Acórdão nº 0832268 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | JOANA SALINAS |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 817 - FLS 194.
Área Temática: .
Sumário: I – Os contratos entre investidores e intermediários, tendo por objecto a prestação de serviços de investimento, têm a sua própria disciplina em contratos mistos de conta-corrente e de mandato – cfr. arts. 344º do CCom, 304º, nº1 e 307º do CVM e 1157º e segs. do CC, sem falar nos tipos contratuais referidos nos arts. 298º e segs. do CVM, todos eles subtipos do mandato, susceptíveis de integrarem uma solução plausível de direito.
II – O art. 508º do CPC constitui exemplo paradigmático de que na actual lei adjectiva civil se procurou colocar o acento tónico na supremacia do direito substantivo sobre o processual, nos princípios da cooperação e da descoberta da verdade material e justa composição do litígio, designadamente despindo-se esse princípio da cooperação dos seus anteriores rigores formais.
II – Consubstancia tal normativo um poder/dever do tribunal que se insere no poder mais amplo de direcção do processo e princípio do inquisitório, previstos no art. 265º do CPC, impedindo que razões de forma impeçam a obtenção de direitos materiais legítimos das partes.
Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo nº 2268/08 - Agravo Tribunal Recorrido: .ª Vara Cível do Porto, .ª Secção [Processo nº 1050/06.9TVPRT]*** Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO B……….
, divorciado, administrador de empresas, residente na Rua .., n.º …-..º- ….-… Espinho, propôs acção declarativa de condenação com processo na forma ordinária contra: 1.º - C………., SA, com sede na ………, n.º .. – ….-… Porto; e 2.º- D……….
, divorciada, residente na ………., n.º …-4.º Esq.º - ….-… Espinho, Pedindo que sejam os réus solidariamente condenados: 1) A ver operada a resolução do contrato de intermediação financeira concluído com o R. C………. em 1998, descrito na petição inicial; 2) A repor no activo patrimonial da sociedade E………. ou, em alternativa, na F………., mediante consignação em depósito, a importância de 2.693.496,71 euros (dois milhões seiscentos e noventa e três mil quatrocentos e noventa e seis euros e setenta e um cêntimos); 3) A pagar à mesma E………. ou a consignar em depósito nos termos do n.º anterior, o montante dos juros indemnizatórios contados, à taxa legal, desde 20.11.2003 até integral liquidação consequente à resolução contratual agora operada, os quais, até 24.04.2006, ascendem a 261.527,46 euros (duzentos e sessenta e um mil quinhentos e vinte se sete euros e quarenta e seis euros); e 4) A ressarcir o A. dos prejuízos que vier a sofrer pela perda do recurso atempado à aplicação do regime de regularização tributária criado pelo art. 5.º da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, os quais serão liquidados em execução de sentença.
Alega para tanto, e em síntese que: ● O A. dedica-se profissionalmente ao negócio de vinhos e outras bebidas, possuindo uma organização empresarial com stocks seleccionados e um serviço vasto de distribuição.
● Sendo cliente do C………., antes G………., titular duma conta de depósito na Agência de Espinho, foi abordado pelos serviços de marketing financeiro do C………. com o propósito de o captar para uma especial operação de intermediação financeira.
● A forma de intermediação apresentada pelo C………. incluía a criação de uma sociedade fiduciária num paraíso fiscal, cujo objecto seria activado pelos serviços bancários de investimento em valores mobiliários e pelos serviços auxiliares do próprio investimento.
● Decidiu o A. aderir à modalidade de investimento que lhe era proposta, confiando a respectiva gestão à boa-fé e lealdade do C………. .
● Com vista à contratualização da projectada relação negocial de intermediação financeira, o A. subscreveu, juntamente com a sua mulher, D………., no primeiro semestre de 1998, um formulário apresentado pela sociedade H………., SA, com sede no Funchal, “empresa subsidiária” do C………., que nela tem participação e domínio total (100%).
● Tal formulário, sob a forma de “questionário”, foi preenchido pelo Gestor de Conta, segundo as opções por ele preconizadas, mas o exemplar ao dispor do A. é uma fotocópia incompleta que não contém data nem a assinatura de quem obrigue a H………. .
● Contudo, da conjugação das respostas inscritas no preenchimento do “questionário”, deduz-se que o instrumento jurídico utilizado pelo C……… e que ele adoptou como técnica de contratação estandardizada para organizar as relações decorrentes deste tipo de intermediação financeira, é um mecanismo equivalente ou aproximado ao trust dos direitos anglo-americanos.
● Daí resulta que o C………. tenha negociado com o A. a constituição de uma sociedade para actuar como fiduciária-trustee e, nessa qualidade, desempenhar a função de titular da propriedade e da custódia dos bens e direitos constituídos em trust, isto é, do património de afectação, cuja criação é uma das características do trust.
● Tal sociedade veio a ser constituída em 24 de Julho de 1998, nas Ilhas Virgens Britânicas, mediante a intervenção de sócios fiduciários designados pela H………. e completamente estranhos ao A., que com eles nunca teve qualquer contacto, nem antes nem depois.
● À sociedade-trust foi dada a denominação E………., escolhida dum catálogo de nomes; foi-lhe atribuído o capital social standard de US$ 50,000, integralmente realizado a expensas do A., e determinado um objecto-tipo, assim descrito: “O principal objecto da sociedade é a importação e exportação e comercialização de alimentos, materiais e bens de consumo, aquisição, administração e realização de investimentos em bens imobiliários, aquisição e administração de títulos e participações em sociedades e corporações em qualquer parte do mundo; investimentos e administração de activos sociais, bem como serviços e negócios relacionados com estas actividades; consultores e conselheiros para projectos e investimentos”.
● Do Memorandum e Artigos da Sociedade, consta que o seu Director é a pessoa colectiva P………., Limited, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, e é este Director único (Sole Director) quem, em 11 de Setembro de 1998, delibera nomear o A. e sua mulher, mandatários e representantes da E………., conferindo-lhes poderes especiais para ”abrir e/ou movimentar e encerrar contas bancárias no I………., LTD ou em qualquer outra sucursal ou subsidiária do G………., SA em Portugal ou em qualquer outro país”.
● A atribuição destes poderes estava prevista no questionário preliminar do negócio de intermediação, mas o certo é que o C………. nunca forneceu ao A. um exemplar do pacto social (Memorandum e Articles) da E………., nem do respectivo acto constitutivo, de 24.07.1998.
● Do formulário inicial resulta que o A. manifestou a vontade de que o Banco em nome do qual o Gestor de Conta actuava – o C………. -: - criasse uma sociedade - trustee para ser a detentora da propriedade e custódia dos bens e direitos a constituir em trust; - e administrasse o objecto dessa sociedade, isto é, assumisse com o seu pessoal as funções de gestão e aconselhamento da gestão da carteira de investimentos dos sócios settlors, A. e mulher.
● Convencionaram as partes a nomeação do C……… com as funções de administrador–trustee.
● Neste trust, por falta de acto constitutivo, não se encontra formalmente indicado quem são ou como se identificam os beneficiários, nem como se define o conteúdo dos respectivos direitos.
● Ora, o A., constituinte do trust, passou a transferir grande parte das suas economias para a conta de depósito da sociedade fiduciária E………. aberta, por diligência dos serviços de intermediação, no J………., Ltd., sito em ………., com o objectivo de, com a gestão desse património, se realizar uma determinada afectação, que consistia na formação de um pecúlio pessoal bastante para segurança futura do A. como beneficiário.
● Para prover a tal desígnio, o C………. foi investido no papel de co-trustee, com a função de gerir e desenvolver o património objecto do investimento.
● Uma vez criada a E………., foram emitidas pelo respectivo Director dois certificados de acções ao portador, um de 25.500 e outro de 24.500, de USD 1.00 cada acção.
● O alcance da repartição do capital accionista feita nas cautelas (51%+49%) é exclusivo da comparticipação do A. e mulher na formação do capital da sociedade-trust.
● Através da procuração acima referida, adicionada à função de gestão da carteira de valores mobiliários da E………. atribuída ao C………., as partes assumiram a obrigação de manter uma relação de negócios sob a forma contabilística duma conta-corrente.
● Mas, não obstante a gestão da carteira de títulos da E………. dever ser exercida com base em «mandato escrito», celebrado entre o banco e respectivos clientes, que «deverá especificar as condições, os limites e o grau de discricionariedade dos actos na mesma compreendidos», a verdade é que o C………. não forneceu ao A. nenhum escrito contratual que contivesse tais estipulações, previstas e destinadas pelo legislador à protecção dos clientes.
● Contudo, a gestão dos valores mobiliários da E………. e as correspondentes movimentações da conta bancária foram durante vários anos conduzidas pelo Gestor de Conta K………. em clima pragmático de confiança e sem sobressaltos.
●A relação de conta ia dando lugar a extractos, emitidos mensalmente pelo C………., desde a sede administrativa da E………. na cidade do Porto, sob a responsabilidade do Gestor e dentro dos seus largos poderes de acção, no exercício, aliás, de uma actividade profissional classificada.
●Em fins de Outubro de 2003, foi anunciado ao autor que a gestão da conta passava a ser exercida pelo Dr...
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