar a fracção autónoma designada pela letra B no edifício a ser construído no lote 4 do empreendimento sito na …, freguesia e concelho de Albufeira, denominado …, titulado pelo alvará de loteamento urbano nº2 4/95, emitido pela Câmara Municipal de Albufeira em 17/08/1995.

  2. Essa fracção autónoma estava desenhada na planta anexa ao contrato promessa de compra e venda, a qual se encontra rubricada pela Recorrente e pelo Recorrido e, nessa planta, no espaço correspondente à fracção B, estava impressa a letras maiúsculas a expressão COM, que constitui a abreviatura de comércio.

  3. A recorrente não assumiu qualquer obrigação de obter o licenciamento para o funcionamento do restaurante chinês, tendo apenas autorizado o Recorrido a instalar naquela fracção autónoma um restaurante chinês.

  4. Não se provou que houvesse qualquer facto impeditivo da realização do contrato prometido, pelo que a sentença recorrida, ao julgar haver uma situação de impossibilidade superveniente da prestação, imputável à recorrente, cometeu um erro de julgamento e aplicou indevidamente o artigo 801, nº 1, do C. Civil.

  5. A impossibilidade de afectar a fracção autónoma objecto do contrato promessa de compra e venda ao exercício da indústria hoteleira (restauração) decorre do alvará de loteamento urbano n9 …, emitido pela Câmara Municipal de Albufeira em 17/08/1995, pelo que essa impossibilidade já existia à data da celebração do...

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