Acórdão nº 08B1945 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução10 de Setembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO Decisão: NEGADO PROVIMENTO Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 378º, 494º, 495º, 661º, 667º, 716º CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 427º, 428º, Sumário : 1. A falta de alegação oportuna de matéria de facto preclude a possibilidade da sua alegação no recurso de revista.

  1. Tendo as partes acordado num mecanismo de determinação de prejuízos que implicava a intervenção de um revisor oficial de contas e a aplicação de certos critérios técnicos, não pode o tribunal condenar no respectivo pagamento sem essa intervenção prévia.

  2. Não é admissível a rectificação de erros materiais de uma decisão após a subida do recurso dela interposto.

  3. Provada a existência de prejuízos, pode a respectiva quantificação ser remetida para liquidação.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 20 de Janeiro de 2004, R... – Recolha de Leite da Beira Interior, Lda., instaurou contra Lacticínios Progresso do M..., Lda. uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de (a) € 231.577,08, com juros de mora calculados “sobre o montante de € 215.857,62, desde o vencimento das facturas até integral e efectivo pagamento”; (b) de todas as importâncias correspondentes aos prejuízos já verificados e que vierem a resultar do “incumprimento do artigo 11º do pacto social”, a liquidar; e (c) dos “honorários devidos ao Revisor Oficial de contas, por virtude do apuramento dos prejuízos causados pela ré”.

    Para o efeito, a autora alegou, em síntese: – ter como objecto social “a recolha, concentração, distribuição, pasteurização e empacotamento de leite”; – ser a ré sua sócia; – resultar do referido artigo 11º que, nas zonas em que actua, é vedado aos sócios “efectuarem recolha própria de leite”, que o leite disponível é rateado entre os “sócios na proporção das suas participações no capital social” e que “os sócios que não pretenderem o leite que lhes cabe” são responsáveis pelos prejuízos que causarem, que serão apurados por um Revisor Oficial de Contas, nos termos ali estabelecidos, devendo suportar os respectivos honorários; – que estão em dívida diversos pagamentos, relacionando várias facturas por pagar, total ou parcialmente (€ 175.742,92+ €40.114,7); – que são devidos juros de mora, à taxa legal supletiva de 12%, desde o vencimento de cada factura até efectivo pagamento (artigo 102º do Código Comercial e Portaria nº 262/99, de 12 de Abril), já vencidos no montante de € 15.719,46; – que a ré deixou de comprar leite, por decisão unilateral, a partir de Abril de 2003, devendo portanto suportar os prejuízos, a calcular nos termos acordados, e a liquidar em execução de sentença.

    A ré contestou, por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção.

    Em resumo, contrapôs: – que foi a autora que, por deliberação de 8 de Agosto de 2003, decidiu deixar de lhe fornecer leite, o que se verifica desde 25 desse mesmo mês, condicionando os fornecimentos ao pagamento do que entende estar em dívida e à prestação de uma garantia bancária; – que a confissão resultante do documento assinado pela ré e junto com a contestação, relativo àquela deliberação, implica a improcedência dos pedidos formulados em b) e c) na petição inicial; – que a autora nunca cumpriu as obrigações que legal e estatutariamente lhe cabiam, nomeadamente quanto à concentração do leite, limitando-se a recolhê-lo nos postos e a transportá-lo para as unidades de produção, obrigações aquelas que eram a contrapartida do dever da ré de lhe comprar o leite e não proceder a recolha própria, invocando assim a excepção de não cumprimento; – que nomeadamente entregou à ré os quarenta e quatro postos de recepção de leite de que dispunha; – que o leite fornecido nunca cumpriu as exigências de qualidade legalmente estabelecidas; – que a autora não satisfez a sua exigência de que “o leite fosse acompanhado dos relatórios da análise microbiana e físico-química” comprovativos da qualidade; – que isso a forçou a fazer ela própria a análise do leite recebido; – que a falta de qualidade do leite lhe causou avultados prejuízos, tendo reagido por diversas vezes, em vão; – que opôs a compensação entre créditos da autora, por fornecimentos realizados, e o que lhe cabe pelos prejuízos sofridos, que ascendem, de 1 de Janeiro de 2000 até à cessação de fornecimentos, a € 815.269,20, devendo portanto a autora ser condenada no pagamento da diferença; – que não tem de indemnizar a autora por não recebimento de leite na proporção da sua participação; – que, a entender-se o contrário, seria abusivo o exercício do direito da autora a que a ré recebesse o leite.

    Em reconvenção, invocou o já referido crédito de € 815.269,20, de novo opondo a compensação com o crédito da autora, no valor de € 200.191,01, e pediu a condenação da autora no pagamento da diferença (€ 615.078,19), com juros à taxa legal, contados desde a notificação para contestar a reconvenção, até efectivo pagamento; pediu ainda a condenação da autora no pagamento do valor que vier a ser liquidado “proveniente do dano da cessação de fornecimentos por vontade” da autora, desde o fim de Agosto de 2003, a declaração de que, “até que se encontre realizado o fim social de concretização do posto de concentração,”, tem o direito de “recolher e adquirir leite sem observância do disposto no artigo 11º do Pacto Social e sem a cominação nele imposta” e a condenação da autora a pagar-lhe “o valor dos quarenta e quatro postos de recepção de leite, com frio, que eram de sua propriedade, valor esse que se estima em cento e sessenta e cinco mil euros”.

    Subsidiariamente, pediu a devolução desse valor, por enriquecimento sem causa ou, em alternativa, a entrega dos postos, “por terem sido cedidos em vista de fim que nunca se realizou”.

    Na réplica, a autora ampliou o pedido, pedindo ainda a condenação da ré no pagamento de € 3.074,61 de juros correspondentes ao atraso nos pagamentos relativos aos fornecimentos de Maio e Junho de 2003.

    Houve tréplica.

    No despacho saneador foi julgada procedente a prescrição da obrigação de pagamento à ré do valor correspondente aos quarenta e quatro postos de recolha de leite, enquanto fundamentada em enriquecimento sem causa (artigo 482º do Código Civil), e foi indeferida a ampliação do pedido da autora.

    A fls. 938 foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, tendo sido decidido: “A) 1. Condenar a ré no pagamento à autora da quantia de € 212.465,67 (duzentos e doze mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora [pedido a) da autora], - desde a data da citação e até 30 de Setembro de 2004, à taxa de 12% - desde 1 de Outubro de 2004 e até 31 de Dezembro de 2004, à taxa de 9,01%, - desde 1 de Janeiro de 2005 e até 30 de Junho de 2005, à taxa de 9,09%, - desde 1 de Julho de 2005 a 31 de Dezembro de 2005, à taxa de 9,05%, - desde 1 de Janeiro de 2006 a 30 de Junho de 2006, à taxa de 9,25%, - desde 1 de Julho de 2006 a 31 de Dezembro de 2006, à taxa de 9,83% e, - desde 1 de Janeiro de 2007 e até integral pagamento, à taxa de 10,58%, sem prejuízo de eventuais futuras alterações da taxa de juro.

  4. Absolver a ré do demais peticionado.

    1. Absolver a autora dos pedidos reconvencionais.” 2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 1068, foi concedido provimento à apelação da autora, sendo julgados procedentes os pedidos b) e c) da petição inicial; e concedido provimento parcial à apelação da ré, “no que se refere aos danos decorrentes do aumento dos custos de produção e no diferencial do que teve de pagar a mais pelo leite que passou a adquirir a terceiros, danos estes a liquidar em execução de sentença e a compensar com o crédito da autora”.

    Novamente recorreram ambas as partes, agora para o Supremo Tribunal da Justiça. Os recursos foram recebidos como revista, com efeito devolutivo.

    Nas alegações que apresentou, a recorrente Lacticínios Progresso do M..., Lda. formulou as seguintes conclusões: “1ª. A questão central do presente recurso consiste em saber se dos autos decorre que a autora alegou e provou a existência de prejuízos no seu património causados pela recusa da ré em receber o leite fornecido pela autora em 20 e 25 de Maio de 2003, ou posteriormente.

    1. - A factualidade que para tanto releva é que resulta provada nas alíneas G) e SS) da matéria assente e na resposta aos quesitos 34 e 35 (cfr. fls. 31 da sentença da 1ª instância).

    2. - De parte alguma dessa factualidade, ou da demais provada nos autos, resulta o determinismo ou a inevitabilidade que a utilização da palavra "teve" revela ter estado subjacente à conclusão, no acórdão recorrido, da existência de prejuízos causados pela recusa da ré no recebimento do aludido leite (cfr. fls. 1083, in fine ).

    3. - Provado está apenas que a autora emitiu e enviou à ré "notas de débito" correspondentes às importâncias relativas à diferença do preço de venda de leite à ré e o preço a que colocou no mercado o leite que àquela cabia porque a ré recusou o leite enviado pela autora nos dias 20 e 25 de Maio de 2003, 5ª - E não que a autora, por alguma compulsão contratual ou legal, foi forçada a fazê-lo.

    4. - A autora, designadamente, não alegou a quantidade de leite recusado pela ré, a entidade a quem, eventualmente, o vendeu, o preço obtido, e, sobretudo, a actividade desenvolvida para a sua colocação no mercado.

    5. - Sendo que com respeito a tal actividade, a autora não alegou que previamente à colocação no mercado do leite recusado pela ré, cumpriu o requisito estabelecido no nº 3 do artigo 11º do respectivo pacto social (cfr. cit. alínea G).

    6. – Ou seja: a autora não alegou que ao ser informada com antecedência pela ré da recusa desta em receber o leite (cfr. resposta ao quesito 34) 9ª – O ofereceu à preferência dos demais sócios, como obrigada estava a fazê-lo face ao estipulado nº 3 do artº 11º do seu pacto social, 10ª – Para que aqueles, no prazo aí fixado, se manifestassem, ou não, sobre o respectivo interesse...

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