Acórdão nº 446/08.6TTAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA Legislação Nacional: ARTºS 435º, Nº 1, 437º, Nº 1, E 443º DO CÓDIGO DO TRABALHO; 334ºDO C.CIV.

Sumário: I – O artº435º, nº 1, do Código do Trabalho estabelece que a ilicitude do despedimento só pode ser declarada por Tribunal em acção intentada pelo trabalhador.

II – Significa isto que só a partir da data da prolação da declaração judicial da ilicitude do despedimento é que o contrato de trabalho revive, nomeadamente para efeitos de reintegração no posto de trabalho.

III – Declarada a ilicitude do despedimento por sentença transitada em julgado, a entidade patronal fica obrigada a pagar ao trabalhador ilicitamente despedido as retribuições que este tenha deixado de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, de acordo com o preceituado no artº 437º, nº 1, do Código do Trabalho.

IV – Não é uma qualquer forma de posterior disponibilidade da entidade patronal (recuo/arrependimento) para receber o trabalho do trabalhador (ilicitamente) despedido que inverte as posições (como que passando a imputar-se ao trabalhador as consequências da ilícita disposição da primeira – o despedimento, enquanto declaração negocial unilateral receptícia, pôs termo ao contrato).

V – O instituto do “abuso de direito”, plasmado no artº 334º do C. Civ., serve de válvula de segurança do sistema, para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas, que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.

VI – A postulada “boa fé” aí prevista mais não é do que a esperada honestidade e lealdade de comportamento, com o que não se compadece a assunção de uma súbita postura, contraditória ou incompatível com conduta anterior, que frustre a legítima expectativa ou confiança criada a outrem, constituindo a sua manifestação mais típica o “venire contra factum proprium”, que a exigência do princípio não consente.

VII – Não há “abuso de direito” na conduta de um trabalhador despedido ilicitamente que recuse retomar o seu posto de trabalho sem que assim seja jurisdicionalmente determinado.

VIII – Dispõe o artº 443º, nºs 1 e 2, do Código do Trabalho que a resolução do contrato com o fundamento nos factos previstos no nº 2 do artº 441º (salários em atraso) confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

IX – Esta indemnização tem uma natureza híbrida (de indemnização/sanção): por um lado, uma vocação sancionatória, ao estabelecer um mínimo independentemente da demonstração de qualquer dano; por outro lado, deixa de compensar danos (patrimoniais e/ou não patrimoniais) comprovados que excedam o “plafond” máximo.

Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

A....., ...., demanda «B....., S.A.

», com sede ....., pedindo a condenação da Ré a reconhecer a licitude da resolução do contrato de trabalho pela verificação dos pressupostos da justa causa invocada e a condenação da Ré a pagar a quantia global de € 69.690,85 relativa à indemnização devida pela resolução do contrato e créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

  1. Realizada sem êxito a Audiência de Partes, foi a Ré notificada para contestar, o que fez, aduzindo argumentos de facto que, em seu entender, deveriam conduzir à improcedência da acção.

  2. O despacho saneador conheceu parcialmente do mérito da acção – alíneas c), d) e e) do pedido – decidindo que o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou em 18.4.2008 por rescisão operada pela A., com justa causa, e condenando consequentemente a R. a pagar àquela o montante global de € 43.118,23, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

  3. Ordenou-se a prossecução dos Autos para conhecimento dos restantes pedidos, mas entretanto veio a R.

    interpor recurso do saneador-sentença.

    Arguindo desde logo a sua nulidade, alegou e concluiu, a final, assim: [………………………………………………………………] 5.

    Não vimos que tivesse sido oferecida contra-alegação.

    Prosseguiram os Autos a demais tramitação, proferindo-se finalmente sentença, a fls. 604/ss., em que se decidiu condenar a R. nos montantes aí discriminados, a que nos reportamos.

  4. A R., inconformada, veio impugná-la.

    Alegando, concluiu: […………………………………………………………………] 7.

    A recorrida respondeu, rematando, em síntese útil, que a R. omite dos factos provados que a viatura se manteve no uso da A. enquanto a mesma se encontrava suspensa, apenas tendo sido solicitada a sua devolução aquando do seu despedimento. Se a manteve consigo então, para uso exclusivo na sua vida pessoal, é evidente a primazia e âmbito dado à entrega da dita à A.

    A viatura foi entregue à A. com a clara intenção de a mesma ser usada pela A. na sua vida pessoal, suportando a R. todos os custos relacionados com a mesma, no seguimento da acordada assumpção da A. nas novas funções e responsabilidades na estrutura da empresa.

    Constituía assim um benefício económico patrimonial para a A., com carácter regular, periódico e consolidado, devido em função do seu vínculo contratual/laboral.

    Não tem sustentação a tese da inexistência de dados para a quantificação do benefício tido, existindo os elementos concretos adequados a tal apreciação, como decorre da sentença.

    Contrariamente ao pretendido, os juros são contabilizados a partir do vencimento de cada uma das prestações, que são valores remuneratórios mensais.

    O facto de a R. não concordar com os valores ou carácter das prestações não implica que, definido o seu vencimento, os juros se contabilizem a partir de então, como doutamente plasmado na sentença ‘a quo’.

    ___ Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir seu proficiente Parecer, a fls. 680-682, a que não foi oferecida reacção – cumpre decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO · DOS FACTOS.

    Vem assente a seguinte factualidade: [……………………………………………………………..] · CONHECENDO.

    - Do recurso interposto do saneador-sentença.

    A Apelante suscita desde logo um vício da decisão que, na sua perspectiva, constituirá uma nulidade da sentença, ‘ex vi’ do disposto no n.º1, c), do art. 668.º do C.P.C.…e que se analisa na contradição entre o facto dado como assente e a decisão relativa ao montante da indemnização.

    Isto porque se deu como estabelecido que a A. auferia uma remuneração mensal bruta de € 3.289,06 e, depois, se usou tal valor como sendo de retribuição-base, calculando e decidindo o valor da indemnização em função disso.

    Cautelarmente – …e nos mesmos termos da fundamentação da invocada nulidade – pretendeu impugnar-se a matéria de facto, enquanto configurando manifesto erro de julgamento, como se vê do ponto II da motivação, invocando um excerto da fundamentação de Direito da decisão em que o Tribunal erra manifestamente ao afirmar que tal matéria não fora impugnada pela R…quando o foi expressamente no art. 19.º da contestação.

    Conferimos que assim aconteceu na verdade.

    A matéria relativa ao alegado montante da retribuição foi efectivamente impugnada, como se vê do confronto entre o articulado da A. e o contraposto pela R. na sua defesa.

    Íamos providenciar em conformidade, quando constatamos que o Exm.º Julgador se deu disso conta na sentença subsequente, a fls. 605 v.º, assumindo o erro, em nota prévia.

    Aí se consignou justamente que...Do teor da contestação verifica-se que a matéria alegada no artigo identificado pela A.

    (na P.I.) com o número 19 está impugnada… E embora daí não retire imediatamente qualquer consequência, em sede de facto, acaba por consignar-se mais adiante (fls. 608, in fine) que …a retribuição da A. é composta (…além do mais), por ‘retribuição-base de € 2.200’… Não vimos que a recorrida tenha repudiado, insinuadamente sequer, este entendimento das coisas, pelo que, sem outras despiciendos justificativos, se confere razão à impetrante, neste ponto, imprimindo-se à decisão da matéria de facto, nos termos legalmente consentidos, a devida alteração.

    O questionado item de facto passa a ter a seguinte redacção: ‘À data da cessação do contrato a A. auferia uma remuneração mensal bruta no total de € 3.289,06, correspondente à soma de diversas parcelas, nomeadamente - 1) Retribuição-base de € 2.200,00; 2) ’… Esta alteração de facto terá necessariamente repercussão no valor encontrado, a final, como correspondente ao montante da indemnização de/por antiguidade, já que o referencial de cálculo é, para o efeito, não a remuneração mensal bruta de € 3.289,06, mas sim a retribuição-base vezes o tempo de serviço (…13 anos e 40 dias, de acordo com os termos usados no cômputo).

    Isto posto, avancemos para as questões que nos vêm propostas, que a Apelante inventaria como sendo, no mínimo, as que discrimina a fls. 516-518.

    Seguiremos, metodologicamente, o guião constante do elenco conclusivo, sem perder de vista o teor da decisão impugnada, cujo objecto se circunscreve ao conhecimento parcial do pedido, concretamente o plasmado nas alíneas c), d) e e), ou seja, a justa causa da resolução, a indemnização de antiguidade e a compensação pelos danos não patrimoniais.

    Ultrapassadas as primeiras quatro proposições de síntese, que se reportam ao problema vindo de tratar, vejamos então.

  5. Pretexta a Recorrente que, ao contrário do sustentado na decisão sujeita, a ‘impossibilidade’ de a trabalhadora/A. realizar a sua prestação só se manteve efectivamente no período compreendido entre o despedimento e o...

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