Acórdão nº 219/05.8GBPCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | MOURAZ LOPES |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 32ºDA CRP;15º,137º DO CP , 127º DO CPP 24º E 25ºDO CE Sumário: 1.
O reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
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A prova indirecta, sendo um meio de prova absolutamente legítimo, pode ser livremente utilizada e valorada pelo Tribunal, em todas as circunstâncias que entender como útil à sua utilização, assumindo relevância especifica em circunstâncias de défice da prova directa, seja por virtude de inexistência, seja pela sua debilidade valorativa.
3 Na valoração individual da prova examina-se a fiabilidade de cada uma das provas em concreto reconhecendo-se que toda a prova, antes de provar deve ser provada. No decurso do processo analítico efectuado não pode prescindir-se da perspectiva conjunta do modo como cada uma das provas é integrada no quadro probatório global. Se cada um dos elementos de prova tem de exigir uma disponibilidade para ser avaliado como se realmente «tivesse sido o único disponível», a articulação das provas entre si e a sua avaliação conjunta permitem o conhecimento global dos factos que, por sua vez se irá reflectir no resultado da totalidade da prova atendível, sendo por isso reciprocamente necessários os dois momentos de valoração.
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No caso, da análise probatória global, efectuada igualmente pelo tribunal ad quo não pode de todo concluir-se por uma errada apreciação da prova em termos de julgamento pelo tribunal.
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Com o princípio da livre apreciação da prova, vinculado ao princípio da descoberta da verdade material – contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova – possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das prova atendíveis que suportam a decisão. Mas uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação.
6 O Código da Estrada e o seu regulamento fixam a margem de risco permitida na condução e sobre a qual deve a ordem jurídica efectuar o juízo sobre o dever objectivo de cuidado que os condutores devem ter.
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No caso, o dever de adequar a velocidade às circunstâncias da via molhada e enlameada foi efectivamente desprezado pelo comportamento do arguido na sua condução, daí tendo originado o despiste do veículo e as consequências trágicas que dele resultaram.
Decisão Texto Integral: 19 I. RELATÓRIO.
No processo Comum singular n.º Processo 219/05.8GBPCV.C1 foi julgado e condenado o arguido A.
como autor material de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo artigo 137º n.º 1 do Código Penal, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 5, o que perfaz o montante global de 1250€. O arguido foi ainda condenado no pagamento de 2 UCs de taxa de justiça, acrescida do adicional de 1% nos termos do artigo 13º n.º 3 no DL 423/91, de 30 de Outubro e das demais custas com procuradoria fixada em ¼.
Não se conformando com a decisão o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: «1 — O tribunal deu como provado que o acidente ocorreu por excesso de velocidade, apesar de a mesma não ter sido concretamente apurada.
2 — Tal conclusão assenta num juízo errado, na medida em que não existem quaisquer indícios que permitam formular o juízo de que o acidente se deveu àquela causa.
3 - Não existem nos autos quaisquer indícios que permitam formular o juízo da sentença de que o despiste se deveu a excesso de velocidade, pelo contrário existem diversos indícios de onde é possível concluir que o acidente ocorreu ou pode ter ocorrido por outras causas, que não foram valoradas, nem sequer apreciadas na sentença.
4 — Estão dadas como provadas várias causas aptas a determinar o acidente, ou seja circunstâncias que podem ter sido causa adequada do mesmo, e que foram ignoradas pelo Tribunal a quo.
5 - As leis da física demonstram que tendo o acidente ocorrido quando o veículo descrevia uma curva à direita, se circulasse em excesso de velocidade a força centrífuga teria provocado o despiste para o exterior da curva, ou seja, para a esquerda e não para o interior daquela, ou seja para a direita.
6 — Entre as circunstâncias causantes do acidente, que o senhor juiz não valorou, verificam-se as provadas no facto do art. 1 O.°: “O pavimento era composto de uma mistura betuminosa densa de gravilha e alcatrão e apresentava-se desgastado com pequenas gretas e ondulações à sua superfície.” 7 — Estas circunstâncias aliadas ao facto provado de que chovia abundantemente, são adequadas a provocar a perda do controlo do veículo, mesmo quando conduzido a velocidade moderada.
8 — A jurisprudência e a doutrina têm entendido que quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma dessas causas é somente um indício provável ou possível, sendo que para dar consistência à prova será então necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos um.
9 — Na medida em que a sentença não afastou as restantes causas aptas a provocar o acidente, não se pode aceitar a presunção nela ínsita, a qual redunda numa mera conjectura ou hipótese explicativa.
10 - A negligência pressupõe a violação de um dever de cuidado, o que in casu não se logrou apurar.
11 — A sentença recorrida violou os artigos 15.° e 137.° do CP, bem como os basilares princípios da culpa e da presunção da inocência (32.°, n.°2 da CRP); violou ainda as regras quanto à livre apreciação da prova do artigo 127.° do CPP.
12 – O arguido não praticou o crime de homícidio por negligência de que vem acusado».
O Ministério Público, nas suas contra-alegações pronunciou-se pela improcedência do recurso, por entender inexistir qualquer vício ou contradição na análise da prova bem como ter que ser a conduta do arguido imputada a título de negligência e ainda ser a pena aplicada adequada e proporcional.
O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação manifestou-se igualmente pela improcedência do recurso II. FUNDAMENTAÇÂO As questões a decidir: Em face das conclusões e da motivação do recorrente são duas as questões a decidir: a) erro de julgamento, insuficiência de prova e...
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