Acórdão nº 1/08.0TRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - Num breve excurso sobre o elemento objectivo do tipo legal previsto no art. 180.º do CP, dir-se-á que o bem jurídico protegido com a incriminação é a honra e a consideração de outra pessoa. Se a honra respeita mais a um juízo de si sobre si, a consideração reporta-se prevalentemente ao juízo dos outros sobre alguém.

II - Por seu turno, o elemento subjectivo vem a traduzir-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei.

III - Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano.

IV - O art. 180.º do CP contempla, no seu n.º 2, uma dirimente típica que resulta da conjugação de dois factores, constituindo o primeiro desses factores na circunstância de a imputação ter sido feita para realizar interesses legítimos. O outro requisito da dirimente prende-se com a prova da verdade dos factos. Ora, a al. b) do n.º 2 do art. 180.º do CP dá igual relevância à prova da verdade dos factos como ao fundamento sério para, em boa fé, reputar verdadeira a imputação desses mesmos factos.

V - O dever de depor com verdade, em processo público, configura a “prossecução de um interesse legítimo”, do mesmo modo que, no caso destes autos, o dever de o juiz prestar uma informação que lhe foi solicitada, no âmbito de uma inspecção ao juízo do tribunal onde presta funções.

VI - A doutrina e jurisprudência têm apontado, a propósito das exigências de necessidade e adequação que devem rodear a prossecução de um interesse legítimo, que o facto que estiver em causa, por um lado, deve ser divulgado do modo menos gravoso possível para o seu autor, e por outro, que não poderão casionar-se, com a divulgação, efeitos devastadores para a pessoa atingida, se o interesse a salvaguardar com a divulgação for insignificante ou pouco relevante. Retenha-se porém que essas cautelas têm sido propugnadas a propósito de notícias, ou seja, de divulgação de factos desonrosos através da comunicação social. E percebe-se que aí se tenha que ser especialmente exigente, exactamente porque a gravidade do ilícito plasmada na lesão do bem jurídico é enorme: está em causa uma divulgação por um universo ilimitado de pessoas, e, para além disso, a notícia difamatória fica disponível para no futuro poder ser recorrentemente utilizada.

VII - No caso em apreço, está em causa um escrito, que constitui um parecer, que integra um processo de inspecção, para conhecimento de um número limitado de pessoas, pelo que estamos longe do contexto de divulgação de factos ao nível da comunicação social.

VIII - A questão da adequação mexe evidentemente com o propósito específico de ofender ou não ofender. Porque sendo a intenção do agente do foro necessariamente interno, só o modo como ela é exteriorizada nos pode servir de apoio. Para tanto, é de grande importância que se não haja ultrapassado um limite, que ficará ultrapassado quando depararmos com a clara descontinuidade do plano lógico-conceitual em que o discurso se devia manter. Ou, como se diz no Ac. do STJ de 03-06-2009 (Proc. n.º 828/08 - 5.ª Secção), quando os juízos formulados perdem todo e qualquer ponto de conexão com a tarefa que o seu autor confessadamente se propõe realizar.

IX - O modo como o arguido se exprimiu, discutível, enquanto instrumento ao serviço do interesse público da avaliação da senhora funcionária, não atingiu porém o grau de despropósito, suficiente, para que possamos inferir que se aproveitou da ocasião para prosseguir um interesse desviado, com o que, então sim, denunciaria um propósito de ferir a assistente na sua honra e consideração. Não se vê que o arguido tenha ultrapassado aquela barreira do despropósito, enveredando por factos e/ou valorações, sem conexão com a apreciação do seu desempenho profissional, nem que tenha sido excessivo, porque quis, exactamente, ser propositadamente excessivo.

X - Por outro lado, é certo que o arguido não se limitou a adiantar conclusões, no sentido de formulações de simples juízos de valor sobre o carácter da assistente. Descreveu, às vezes longamente, episódios de que tirou consequências. E o que ressalta, mais uma vez, do parecer e das declarações prestadas em inquérito, é que o arguido se convenceu mesmo das ocorrências que relatou, e achou que esse convencimento não era leviano. Aceita-se, em face da argumentação que aduziu, que o arguido se tenha servido de “fundamento sério”, para si, ao formar a convicção que formou.

Decisão Texto Integral: AA, juiz de direito, figura como arguido em processo crime na fase de instrução e com o número acima indicado, o qual correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa. Na verdade, apresentada uma participação pela ora assistente, contra este magistrado, procedeu-se a inquérito, tendo os autos sido arquivados pelo MºPº (fls. 1424 a 1428). Foi então requerida a instrução (fls. 1440 a 1464), e, após a realização de debate instrutório, foi proferida decisão de não pronuncia do arguido, pela prática dos cinco (5) crimes de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180.º e 184.º, ex vi artigo 132.º, n.º 2, alínea j), do Código Penal, que lhe eram imputados pela assistente BB.

Inconformada, a assistente interpôs recurso para este Supremo Tribunal, que cumpre pois conhecer.

A - DECISÃO RECORRIDA É do seguinte teor a decisão instrutória recorrida que se transcreve na íntegra: “1. Estatui o artigo 308.° do C.P.Penal sobre a decisão final a proferir após o encerramento da instrução.

Essa decisão final pode ser de dois tipos: a) despacho de pronúncia - se recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (n.° 1, 1.ª parte).

O despacho deverá conter os elementos constantes do n.° 3 do art.° 283.° relativos à acusação.

A noção de indícios suficientes é-nos dada pelo n.° 2 do art.° 283.° citado.

  1. despacho de não pronúncia - se os elementos recolhidos não constituírem indícios suficientes que justifiquem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (n.° 1, 2." parte).

    Conforme dispõe o n° 1 do art.° 286° do Código de Processo Penal "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". Tal como resulta do preceito legal transcrito, a instrução não consubstancia um novo inquérito, mas apenas um momento processual de comprovação que termina com um despacho judicial pronunciando, ou não, o arguido pelos factos que lhe são imputados (cfr. Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 9ª Edição, 1998, pág. 538, Manuel L. Maia Gonçalves).

    Dispõe o art.° 308 n.° 1 do Código de Processo Penal que "se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia".

    A instrução visa, assim, apurar se, dos elementos constantes dos autos, designadamente os resultantes das diligências probatórias efectuadas, resultam ou não indícios suficientes de o arguido ter praticado factos susceptíveis de o fazerem incorrer em responsabilidade criminal.

    Consideram-se suficientes os indícios, e por expressa remissão do n° 2 do art° 308° para o n° 2 do art.° 283° - respeitante ao despacho de acusação -, ambos do Código de Processo Penal, sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força daqueles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança, na esteira, aliás, do que, na falta de norma expressa no domínio de vigência do Código de Processo Penal de 1929, já vinha sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência.

    Luís Osório (citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Abril de 1998, C.J., Tomo II, pág. 162) refere, no seu Comentário ao Código de Processo Penal Português, vol. IV, pág. 441, que "devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”.

    E o Prof. Figueiredo Dias, citado no referido Acórdão, escreve: "tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do Juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação".

    "Indiciação suficiente é a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção porque os agentes virão a responder" (Acórdão do S.T.J. de 10 de Dezembro de 1992, Proc.° n° 427.747, citado no Acórdão da Relação do Porto de 12 de Fevereiro de 1997, C.J., Tomo I, pág. 263).

    Indícios, e seguindo de perto a definição proposta pelo Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 182 e ss.), são meios de prova, enquanto causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais do crime.

    Nas fases preliminares do processo penal, "maxime", na fase da instrução, não se pretende alcançar a demonstração da realidade dos factos; pretende-se, tão-só, recolher indícios, sinais, que um crime foi, ou...

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