Acórdão nº 583/07.4TATMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 14º, 152º DO CP; , 32º DA CRP 127º,412º E 428º DO CPP.

Sumário: 1.O recurso sobre a decisão da matéria de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

  1. O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assomo de arbítrio na apreciação da prova.

  2. Não há obstáculo legal à valoração em audiência de julgamento das declarações da assistente e demandante cível e a que, no âmbito da imediação e na oralidade, o Tribunal a quo possa racionalmente fundamentar os factos dados como provados com base nas suas declarações, em especial quando confirmadas por outros elementos probatórios, derivados de provas directas e indirectas, devidamente conjugadas entre si e com as regras da experiência comum.

  3. No caso, tendo o Tribunal da Relação ouvido as declarações integrais da assistente I., prestadas oralmente na audiência de julgamento – bem como as do arguido e das restantes testemunhas e não tendo como verificado qualquer elemento objectivo que coloque em causa a credibilidade das declarações da assistente I., relativamente aos factos agora em causa, valorada positivamente pelo Tribunal recorrido no âmbito da imediação e da oralidade , nada obsta a que tais declarações sejam valoradas para dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 4º a 14º da douta sentença recorrida.

Os actos descritos como praticados pelo arguido causaram à assistente I, de modo repetido, como foi propósito dele, humilhação, lesões físicas e dores, além de perturbação da liberdade pessoal da assistente através de ameaças, e ofensas à sua honra e consideração como pessoa e como cônjuge.

O arguido agiu com dolo directo e intenso, com liberdade na acção, conhecendo e querendo infligir ao seu cônjuge maus tratos físicos e psíquicos , com conhecimento de que a sua conduta era proibida.

Deste modo, o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, al. a), do Código.

Decisão Texto Integral: Relatório Pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido M.

filho de M. e de G., natural da freguesia …, concelho de … nascido a …de … de 1969, divorciado, …, residente na Rua …. Tomar, imputando-se-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, al. a), 2 e 4, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro.

A assistente I. deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido M., pedindo que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a… de … de 2009, decidiu julgar parcialmente provada a acusação e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, consequentemente, - condenar o arguido M.., pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos art. 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal , perpetrado na pessoa de I. na pena de três anos de prisão; - suspender-lhe a execução da pena de prisão, pelo prazo de três anos, com a condição pagar à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima a quantia de 750,00 € no prazo de seis meses; e - condenar o requerido M. a pagar à requerente I. a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros calculados à taxa de 4%, desde 10 de Fevereiro de 2009 até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido M. concluindo a sua motivação do modo seguinte: A.-O presente recurso visa impugnar a sentença em recurso; - Em termos de matéria de facto, porquanto...

• Há insuficiência para a decisão da matéria de facto, • Há um erro notório na apreciação da prova, sendo certo que • A prova produzida em audiência impunha decisão diversa; - Em termos de matéria de Direito porquanto, necessariamente, B.- O Tribunal “a quo” decidiu mal ao considerar provado que: - Desde data não determinada mas já depois do nascimento do segundo filho, no interior da residência de ambos, o arguido e a assistente envolviam-se em discussões relacionadas com a gestão da economia doméstica, situação que se intensificou a partir do ano de 2005, - Na sequência das discussões, o arguido agredia fisicamente a assistente, desferindo-lhe murros nos membros superiores e pontapés nos membros inferiores, - Causando-lhe, desse modo, directa e necessariamente, ferimentos e lesões que careciam de tratamento médico, - A assistente nunca se deslocou a qualquer unidade de saúde, nem pediu auxilio a terceiros, por recear a reacção do arguido, caso o fizesse, e por pretender proteger os seus filhos menores, - Por esse motivo, era frequente a assistente apresentar-se no local de trabalho com hematomas nos membros, - Também nessas alturas, o arguido ameaçava a assistente, dizendo sempre em tom intimidatorio que um dia iria matá-la, - Fazia-o sempre em tom altivo e sério, fazendo crer à assistente que estava firmemente decidido a concretizar tais ameaças; - Em tais ocasiões, a assistente sentia medo e receava pela sua integridade física e pela sua vida, - Ainda na sequência das discussões, o arguido dirigiu-se à assistente chamando-a puta, cabra, vaca e coirâo, - E acusava a assistente de manter relacionamentos com outros homens, dizendo-lhe que a mesma tinha amantes, - A maior parte dessas discussões acima referidas ocorriam na presença dos filhos do casal, - Na passagem do ano de 2004/2005 a assistente convidou os respectivos pais e irmãos para celebrarem a chegada do Ano Novo em sua casa, - No dia 1 de Janeiro de 2005, sensivelmente antes da hora de almoço, o arguido iniciou uma discussão com a assistente, após o que saiu de casa, - Por ser dia festivo e a família estar a preparar-se para almoçar, a assistente decidiu seguir o arguido, por forma a convencê-lo a regressar a casa para almoçarem, - Foi então que, próximo da Fábrica … em … área desta comarca, o arguido desferiu uma bofetada na assistente, atingindo-a na face e diversos pontapés nas pernas, - Em seguida, empurrou-a por diversas vezes, o que provocou a queda da mesma no chão, - Em consequência directa e necessária de tal comportamento do arguido, a assistente sofreu equimoses e hematomas na face, - Por tal motivo decidiu não regressar de imediato a casa, por sentir vergonha dos seus familiares e não pretender que os mesmos vissem tais lesões e, assim, soubessem que era vitima de maus tratos por parte do seu marido, - Por esse motivo, a assistente só regressou a casa pelas 17 horas daquele dia 1 de Janeiro de 2005, e já depois dos respectivos familiares a terem procurado, - Quando regressou a casa, a assistente apresentava hematomas nos membros superiores e inferiores e na face, estava descalça e com a blusa rasgada, - Os familiares da assistente convenceram-na a ir morar com os seus pais, ao que a mesma acedeu, - A assistente permaneceu em casa dos seus pais até ao dia 4 de Janeiro de 2007, data em que regressou a casa, depois de o arguido lhe ter dito que iria mudar de comportamento e por pensar nos seus dois filhos menores, - Decorridos cerca de um mês, o arguido começou a agredir a assistente, a injuriá-la e a ameaçá-la de que a matava, - Tais discussões assumiram maior intensidade a partir do Verão de 2007; - Designadamente, dois fins de semana do Verão de 2007, depois de a assistente visitar os seus pais, ao regressar a casa, acompanhada dos dois filhos menores, encontrava a porta de entrada trancada, dado que o arguido fechava a porta, deixando a chave na fechadura, a fim de os impedir de entrar em casa, - Nessas ocasiões e dirigindo-se quer à assistente, quer aos seus filhos, o arguido dizia que se não se pusessem na rua, ele trataria disso um dia e queimaria a casa onde o agregado familiar residia, - Nessas duas ocasiões, a assistente e os filhos passaram a noite no interior do respectivo veículo automóvel, dado que o arguido não lhes abriu a porta, onde permaneceram até ao dia seguinte, esperando que o arguido saísse de casa, para poderem entrar em casa.

- No dia 13 de Agosto de 2007, no interior da respectiva residência, o arguido desferiu varias bofetadas na face da assistente, agarrou-a pelos braços e empurrou-a, - Noutra ocasião, ocorrida em Agosto de 2007, o arguido, servindo-se de um chinelo, desferiu com o mesmo diversas pancadas nos braços e costas da assistente.

- Em consequência do comportamento do arguido, a assistente sofreu hematomas nos braços, os quais lhe causaram dores, - A assistente não se deslocou a qualquer unidade de saúde, a fim de receber assistência médica, por recear a reacção do arguido, - Na primeira quinzena do mês de Setembro de 2007, diariamente, o arguido iniciou discussões com a assistente, dizendo-lhe que se a mesma "não se pusesse na rua, a matava a ela e mais dois ou três", - Fê-lo, mais uma vez, de forma exaltada, em tom sério e intimidatório, - Por esse motivo, por sentir medo do arguido, no dia 20 de Setembro de 2007, a assistente foi residir com os respectivos progenitores, acompanhada dos seus dois filhos, onde permanece até hoje, - No dia 26 de Setembro de 2007, pelas 11 horas, em Tomar, o arguido dirigiu-se à assistente e disse-lhe, em tom exaltado, "eu sou maluco, tu não brinques comigo, que já sabes o que é que acontece", - Em...

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