Acórdão nº 0551/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 – A… intentou a presente acção administrativa especial contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, impugnando a deliberação do seu Plenário de 3-2-2009, que lhe aplicou a sanção disciplinar de aposentação compulsiva e manteve a deliberação da Secção Disciplinar do mesmo Conselho de 16-12-2008.

O Conselho Superior do Ministério Público contestou, defendendo que o acto impugnado não padece de qualquer vício.

O Autor apresentou alegações com as seguintes conclusões: I. O acto impugnado é inválido, por violação do caso julgado, e deve ser declarado nulo nos termos do nº 2 do artigo 158º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e da alínea h) do nº 2 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo.

  1. Em primeiro lugar, o acto sancionatório não podia ser renovado (ou praticado um novo acto com pressupostos substancialmente idênticos), dado ter sido anulado por erro sobre os pressupostos de facto, reconduzindo o dever de execução da sentença à reconstituição da situação actual hipotética e salientando o efeito inibitório que proibia o Conselho Superior do Ministério Público de reincidir na prática de um acto sancionatório que assumisse pressupostos de facto e valorações substancialmente idênticas às do acto anulado.

  2. Para tentar escapar à emulação pura e simples dos factos e valorações anteriores, o acto impugnado funda-se na consideração de que o autor emitiu mandados de detenção legais mas demasiado céleres e com isso violou o princípio da igualdade.

  3. Se os mandados de detenção obedeceram aos seus requisitos legais de emissão, como sustentar que houve violação do princípio da igualdade? A existir violação do princípio da igualdade essa violação teria de ser assacada à habilitação normativa e não ao comportamento legal que a concretizou.

  4. Não há violação do princípio da igualdade na legalidade.

  5. Para além disso, a aplicação do princípio da igualdade implica sempre a emissão de um juízo relacional, que deve assentar em factos concretos comparáveis. Ora, o acto impugnado não invoca quaisquer situações factuais concretas que possam permitir a emissão desse juízo de comparabilidade.

  6. A referência a 'violação objectiva do princípio da igualdade' constitui a confissão cabal da improcedência do argumento.

  7. O autor não sabe, sequer se o fundamento se mantém já que a contestação apresentada pela entidade demandada nem sequer se refere, especificamente, ao princípio da igualdade.

  8. Por outro lado, a referência ao princípio da imparcialidade constante da contestação da entidade demandada, reflecte as mesmas perplexidades. O princípio da imparcialidade implica sempre a decisão motivada pela beneficiação específica de um interesse que não devia ser considerado.

  9. Sobre este aspecto a entidade demandada afirma que basta haver suspeição e que a violação da imparcialidade é objectiva.

  10. Remetendo para as considerações já efectuadas nas alegações, reitera-se que não há violação da imparcialidade na legalidade: a existir seria uma questão de inconstitucionalidade da habilitação normativa! XII. Em segundo lugar, o acto impugnado também viola o caso julgado por pretender que o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto tribunal de revista, se pronuncie sobre a matéria de facto considerada assente ou sobre os juízos valorativos emitidos sobre a matéria de facto tal como considerados no acórdão da 2ª Subsecção que anulou o anterior acto sancionatório.

  11. O Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, ao praticar um novo acto sancionatório com base nos mesmos pressupostos de facto, está a induzir o Supremo Tribunal Administrativo a ter que voltar a pronunciar-se sobre tal questão, em sede de impugnação contenciosa.

  12. Ora, tal não pode acontecer porque o Supremo Tribunal Administrativo, pelo Pleno, já declarou, com trânsito em julgado, que tal matéria não pode ser, por ele, conhecida. O poder jurisdicional esgotou a sua capacidade de conhecimento da questão.

  13. Mais. Relativamente àqueles factos e às valorações emitidas sobre esses mesmos factos, a 1.ª Secção através da 2ª subsecção esgotou o seu poder jurisdicional. Por outro lado, e tendo em conta a elevadíssima probabilidade (para não dizer certeza) do Pleno da Secção ser chamado a conhecer do litígio, é óbvio que se pretende uma pronúncia que o Supremo Tribunal Administrativo não pode dar.

  14. Em terceiro lugar, a ofensa do caso julgado, tal como promovida pelo acto impugnado, ainda decorre do facto de não se ter reconstituído o procedimento disciplinar ou, no mínimo, ter elaborado nova acusação.

  15. Ao praticar um novo acto administrativo o Conselho Superior do Ministério Público tem de proceder necessariamente a uma nova instrução do procedimento administrativo. Não é possível (ainda por cima em matéria sancionatória) ignorar a necessidade legal de procedimentalização da acção administrativa.

  16. No procedimento disciplinar, a intervenção do autor, então arguido, foi balizada pela acusação e pelas valorações nela constantes. Ou seja, o autor só se defendeu no processo disciplinar em função dos argumentos factuais e valorativos constantes da acusação.

  17. Nunca, em momento algum, o autor foi chamado no procedimento disciplinar a pronunciar-se sobre as valorações agora efectuadas pela entidade demandada. Ou seja, o autor está a ser sancionado sem ter tido oportunidade no processo disciplinar de se pronunciar sobre valorações subjacentes à acusação. Porque, na verdade, a acusação de que se defendeu imputava-lhe o favorecimento do B… XX. Isto significa que a ausência de reinstrução do procedimento disciplinar determinou a impossibilidade do autor se pronunciar sobre a valoração administrativa subjacente à acusação e à aplicação da sanção.

  18. Como decorre do nº 1 do artigo 204º do Estatuto do Ministério Público, tal determina a nulidade do acto sancionatório.

  19. Por outro lado, existe o dever geral de audição do interessado sempre que ocorram novas valorações de factos que determinem modificação do projecto de decisão. Esse dever geral encontra-se legalmente estabelecido nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.

  20. Aparentemente, o Conselho Superior do Ministério Público pretende que o autor tenha menos garantias no âmbito do processo disciplinar que aquelas que lhe assistiriam no quadro de um procedimento administrativo geral.

  21. O acto impugnado é também inválido porque prescreveu o direito de aplicar uma sanção disciplinar com fundamento nos factos em causa nos autos.

  22. Na verdade, a anulação da deliberação que aplicou a sanção de demissão implicou a destruição de todos os efeitos jurídicos que haviam sido produzidos. O acto que pretende aplicar ao autor a sanção de «aposentação compulsiva» é um acto novo e não a renovação daquele acto (já que tal renovação era impossível porque a anulação se fundamentou em vícios de legalidade interna). Não se trata, portanto, do exercício do mesmo poder administrativo.

  23. Passaram mais de 15 anos sobre a data em que ocorreram os factos. Se o acto administrativo agora impugnado constituísse um acto de renovação do acto anulado, sempre era possível sustentar que o prazo de prescrição não operava nesta situação. No entanto não se trata de uma renovação mas de um novo acto sancionatório que é agora praticado por responsabilidade exclusiva do Conselho Superior do Ministério Público.

  24. O n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, fixa em três anos sobre a data em que os factos ocorreram o prazo de prescrição do procedimento disciplinar. A ultrapassagem desse prazo de três anos, mediante a prática, agora, de um novo acto sancionatório, ficou a dever-se à entidade sancionadora, apenas e tão só. Deste modo, deve entender-se que se encontra prescrito o procedimento disciplinar e, consequentemente, deve ser anulado o acto impugnado.

  25. O autor entende ainda que a deliberação impugnada é ilegal, e deve ser anulada, porque viola o disposto na Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro.

  26. A remissão operada no Estatuto do Ministério Público para o Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, deve entender-se agora como efectuada para a Lei nº 58/2008, de 29 de Setembro, e para o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, nos termos do respectivo artigo 6º.

  27. Ora o acto impugnado viola o dever de reponderação específica constante do nº 7 do artigo 4º da Lei nº 58/2008, de 29 de Setembro.

  28. Acresce que, o nº 3 do artigo 2º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, relativo ao âmbito de aplicação objectivo, determina que «O presente Estatuto é ainda aplicável, com as adaptações impostas pela observância das correspondentes competências, aos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes».

  29. Os órgãos e os órgãos de gestão do Ministério Público integram e incluem os respectivos magistrados. Conclui-se, portanto, que os órgãos e órgãos de gestão do Ministério Público, comportando os magistrados, se encontram abrangidos pelo âmbito objectivo de aplicação do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas.

    Como decorre do artigo 9º de tal regime jurídico, a ordem jurídica deixou de comportar a aplicação da sanção disciplinar de inactividade. Tal opção constitui um princípio geral do direito disciplinar público, aplicável enquanto tal aos magistrados do Ministério Público.

  30. Não se descortina, aliás, qualquer especialidade da sanção de aposentação compulsiva que justifique a sua manutenção para a magistratura do Ministério Público e o seu desaparecimento para a generalidade dos trabalhadores que exercem funções públicas.

  31. Consequentemente, o acto impugnado é ilegal e deverá ser anulado porque aplicou ao autor uma sanção que já foi expurgada da ordem jurídica.

  32. Finalmente, o autor entende que...

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