Acórdão nº 413/07.7GAEPS de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE Sumário: I - Provando-se que, por acção do arguido, foi fechado a cadeado o portão de um estaleiro, onde militares da GNR se tinham deslocado para desempenho das suas funções, ficando os referidos militares retidos no interior do estaleiro durante cerca de 30 minutos, sem terem possibilidade de dali saírem com a viatura, impedindo-os de acorrerem a outra acção de fiscalização, é cometido o crime de coacção, p. e p. pelos artºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. c) do Código Penal.

II - Em tais circunstâncias, e uma vez que o portão em causa dispunha de uma porta encastrada que estaria aberta e que permitiria a saída dos agentes, apeados, não é cometido o crime de sequestro, pois este crime visa proteger a liberdade individual de locomoção e de movimento, isto é, o direito de não se ser aprisionado ou, de qualquer modo, fisicamente confinado a um espaço determinado… ou seja, o bem jurídico protegido – o da liberdade individual – tem natureza eminentemente pessoal.

III - Se nas circunstâncias descritas, um outro arguido começou a fotografar os militares da GNR, ainda retidos no interior do estaleiro, e, dirigindo-se àqueles dois militares da GNR diz-lhes «vós estais aí dentro seus filhos da puta, agora é que eu vos fodo a todos», ao mesmo tempo que empurra o agente que lhe exigia a entrega da máquina fotográfica, comete um crime de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artº 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea a; dois crimes de injúrias agravadas, p. e p. pelos artºs 181.º, n.º 1 e 184.º e um crime de resistência e coacção sobre funcionários, p. e p. pelo artº 374.º, todo do Código Penal.

Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Esposende – 2º Juízo ARGUIDOS/RECORRENTES José; e Lima OFENDIDOS/RECORRIDOS Rui; Maria; José; e Fernando OBJECTO Nos presentes autos, os arguidos foram condenados: - O primeiro pela prática de dois crimes de sequestro agravado (art.158.º, n.º 1 e 2, alínea f) do CP) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com a condição de em 6 meses, após o trânsito, pagar aos lesados as indemnizações arbitradas; - O segundo pela prática de um crime de fotografias ilícitas (art. 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CP) na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 10 euros; pela prática de dois crimes de injúrias agravadas (art. 181.º, n.º 1 e 184.º do CP) na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 10 euros; pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionários (art. 374.º do CP) na pena de 5 meses de prisão substituída (art. 44.º, n.º 1, CP) por igual tempo de multa à taxa diária de 10 euros; em cúmulo jurídico, na pena única de 250 dias de multa à taxa diária de 10 euros.

Os lesados José e Fernando deduziram, a fls. 299 e sgs., pedido de indemnização civil contra o arguido Lima, pedindo a condenação deste a pagar a cada um a importância de € 2.900 a título de indemnização por danos não patrimoniais, e a quantia de € 400 de indemnização pelos danos patrimoniais que, alegadamente, sofreram e este lhes provocou, acrescida de juros legais a contar da data da notificação.

Os lesados Rui e Maria deduziram, a fls. 305 e sgs., pedido de indemnização civil contra os arguidos José e Lima, pedindo que estes sejam condenados a pagar, a cada um daqueles, uma indemnização do montante de € 4.600 quanto aos danos não patrimoniais e € 400 pelos danos patrimoniais, que, alegadamente, estes lhes provocaram acrescendo às quantias peticionadas os juros de mora legais a contar da data da notificação.

Tais pedidos foram parcialmente julgados procedentes, nos seguintes termos: - o arguido José a pagar a cada um dos lesados Rui e Maria a importância de € 1.000 (mil euros) de indemnização pelos danos não patrimoniais que a cada um provocou.

- O arguido Lima a pagar ao lesado José a importância de € 750 (setecentos e cinquenta euros) e ao lesado Fernando a importância de € 500 (quinhentos euros), de indemnização pelos danos não patrimoniais que lhes provocou.

- O mesmo arguido Lima a pagar a cada um dos lesados Rui e Maria a importância de € 250 (duzentos e cinquenta euros) de indemnização pelos danos não patrimoniais que a cada um provocou.

É destas decisões que vem este recurso, onde os arguidos defendem que: - Quanto ao crime de sequestro, face à matéria dada como provada, devia o Tribunal ter decidido não estar preenchido o tipo de ilícito do art. 158º do Código Penal, uma vez que em nenhum momento os militares estiveram privados da liberdade.

- Tal conclusão resulta da análise conjugada dos pontos 2, 4 e 6 a 10 da matéria provada, do depoimento da testemunha Manuel e das fotografias de fls .419 e 420.

- O Tribunal conferiu grande credibilidade aos militares da GNR e assentou a sua convicção fundamentalmente no depoimento deles, quando os mesmos nos autos são demandantes civis, não sendo ouvidos na qualidade de testemunhas, ficando, assim, muito diluída a “fé em juízo” de que normalmente se revestem as declarações das autoridades em Tribunal.

- É patente que os agentes Maria e Rui, em questões fundamentais, faltaram à verdade, conforme se retira das fotografias de fls. 419 e 420.

- Verifica-se uma incorrecta interpretação do art. 158º, pois os militares nunca estiveram impedidos de se deslocar para fora do estaleiro.

- Quanto ao crime de fotografias ilícitas, os factos assentes não são suficientes para preencher o tipo legal de crime, pois que o arguido Lima não tirou qualquer fotografia depois de advertido para o não fazer.

- Acresce que, se trata de crime de natureza semi-pública e não existe manifestação de vontade de procedimento criminal por tais factos.

- No que se refere ao crime de resistência e coacção a funcionário, da conjugação dos factos provados e não provados, é forçoso concluir que o arguido não cometeu o crime.

- No que respeita aos crimes de injúria agravada, face aos depoimentos contraditórios dos ofendidos e das restantes testemunhas, não merecendo aqueles credibilidade, impunha-se a absolvição.

MATÉRIA DE FACTO Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1.- No dia 6 de Junho de 2007, pelas 16:00 horas, Maria e Rui, militares da GNR da Equipa de Protecção da Natureza e do Ambiente (EPNA), que se encontravam devidamente uniformizados, dirigiram-se ao estaleiro de materiais de construção civil, sito no lugar de ---, numa missão de fiscalização.

  1. - O referido estaleiro estava totalmente vedado nos seus limites com uma rede de arame, e acedia-se-lhe por um portão de correr que era fechado a cadeado.

  2. - Aí foram recebidos pelo arguido José, que se intitulou responsável pelo estaleiro e que os acompanhou na acção de fiscalização ao interior do mesmo.

  3. - Estando ainda aqueles militares da G.N.R. no interior do estaleiro, o arguido José disse à testemunha Manuel, empregado naquele estaleiro, para fechar o cadeado do portão de entrada.

  4. - Terminada a fiscalização, a pedido do arguido José, os referidos dois militares da G.N.R. ainda permaneceram algum tempo no seu interior, aguardando a chegada do arguido Lima que, segundo aquele, para ali se dirigia e pretendia falar com eles.

  5. - Por terem sido chamados para acorrer a outra situação aqueles Maria e Rui informaram o arguido José que tinham de ir embora, e, entrando na viatura da G.N.R., dirigiram-se para o portão, e depararam com ele fechado.

  6. - Vendo que ali próximo estavam as testemunhas Manuel, acima referido, e ainda Augusto, Barbosa, e João, tomando-os por trabalhadores ao serviço dos arguidos, procuraram saber deles quem fechara o portão e intimaram-nos a abri-lo, ao que estes não satisfizeram.

  7. - No entretanto chegou junto deles o arguido José e os militares da G.N.R. solicitaram-lhe que abrisse o portão, ao que ele lhes respondeu: «Estais com pressa, tende lá calma porque tendes muito tempo», não lho abrindo.

  8. - Apesar de por diversas vezes instado, o arguido José recusou-se sempre a abrir o portão, dizendo ainda «não tenho medo de nada, sei o que estou a fazer».

  9. - Deste modo, os referidos militares da G.N.R. ficaram retidos no interior do estaleiro durante cerca de 30 (trinta) minutos, sem terem possibilidade de dali saírem.

  10. - Pediram então ajuda aos Postos da G.N.R., sendo os primeiros a chegar os militares José e Fernando, que também se encontravam devidamente uniformizados.

  11. - E praticamente em simultâneo com aqueles dois militares, chegou o arguido Lima que, de imediato, começou a fotografar os militares da GNR Maria e Rui, que ainda se encontravam retidos no interior do estaleiro, usando aquele uma máquina fotográfica de marca “Fuji”, modelo “DL 90”, de cor preta, que lhe veio a ser apreendida.

  12. - Enquanto tirava as fotografias, o mesmo arguido Lima, dirigindo-se àqueles dois militares da GNR disse-lhes «vós estais aí dentro seus filhos da puta, agora é que eu vos fodo a todos».

  13. - Perante isto, o militar da GNR advertiu-o de que não podia tirar fotografias nem injuriar aqueles, e procurou evitar que ele continuasse a usar a máquina fotográfica, interpondo-se entre ele e os militares da GNR visados.

  14. - O arguido Lima empurrou-o, porém, com o braço, fazendo o gesto do “chega para lá”, pelo que aquele deu-lhe voz de prisão e ordenou-lhe que lhe entregasse a máquina fotográfica.

  15. - O arguido Lima, porém, recusou-se a fazer entrega da referida máquina, mantendo-a agarrada com as duas mãos e protegendo-a entre as pernas.

  16. - Para o forçar a entregar-lhes a máquina e o conduzirem para o jeep da GNR, o militar José agarrou-o por trás e tentou fazer-lhe o que vulgarmente se designa por uma “chave” – com um dos braços a passar-lhe pela frente do pescoço -, e o militar T procurava segurá-lo e tirar-lhe a máquina fotográfica.

  17. - O arguido esbracejava, e tentava atingir aqueles dois militares da GNR não só com as mãos como também com os pés.

  18. ...

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