Acórdão nº 517/06.3GTAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 608 - FLS 01.

Área Temática: .

Sumário: Os valores indicados na Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho (que alterou a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio), sobre a indemnização do dano corporal em caso de sinistralidade automóvel, não substituem os critérios legais previstos no Código Civil.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 517/06.3GTAVR.P1 1ª Secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum Singular nº 517/06.3GTAVR.P1 que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar foi submetido a julgamento B………., ali identificado, tendo a final sido proferida sentença que condenou o arguido na pena de 18 meses de prisão suspensa por igual período de tempo, sujeitando-se a suspensão a regime de prova a consistir, além do mais, na frequência de um Curso de Sensibilização para a Segurança Rodoviária, com duração a determinar pela DGRS e a ser ministrado pela entidade administrativa competente, bem como a comparecer, com a periodicidade que a DGRS determinar, em Hospital ou Centro de Saúde com serviço de politraumatizados e serviço de doente resultante de sinistro rodoviário.

No que respeita ao pedido de indemnização cível deduzido, foi absolvida a demandada C………., SA. e condenada a demandada D………., Companhia de Seguros, SA. a pagar aos demandantes a quantia de € 90.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora desde a data da sentença até integral pagamento.

Não se conformando com a sentença condenatória, dela veio a demandada D……….

interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: 1. A recorrente não se conforma com a douta sentença do Tribunal a quo no que se refere à parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, sendo que o recurso tem como fundamento, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artº 410º nº 2 do C.P.P. e versa ainda o recurso sobre matéria de direito – artº 412º do C.P.P.

  1. O acidente de viação em apreço nos autos ocorreu no decurso de uma corrida automóvel entre os veículos intervenientes, com início em Ovar/Sul e fim na rotunda de Ovar/Norte, e no decurso dessa corrida ambos os condutores praticaram uma condução perigosa e em manifesta violação das regras estradais; 3. De acordo com os factos provados, quer o arguido quer o condutor do veículo de matrícula ..-..-BZ, eram adeptos de “street racing”, participando, à data dos factos, numa corrida automóvel que se iniciara na saída Ovar/Sul da A 29 e terminaria na rotunda subsequente à saída Ovar/Norte da mesma auto-estrada; 4. A matéria de facto provada, com base na qual a recorrente foi condenada, é manifestamente insuficiente e conclusiva para sustentar a condenação exclusiva da recorrente, com base nos princípios orientadores da responsabilidade civil subjectiva; 5. No ponto 3º ficou provado que ambos os condutores visavam a saída no nó de Ovar, o qual se lhes deparava à vista a “poucas centenas de metros”, ficando por apurar, em concreto, a distância a que se encontrava a saída, se as referidas “poucas centenas de metros” são 300, 400, 500, 800 ou 900 metros; 6. Isto porque, apenas com base numa distância concretamente apurada é que seria possível extrair a conclusão se o arguido podia ou não efectuar a manobra de ultrapassagem em segurança, visto que entre a saída Ovar sul e Ovar Norte distam mais de 2000 metros, e o local do acidente configura uma recta com pelo menos 500 metros de extensão; 7. E no ponto 4º da matéria de facto provada, uma vez mais, recorreu-se a conceitos gerais e conclusivos tais como “sem que tivesse necessidade de o fazer”, “o acesso à saída estava à vista e próximo”, “sem se certificar que o poderia fazer e retomar a sua direita sem perigo de colidir com este”; 8. Para se extraírem as conclusões que melhor constam no ponto 4º da matéria de facto provada seria necessária apurar: (i) a que distância concreta estava a saída do nó de Ovar norte quando foi iniciada a ultrapassagem, (ii) a que distância do veículo conduzido pelo arguido estava o outro veículo quando foi iniciada a manobra de ultrapassagem e (iii) a que velocidade circulavam ambos os veículos; 9. Apenas com base nestes factos concretos, não apurados, é que se poderiam extrair as conclusões vertidas na sentença ora em crise e formular um juízo de condenação do condutor do veículo seguro na recorrente e da recorrente quanto ao pedido de indemnização civil; 10.

    A decisão quanto ao pedido civil, assenta assim em matéria manifestamente conclusiva e insuficiente para alicerçar uma condenação da recorrente com base nos princípios da responsabilidade civil subjectiva; 11. O condutor só pode efectuar uma manobra de ultrapassagem de forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito – artº 35º do CE, e dispõe ainda o artº 38º nº 1 do CE que “o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário”; 12. E refere ainda o nº 2 do artº 38º do CE que “o condutor deve, especialmente certificar-se de que a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança” e que “pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam”; 13. No caso concreto não foram apurados factos essenciais para avaliar a conformidade da manobra de ultrapassagem com as citadas disposições do CE e extrair as conclusões vertidas nos pontos supra referidos da matéria de facto provada; 14. O Tribunal a quo, na descoberta da verdade material, podia e devia ter ido mais longe, sendo que não investigou, não apurou, toda a matéria de facto relevante e essencial para a decisão tomada quanto ao pedido de indemnização civil; 15. A sentença recorrida padece assim do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada para a decisão de direito na medida em que do texto da decisão recorrida resulta que não foram provados os factos concretos, necessários e suficientes para alicerçar as conclusões do Mmo Juiz a quo quanto ao pedido de indemnização civil – artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P.; 16. Por outro lado ambos os condutores praticavam uma condução perigosa uma vez que realizavam uma corrida, não podemos esquecer que era obrigação do condutor do veículo ultrapassado reduzir a velocidade a que seguia e facilitar a ultrapassagem, facto este que também não se apurou; 17. O artº 39º do C.E. reza que “todo o condutor deve, sempre que não haja obstáculo que o impeça, facultar a ultrapassagem, desviando-se o mais possível para a direita e não aumentando a velocidade enquanto não for ultrapassado; 18. Face à prova produzida é inquestionável que ocorreu uma colisão entre dois veículos, durante uma corrida automóvel que ocorreu entre o nó de Ovar Sul e Ovar Norte; 19. Porém, face à matéria de facto provada, não foi possível apurar em concreto as circunstâncias em que ocorreu a colisão entre ambas as viaturas; 20. Por conseguinte, há que definir a responsabilidade com base nos princípios da responsabilidade objectiva (artºs. 503º nº 1 e 506º nº 1 e nº 2 do Cód. Civil) e não com base nos princípios da responsabilidade subjectiva, como veio a decidir o Mmo. Juiz do Tribunal a quo; 21. Dispõe o artº 503º nº 1 do Código Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”; 22. A responsabilidade pela produção do acidente dos autos e dos danos deve ser atribuída a título de risco aos detentores dos veículos intervenientes no acidente dos autos e repartida entre ambos na proporção de 50% para cada um, o que já resultava aliás do disposto no artº 506º nº 2 o qual prevê que “em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”; 23. Os montantes arbitrados na douta sentença no que se refere aos danos não patrimoniais a atribuir aos demandantes, pais da vítima mortal, estão manifestamente exagerados face aos padrões de indemnização geralmente adoptados pelos Tribunais Superiores; 24. Na opinião da recorrente é adequado o montante de € 10.000,00 para cada um dos demandantes, pais da vítima mortal do acidente dos autos; 25. A sentença em crise violou o disposto nos artºs. 129º do Cód. Penal, 410º do C.P.P. e 483º do C.Civ., devendo ter sido aplicados os artºs. 38º e 39º do C.E. e artºs. 503º nº 1 e 506º nºs 1 e 2 do Cód. Civil.

    Conclui pela revogação da sentença e pela sua substituição por acórdão que a condene e à recorrida, a título de risco, na proporção de 50% para cada uma, nos montantes de € 50.000,00 pela privação do direito à vida e € 10.000,00 para cada um dos demandantes no que se refere ao dano não patrimonial.

    *Os assistentes/demandantes E………. e F………. interpuseram recurso subordinado quanto ao pedido cível e responderam ao recurso da demandada D………., concluindo as suas motivações da seguinte forma: ● O bem da vida é fundador da existência e da personalidade física e moral de cada pessoa e sem o qual não se realizam as potencialidades inerentes à existência humana; ● Não perdendo de vista a dificuldade de medir um bem que por natureza é incomensurável, a indemnização da privação do direito à vida há-de, no entanto e sempre, de traduzir a relevância, do bem lesado de tal modo que, tomando como referência o valor dos bens mercantis, se possa aprender no valor indemnizatório fixado a grandeza do valor da vida; ● O filho dos demandantes, vítima mortal do acidente, tinha 27 anos de vida, vivia intensamente a vida, era saudável e forte...

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