Acórdão nº 05418/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCoelho da Cunha
Data da Resolução19 de Novembro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência no 2º Juízo do TCA Sul 1.

Relatório A...-SOCIEDADE DE IMPORTAÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS, SA, intentou no TAC de Lisboa, contra a AGÊNCIA NACIONAL DE COMPRAS PÚBLICA, E.P.E., acção administrativa de contencioso pré-contratual, nos termos do artigo 100º e seguintes do CPTA, pedindo a anulação do acto de exclusão das propostas que apresentou ao GRUPO 8, lotes nº59 a 68, do “Concurso Público Internacional para a selecção de fornecedores de veículos automóveis e motociclos”, tomada pelo Júri no dia 26 de Janeiro de 2009.

O Mmº Juiz do TAC de Lisboa, por decisão de 25.07.2009, julgou a acção improcedente e, em consequência absolveu a Ré dos pedidos peticionados.

Inconformado, o A. interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as seguintes conclusões:

  1. A sentença em crise não considerou estarem verificados os vícios identificados pela Recorrente na sua petição, pelo que enferma, em correspondência, dos erros de julgamento relativos à apreciação de cada um desses vícios.

  2. A exigência concursal que fundamentou a exclusão da proposta da Recorrente (apresentação da declaração de cumprimento dos níveis de serviço constante do Anexo IV. 8), sob pena de exclusão da proposta, violava o princípio da proporcionalidade, na vertente da adequação, dado que a declaração em apreço não exercia qualquer função útil no Concurso.

  3. De facto, ao preencher e entregar a declaração prevista na alínea h) do n.º 9 do artigo 8º do Programa de Concurso, a Recorrente declarou aceitar e cumprir TODAS as condições previstas no Caderno de Encargos e, portanto, também os níveis de serviço constantes do artigo 29.° n.° 3, 4, e n.° 9 do Caderno de Encargos, os quais correspondem na íntegra aos níveis de serviço referidos no Anexo IV.8.

  4. Daqui se infere, portanto, que a declaração a que diz respeito o Anexo IV.8 é redundante - aliás, desnecessária -, nada acrescentando à declaração de aceitação e cumprimento do Caderno de Encargos prevista na alínea h) do n.°9 do artigo 8.º do Programa de Concurso, antes se limitando a repetir algo que os concorrentes declararam noutro ponto da proposta.

  5. Desta forma, a exigência desta declaração relativa ao Anexo IV.8, apesar de legítima, torna-se desproporcional se, associada à sua falta, for excluída alguma proposta que, por outra declaração, já manifestou o cumprimento do Caderno de Encargos.

  6. Por isso mesmo, a sentença em crise parece ter descuidado o princípio da adequação entre o fim legal visado pela norma que atribui a competência (in casu essa norma é a que habilita a entidade adjudicante a exigir determinados documentos, sendo o fim legal mediato visado a escolha da melhor proposta possível na óptica do interesse público prosseguido e o fim legal imediato a vinculação dos concorrentes a determinados níveis de serviço que a entidade adjudicante considera serem os limites mínimos ou máximos adequados) e o meio utilizado para alcançar esse fim tem de existir uma relação de adequação.

  7. E não se vê como pode vingar o entendimento da sentença de que a haver uma declaração redundante, esta seria sempre a declaração prevista na alínea h) do n.º9 do artigo 8.° do Programa do Concurso, por esta ser uma declaração de "carácter geral”.

    È evidente que essa declaração apesar de ser geral, não é uma mera declaração, sem valor ou de valor enfraquecido. A característica de generalidade de que beneficia não tem o efeito de a enfraquecer, apenas de acolher no seu seio a aceitação de um maior número de condições do que a declaração do Anexo IV.8 que, por ser especial, apenas abrange as condições (níveis de serviço) previstas nos n.ºs 3, 4 e 9 do artigo 29.° do Caderno de Encargos.

  8. A sentença avança assim para uma concepção intoleravelmente formalista do concurso público, nos termos da qual podem ser exigidos documentos para instruir a proposta que não exercem qualquer função, pois são mera repetição de outro documento que é exigido nesse mesmo procedimento.

  9. Por esta razão, a exigência do preenchimento do Anexo IV.8, por redundante, desnecessária e irrelevante, viola o princípio da proporcionalidade na vertente da adequação, princípio este com assento constitucional (cfr. artigo 266.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e legal (cfr. artigo 12.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 197/99 e artigo 5.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo), pelo que, ao não conceder provimento à presente acção, com base nesta alegação, a sentença enferma de erro de julgamento, por errada aplicação do direito.

  10. Ao fazer da falta do preenchimento do referido anexo uma causa de exclusão de propostas, a sentença consubstancia, por si só, uma violação do princípio da proporcionalidade.

  11. Quando a ANCP exige que os concorrentes preencham e entreguem a declaração constante do Anexo IV.8, o que está a fazer, na verdade, é exigir que estes se vinculem a determinados níveis de serviço. É que, em bom rigor, a ANCP não exige (espera-se) os documentos por mero capricho,.. Solicita-os (espera-se) para deles poder retirar determinada informação que considera relevante à prossecução do seu objectivo de bem contratar.

  12. Assim, olhando para a proposta da Recorrente, concretamente para o Formulário da Proposta, a ANCP não pôde senão chegar à conclusão de que a Recorrente expressamente se vinculou aos níveis de serviço fixados pela própria ANCP.

  13. A falta do preenchimento do Anexo IV.8 não significa, ao contrário do que afirmou o Júri na pág. 14 da Acta do acto público, que a Autora "não declar (ou), como devia para se submeter a concurso, o cumprimento dos níveis de serviço obrigatórios e viol(ou) o artigo 8.°, n.°9, alínea b), do programa do concurso e o artigo 29.º do caderno de encargos”.

    Muito pelo contrário: essa declaração está feita no Formulário da Proposta, através do qual a Autora declarou aceitar TODAS as condições do Caderno de Encargos.

  14. Termos em que a exclusão em causa, que seria a forma de a ANCP garantir que nenhuma proposta "fugia" aos níveis de serviço por si fixados no Caderno de Encargos, não desempenha qualquer função útil. Por conseguinte, a causa de exclusão em apreço, no que respeita à falta do preenchimento do Anexo IV.8 não era apta a prosseguir o objectivo para que foi criada, razão pela qual a sentença, ao não considerar tal realidade, viola o princípio da proporcionalidade na vertente da adequação, princípio este com assento constitucional (cfr. artigo 266.°, n,°2, da Constituição da República Portuguesa) e legal (cfr. artigo 12.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.°197/99 e artigo 5°, n.°2, do Código do Procedimento Administrativo).

  15. O n.°3 do artigo 16.° do Programa de Concurso, que enuncia as causas de exclusão das propostas, e que fundou a decisão impugnada, reproduz o espírito e em alguns casos a letra, do artigo 104.° do Decreto-Lei n.°197/99, maxime do seu n.°3. A alínea b), invocada pelo Júri para excluir a proposta da Recorrente, vai de encontro à alínea c) do artigo 104.°, n.°3 (e o artigo 11.° do Programa de Concurso reproduz, adaptando, o artigo 97.°, n.°1, daquele diploma). Deste preceito legal resultam, com relevo para o caso em apreço, como fundamentos de exclusão, a falta de elementos exigidos nos termos do n.º1 do artigo 47.° (alínea b), do n.°3 do artigo 104.°) e a não observância do disposto no artigo 97.° (alínea b) do n.° 3 do artigo 104.°).

  16. O artigo 104.° é claro, bastante claro, a vincar a ideia de essencialidade no caso de preterição de formalidades (cfr. alínea c) do n.° 3 do artigo 104.° e artigo 97º ambos do Decreto Lei n.°197/99); já não o sendo quanto à falta dos elemento exigidos (cfr. alínea b) do n.º 3 do artigo 104.°).

  17. Daí que a questão que se colocava era a de saber se, atento o documento em causa, se o mesmo podia ser considerado um elemento da proposta cuja falta arrecada imediatamente a sanção da exclusão ou se, ao invés, e apesar de vir classificado como elemento da proposta pelo Programa de Concurso, devia o mesmo ser tratado como uma formalidade.

  18. Com efeito, a remissão da alínea b) do n.º 3 do artigo 104.° para o artigo 47º expressamente reserva a noção de elementos da proposta para os elementos que consubstanciam aspectos essenciais do contrato sujeitos a concorrência, por revelarem os termos em que o concorrente pretende contratar e que, por isso, são relevantes para a avaliação das propostas.

  19. A declaração cujo preenchimento foi omitido não consubstancia - e nem pode consubstanciar - um elemento da proposta.

    Aliás, a própria sentença reconhece-o, de forma expressa.

  20. Ora, se assim é, se, como a própria sentença reconhece, estamos perante um documento que não é um elemento da proposta, o seu não preenchimento não poderia, por essa razão, ser fundamento de exclusão da proposta à luz do n.º 3 do artigo 16.° do Programa e do n.° 3 do artigo 104.° do Decreto-Lei n.º197/99.

    E a aplicação que desse artigo fez o Júri, e que não mereceu qualquer reparo na sentença, é manifestamente ilegal porquanto compreende uma errada interpretação do direito aplicável e transforma uma mera formalidade, sempre suprível como veremos, num elemento da proposta cujo suprimento, nem se vê como, transformaria e alteraria a proposta, pelo que a sentença, também ela, enferma de erro de julgamento.

  21. Do que antecede resulta, necessariamente, que a declaração em falta se traduz numa mera formalidade não essencial do concurso porquanto ela traduz uma mera redundância, uma mera confirmação de algo que foi declarado, com todo o rigor, noutro ponto da proposta.

  22. Assim, se o Júri, por recurso aos documentos da proposta e à conjuntura do procedimento, acabou por verificar que o concorrente declarou aceitar e cumprir todas as condições previstas no Caderno de Encargos, não pode senão aceitar a proposta, sob pena de utilizar a imposição concursal para outros fins que não aqueles para que foi destinada (cfr. Ac. STA de 28.06.86, in Ac. Dout. n.° 206, pág. 780).

  23. Ou seja, sempre que uma formalidade, mesmo que essencial, é preterida sem...

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