Acórdão nº 0438/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo A… e B…, identificados nos autos, requereram ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, contra o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e a “C…” a adopção das seguintes providências cautelares: 1 - Suspensão de eficácia dos actos de concessão: a) da licença ambiental, em 15.11.2006, pelo Presidente do Instituto do Ambiente, António Gonçalves Henriques à fábrica da C… de Souselas, denominada «Centro de Produção de Souselas» para a co-incineração de resíduos; b) da licença de instalação, em 24.11.2006, pelo Vice-Presidente do Instituto dos Resíduos, Francisco Barracha, à fábrica da C… de Souselas denominada «Centro e Produção de Souselas» para a co-incineração de resíduos perigosos e não perigosos; c) da licença de exploração nr. 2/2008/DOGR, em 24.01.2008, pela Sub-Directora Geral da Agência Portuguesa do Ambiente, Luisa Pinheiro, à fábrica da C… de Souselas, denominada «Centro de Produção de Souselas» para a co-incineração de resíduos perigosos; 2 - Intimação: a) do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional para que se abstenha de atribuir novas licenças à fábrica da … no Outão para o exercício da actividade de co-incineração de resíduos perigosos enquanto estiver suspensa a eficácia das licenças supra-indicadas; b) da C…, para que se abstenha de realizar testes ou demais operações de co-incineração de resíduos perigosos enquanto estiver suspensa a eficácia das licenças supra-indicadas.

Por sentença de 17-10-2008, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou improcedentes os pedidos formulados (Fls. 774/798) Inconformados com tal decisão, os requerentes interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte que, por acórdão de 12-02-2009, julgou procedente o recurso, deferindo o supra referido pedido de suspensão de eficácia (fls. 1008/1063).

É desta decisão que o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e “C…” interpõem a presente revista a qual foi admitida por acórdão de 7-05-2009, (fls. 1263 a 1267).

A recorrente Cimpor formula as conclusões seguintes: 1. Considerada a indiscutível relevância social da questão da co-incineração e a circunstância de ter sido esta, ainda que indirectamente, o verdadeiro objecto do julgamento do TCA-N e não as licenças em si mesmas consideradas, forçosa se torna a intervenção do mais alto órgão de justiça administrativa, nos termos previstos no n.° 1 do art. 150.° do CPTA.

  1. Suscita a Recorrente a intervenção do STA à semelhança do sucedido em sede do Recurso de revista n.° 471/07, de 31 de Outubro de 2007, em que este Tribunal acordou revogar o acórdão do TCA-N que havia decidido temerariamente suspender o despacho do Ministro do Ambiente que dispensara, nos termos da lei, a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental e do Recurso 675/07 (relativamente à co-incineração nas instalações da … no Outão).

  2. Com efeito, a manutenção da decisão do TCA-N, para além de não permitir resolver em tempo útil a questão relativa à destruição dos resíduos industriais perigosos, com todos os danos ambientais daí decorrentes, tem o efeito perverso de criar uma enorme confusão nas populações e na comunidade em geral quanto à legalidade da co-incineração, não sendo compreensível como é que o processo pode já ter estado suspenso, depois deixar de estar suspenso e agora vir a ser outra vez suspenso.

  3. Por outro lado, e considerando especificamente o conteúdo material da decisão do TCAN objecto do presente recurso, cabe referir que nenhum dos critérios elencados pelo legislador no art. 120.° do CPTA foi devidamente analisado por aquela instância, impondo-se a revogação do acórdão «sub judicio».

  4. Assim, no que respeita à verificação do critério do fumus boni iuris, como o Tribunal considerou a priori que a matéria em causa era demasiadamente complexa, e exigiria prova mais aprofundada carecendo de ponderação e de maturação adicionais, acabou por se demitir totalmente da sua função e considerar preenchido o referido requisito legal, mesmo sem que nenhuma prova fosse efectuada.

  5. Entende a Recorrente não ser de admitir tal conduta, na medida em que, por mais que o critério legal apenas se reporte ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada (anulação dos actos administrativos), a verdade é que a não ilegalidade apenas não é manifesta se houver alguma prova concreta e objectiva que milite no sentido da sua provável ilegalidade, devendo essa prova ser analisada e ponderada pelo Tribunal, que a ela se deverá reportar na sentença.

  6. A aceitar-se como boa aquela aplicação do Direito, então o requisito do fumus boni iuris estaria sempre preenchido ex officio (dispensando qualquer intervenção do Requerente da providência).

  7. Nestes termos, não podia o Tribunal ter considerado provado, no caso em apreço, o requisito do fumus boni iuris (mesmo que na versão aligeirada do fumus non malus iuris) por não ter sido identificada qual a prova, ainda que indiciária, que o levou a considerar que a aprovação dos três actos administrativos suspendendos pode ser ilegal e, como tal, que não é manifesto que os mesmos não venham a ser anulados no fim do processo principal.

  8. Pelo contrário, na ausência de quaisquer indícios da ilegalidade dos actos em crise, seria forçoso que o Tribunal considerasse não provado o requisito do fumus boni iuris e como tal indeferisse a providência cautelar.

  9. Mais cabe referir que não saem estas conclusões prejudicadas pela temerária, equívoca e abusiva invocação do princípio da precaução que não se sabe ao certo se foi ou não utilizado.

  10. Por outro lado, também relativamente à aplicação do critério do periculum in mora procedeu o TCA-N a uma incorrecta aplicação da lei, na medida em que, ao invés da prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, bastou-se o Tribunal precisamente com aquilo que havia dito não bastar, ou seja com a utilização de expressões vagas e genéricas.

  11. Com efeito, no elenco dos factos provados, mesmo depois de ampliada a matéria de facto, não se encontram quaisquer factos que sejam hábeis para provar a existência de periculum in mora.

  12. Assim, o Tribunal, ao querer, contra tudo e contra todos, considerar que se estava perante uma situação de facto consumado, acabou por falhar duplamente.

  13. Em primeiro lugar, não logrou encontrar quaisquer factos que fossem prestáveis para demonstrar que a co-incineração provoca danos na saúde e no ambiente, razão pela qual teve de concluir — de modo infeliz — dizendo que, “não obstante se possa e deva entender que está em causa matéria de cariz essencialmente técnico e por isso sujeita a prova pericial, entendemos que a dúvida existente sobre os riscos aqui em causa tal como foram definidos na causa de pedir justifica que se valorize essa dúvida de forma a julgar verificado o requisito do periculum in mora, por estarem em causa prejuízos plausíveis de difícil reparação”.

  14. Em segundo lugar, a situação em causa, mesmo a ocorrer, nunca configuraria, como o STA aliás já disse em sede de Recurso n.° 471/07 de 31 de Outubro de 2007, uma situação de facto consumado, como erradamente a qualificou o Tribunal a quo.

  15. Em suma, nem foi feita prova no sentido de demonstrar que a execução dos despachos pudesse provocar danos na saúde e no ambiente, nem a ocorrência desses mesmos danos (a existirem) criaria uma situação de facto consumado que não pudesse ser revertida no final da “acção principal”.

  16. Finalmente, nunca a licença de instalação e a licença ambiental seriam actos capazes, na medida em que não são o último acto no final do procedimento, para provocarem qualquer violação no ambiente ou na saúde.

  17. Por último, chegados à ponderação de interesses exigida pelo n.° 2 do art. 120.° do CPTA, veio o TCA-N a quo deixar clara a ideia, que já se vinha a sedimentar, de que, neste domínio, usa, claramente, “dois pesos e duas medidas”.

  18. Na realidade, não deixa de ser inquietante que o Tribunal a quo tenha considerado que os eventuais e não provados danos no ambiente provocados pela co-incineração pudessem (na dúvida) constituir uma situação de facto consumado e depois considere, displicentemente, que os danos reais e provados relativos ao “passivo ambiental” (que não são contestados por ninguém), não só não constituam uma situação de facto consumado como ainda é aceitável (para o Tribunal) que esta situação possa continuar por mais algum tempo até à decisão do processo principal.

  19. É, assim, completamente infundada a conclusão do Tribunal, quando considera que os danos causados com a recusa da providência são superiores aos danos causados com a sua concessão.

  20. Na verdade, não conseguiu o Tribunal demonstrar minimamente, nem a superioridade de uns (alegados) danos ambientais e sobre a saúde face a outros (alegados) danos ambientais e sobre a saúde, nem tão pouco logrou demonstrar porque é que num caso considerou que (na dúvida) havia uma situação de facto consumado e no outro caso considerou (sem qualquer dúvida e sem querer ouvir as testemunhas arroladas) que não tinha sido feita prova dos danos.

    O recorrente MAOTDR formula as seguintes conclusões: 1. As questões suscitadas no processo em apreço, pela sua relevância social e jurídica, e sua importância fundamental, e a necessidade de melhor aplicação do direito, impõem a admissão do presente recurso de revista.

  21. A douta decisão em apreço é manifestamente ilegal, é contrária, à Jurisprudência do Supremo Tribunal e, pelas suas consequências negativas, deve ser imediatamente revogada.

  22. Relativamente ao pedido de suspensão dos actos de licenciamento da instalação e ambiental, não pode ter-se por verificado o periculum in mora, pois tais actos intercalares de licenciamento não são susceptíveis de constituir uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, pelo...

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