Acórdão nº 39/09.0TTVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERREIRA DA COSTA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: LIVRO 93 - FLS. 108.

Área Temática: .

Sumário: I. Tendo o Estado – a PSP – admitido uma auxiliar de limpeza, por ajuste verbal, tal contrato é nulo por inobservância da forma escrita e das modalidades contratuais legalmente taxadas.

II Tendo o contrato sido executado durante 9 anos e tendo o Réu invocado a nulidade decorrido esse lapso de tempo, quando a funcionária se limitou a cumprir o que lhe foi ordenado e o réu, depois de ter admitido sem observância do legal formalismo, põe fim ao contrato com esse fundamento, age com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium e na espécie de inalegabilidade formal.

III Tendo o contrato sido executado durante 9 anos de forma pacífica, ininterrupta e pública, a auxiliar de limpeza deixou de ser um agente putativo, de facto e passou a ser um agente de direito, como se nenhuma nulidade tivesse sido praticada aquando da celebração do contrato, por se ter verificado uma espécie de usucapião.

IV Verificado o abuso de direito ou a usucapião, a cessação do contrato de trabalho por tempo indeterminado sem apuramento de justa causa em prévio processo disciplinar, traduz um despedimento ilícito, com as legais consequências.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Reg. N.º 639 Proc. N.º 39/09.0TTVLG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B……………. e C…………… deduziram em 2009-02-12 a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra o Estado Português [Ministério da Administração Interna/Polícia de Segurança Pública], representado pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público, pedindo que se: A: I – Declare que: 1) - Os contratos de trabalho outorgados pelo R. com as AA. são válidos e 2) - O despedimento das AA. é ilícito; II – Condene o R. a pagar às AA.: 1) - A indemnização de antiguidade, conforme opção feita em audiência de julgamento, conforme consta a fls. 147 e 2) - Os salários e os subsídios que se vencerem desde a data dos respectivos despedimentos até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento dessas quantias até efectivo e integral pagamento.

B: Alternativamente, para o caso de se considerarem nulos os contratos celebrados entre as AA. e o R.: I – Declare que: 1) - O R. actuou de má fé quer na celebração dos contratos de trabalho, quer na manutenção da respectiva execução, sabendo da invalidade que veio a invocar para lhes por termo e 2) - As AA. actuaram de boa fé, quer no momento da outorga dos contratos, quer durante toda a respectiva execução e II – Condene o R. a pagar às AA. a indemnização prevista no Art.º 439.º, n.º 1 do Cód. do trabalho, ex vi do Art.º 116.º, n.º 3 do mesmo diploma.

Alegam as AA., para tanto e em síntese, que foram admitidas ao serviço do R., mediante ajuste verbal, para exercerem a actividade profissional de auxiliar de limpeza na áreas do Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública, sendo a 1.ª A. na Esquadra de Valongo, em 1999-02-15 e a 2.ª A. na Esquadra de Ermesinde, em 1999-06-01, como efectivamente exerceram, mediante retribuição e cumprindo ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como o horário de trabalho fixado pelo R.

Mais alegam que o R. sempre lhes concedeu férias anuais, bem como procedeu aos descontos para o regime geral da segurança social, tendo-lhes atribuído números de matrícula, respectivamente, 900032 à 1.ª A. e 900142 à 2.ª A.

Alegam também que foram ilicitamente despedidas com efeitos reportados a 2008-02-18, conforme cartas datadas de 2007-12-10 e recebidas por notificação pessoal em 2007-12-20, pois a cessação dos contratos ocorreu por inicativa do R. e sem justa causa apurada em processo disciplinar, configurando a invocada nulidade dos contratos, abuso de direito.

Contestou o R., por excepção, alegando que os contratos dos autos são nulos por inobservância da forma escrita, bem como das modalidades legais, a saber, nomeação, contrato administrativo de provimento e contrato a termo certo e, quanto ao mais, contestou por impugnação.

Designada data para julgamento, na respectiva audiência o Tribunal a quo, mediante acordo com o Ilustre Advogado das AA. e o Digno Magistrado do Ministério Público, pelo despacho de fls. 143 a 147 assentou os factos considerados provados, sem reclamações.

Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente e, em consequência, o R. foi absolvido dos pedidos.

Inconformadas com o assim decidido, vieram as AA. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença e tendo formulado, a final, as seguintes conclusões: I - A vexata quaestio está naturalmente na circunstância de, atendendo à sua natureza (o Estado) e sendo ele o credor de tal prestação, a lei não permitir a celebração verbal de contratos de trabalho por tempo indeterminado.

II - Para aferir da validade formal da constituição das relações jurídicas contratuais importa considerar a lei que ao tempo vigora em conformidade com o previsto no art.º 12 n.º 1 e 2 do Código Civil. É aliás a conclusão, há muito recomendada pelo Prof. Antunes Varela, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114 - pág. 16.

III - Em 1/8/1981 regia sob a questão o D.L. 35/80, de 14/3, o qual apenas previa a contratação da prestação de serviços que revestissem a natureza de trabalho subordinado desde que os contratos fossem escritos e a termo.

IV - Como de resto assinalou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/5/2004, visto nas bases jurídico-documentais do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt através de sucessivos diplomas foi sendo proibida a celebração de contratos de trabalho sem termo na Administração Pública - D.L. 35/80, de 14/3; D.L. 140/81, de 30/5; D.L. 166/82, de 10/5; D.L. 184/89, de 2/6; e ... D.L. 427/89, de 7/12.

Entretanto sobre esta temática foi publicada e passou a vigorar a Lei n.° 23/2004, de 23 de Junho.

V - Se exceptuarmos este último diploma, características comuns a todos os outros são a não qualificação expressa das relações do tipo da ora em análise como sendo de trabalho juridicamente subordinado e por isso, sujeito ao ius laboral civil, a exigência de forma escrita para a celebração dos contratos pelos quais o Estado (e outros entes públicos) se assumia credor da prestação que, apesar disso, afirmava como juridicamente subordinada, de certa actividade pelos particulares e a determinação do período de tempo em que tal poderia ocorrer.

VI - E isso levou, com naturalidade, a que repetidamente se viessem a julgar nulos os contratos celebrados em desconformidade com as normas estabelecidas por esses diplomas.

VII - Passando a vigorar a Lei 23/2004, de 22/6 esta veio regular o contrato laboral civil pelo Estado, o que implica a sua aplicação às relações dessa natureza já contratualizadas pelo Estado, ainda que em contra-mão às proibições que pudessem decorrer dos sucessivos anteriores diplomas legais que foram vigorando sobre a matéria.

VIII - Assim é, na verdade, por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 26 deste diploma onde se refere que "o disposto no n.º 4 do art.º 1.º e no art.º anterior não prejudica a imediata aplicação da presente lei, designadamente quanto aos contratos de trabalho já em execução.

IX - E algumas das normas da citada Lei 23/2004, de 22/6 como, por exemplo, o art.º 1.º n.º 4 (a contrario sensu) 2.° n.º 1 e 7.° n.º 1, encarregaram-se de o desfazer.

X - Vale por dizer que o Estado veio confessar, por via legislativa, que antes já firmara verdadeiros contratos de trabalho por tempo indeterminado com os particulares.

XI - De uma forma ou de outra as partes sempre executaram o contrato de trabalho que verbalmente haviam celebrado e nesse caso quais as consequências da sua violação? XII - Sendo, no entanto, seguro que se nenhuma forma especial previu, valerá o principio geral da liberdade de forma, como desde sempre foi apanágio dos contratos laborais (cfr. Art.º 6.° da LCT e 102.° do Código de Trabalho).

XIII - Estabelecendo o art.º 8.°, n.º 1 da dita Lei 23/2004, de 22/6 que "os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas estão sujeitos à forma escrita" e o seu n.º 3 que "a não redução a escrito ... determina a nulidade do contrato".

XIV - E a conclusão ajusta-se na perfeição às premissas do silogismo judiciário: 1. O contrato de trabalho foi celebrado verbalmente entre o Estado e as AA. (que são entidades particulares) e por tempo indeterminado; 2. A lei comina contratos assim celebrados com a nulidade.

  1. Logo e em conclusão aqueles contratos são nulos.

XV - Acontece, porém, que é uma solução incomodativa, pois supondo o Estado como pessoa de bem, custa a perceber que celebre com um humilde cidadão um contrato que sabe ser nulo, mantenha-o em execução durante 9 anos, publique diversas leis sobre a matéria mantendo essa solução jurídica e porque tal lhe convém, candidamente invoca a nulidade dessa relação jurídica.

XVI - De incomodativa passa a ser vista como abusiva se chamarmos à colação o art.º 334 do Código Civil.

XVII - Resulta desse normativo - art.º 334 do Código Civil - que "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

XVIII - Daqui resulta, pois que só é ilegítimo o exercício do direito quando o titular não apenas exceda os limites impostos, inter alia, pela boa fé (que trabalhador e empregador devem executar o contrato de boa fé, resulta especificamente do artigo 119.° do Código de Trabalho e em geral do art.º 762, n.º 2 do Código Civil) como também que esse excesso seja manifesto.

XIX - ln acórdão do ST Justiça de 8/11/1984, in BMJ n.º 341 pág. 418 "existe abuso de direito quando este se exerce em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou, quando, com esse exercício se ofende clamorosamente o sentimento jurídico dominante".

XX - Quer dizer, o sentimento de antijuricidade do...

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