Acórdão nº 386/07.6GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO CRIMINAL Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: ARTIGOS 113º, 6, 115º, 2 ,178º CP Sumário: 1. O Ministério Público para dar início ao procedimento por crime de violação no regime vigente até 2007 e fora dos casos específicos em que estivesse em causa o suicídio ou morte da vitima, teria de ponderar e justificar a sua intervenção numa esfera que o legislador entendia como estando na disponibilidade dos próprios titulares dos interesses em causa.

  1. Estando em causa situação fáctica ocorrida em 2005, um crime dependente de queixa, o exercício desta deveria, face ao regime legal vigente, ser concretizado no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tivesse tido conhecimento dos factos – artigo 113º n.º 1 e 115º n.º 1 do C. Penal, na redacção deste Código até à Lei nº 59/2007 3. Situação diversa acontece actualmente, quando estão em causa crimes cometidos contra menores de 18 anos e o direito de queixa não for exercido nos termos do artigo 113º n.º 6, possibilitando-se o exercício da queixa nos seis meses subsequentes à data em que o ofendido fizer 18 anos, nos termos do artigo 115º n.º 2, matéria que foi introduzida apenas com a nova versão da Lei.

    Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.

    No processo Comum n.º 386/07.6GCVIS.C1 foi julgado o arguido J...

    tendo sido decidido: a) absolver o arguido da prática do crime de coação sexual de que vinha acusado; b) julgar o arguido autor de um crime de violação agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.º 2, b), 23.º, nºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, a) e b), 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal e de um crime de coacção sexual agravado previsto e punido pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal e, consequentemente, condená-lo na pena unitária de três (3) anos e dois (2) meses prisão. Tal pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de três anos e dois meses, subordinada à condição de o arguido proceder ao pagamento da indemnização arbitrada à menor A..., no prazo de um ano, a contar do trânsito em julgado, através de depósito em conta bancária titulada pela menor com administração do director da instituição onde a menor se encontra acolhida, devendo fazer prova disso nos autos, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, a determinar pelos competentes serviços de reinserção social.

    O arguido foi ainda condenado em taxa de justiça que se fixou em seis UCs e nas custas do processo, fixando-se a procuradoria em metade da taxa de justiça devida, e ainda na importância equivalente a 1% da taxa de justiça devida. O arguido foi também condenado na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido por B..., em representação da sua filha menor A…, no pagamento da quantia de 12.500 € (doze mil e quinhentos euros) e nas custas do pedido de indemnização civil na proporção do respectivo decaimento.

    Não se conformando com a decisão o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: «1. O Ministério Público carece de legitimidade processual para instaurar e acompanhar a acção penal quanto ao crime de violação na forma tentada, uma vez que não foi apresentada qualquer queixa, nomeadamente nos seis meses subsequentes à prática dos factos; 2. E se na altura vigorava a redacção anterior ao artigo 178º n.º 4 do Código Penal que permitia ao Ministério Público exercer a acção penal no caso de julgar de relevante interesse para a menor, essa apreciação é da exclusiva competência do Ministério Público, não podendo o Tribunal substituir-se-lhe em tal apreciação.

  2. Mas ainda que o julgador pudesse assumir tal competência, não justificou em que medida considerava o prosseguimento da acção penal de relevante interesse para a menor – limitando-se a valorizar que de outro modo se verificaria uma situação de chocante impunidade – Deste modo, 4. A decisão sempre seria nula por falta de fundamentos factuais e legais.

  3. Mas acresce que o n.º 4 do artigo 178º foi eliminado na actual redacção da disposição, beneficiando por isso e de imediato o recorrente. Posto o que, 6) Deverá ser, sem mais, arquivado o procedimento nesta parte.

    7) De qualquer modo, quer quanto a este crime quer quanto ao de coacção sexual agravada deverá dar-se como não provada toda a factualidade fixada integradora do referido crime, uma vez que houve uma errada apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal que, além do mais, não analisou como lhe competia o significado e os efeitos do documento de fls 2 a 5.

    8) Verificando-se ainda uma contradição insanável na fundamentação na medida em que se invoca como fundamento das respostas os depoimentos das testemunhas M..., P... e D..., que contrariam a matéria fixada pelo Tribunal.

    9) E mesmo que assim não se entendesse, teria sempre de se considerar haver erro notório na apreciação da prova daquela factualidade.

    10) Do mesmo modo, a matéria relativa ao pedido de indemnização cível fica prejudicada, mas de qualquer modo sempre teria de se considerar, aliás em consonância com o que fica alegado que, além de não subsistirem quaisquer factos dos imputados ao recorrente, nada há no comportamento nem na personalidade da A... que demonstre ter sido minimamente afectada.

    11) Decidindo de modo diferente, designadamente na apreciação do depoimento da testemunha C..., o Tribunal cometeu também aqui um erro notório na apreciação da prova.

    12) Violou o Tribunal o disposto no artigo 178º, quer na redacção anterior que na redacção actual do Código penal e artigo 410º nº 2 do CPPenal.» Em resposta ao recurso, o Ministério Público acompanha o recorrente quanto à questão da falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal pelo crime de violação sob a forma tentada, mas propugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

    O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação apôs apenas um visto.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO Face às alegações de recurso apresentadas, maxime às suas conclusões, são essencialmente duas questões que estão em apreciação: a) a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal quanto ao crime que o arguido veio a ser condenado; b) a matéria de facto provada, envolvendo um eventual contradição insanável na fundamentação e erro na apreciação da prova.

    * Importa, antes de tudo atentar nos factos provados e na fundamentação da sentença recorrida: «A menor A…e nasceu em 9 de Junho de 1992.

    Em data indeterminada do ano de 2005, situada entre os meses de Março e Junho, a menor A... dirigiu-se à oficina do arguido, sita em C…, a fim de ir buscar um motor de rega que o arguido tinha para arranjar, a pedido de sua mãe.

    Aqui, uma vez sozinho com a menor, o arguido ofereceu-lhe um telemóvel, propondo-lhe que entrasse no escritório.

    Como a menor não entrasse, o arguido agarrou-a e amarrou-lhe as mãos, após o que a conduziu à força para o interior do escritório, tendo, de seguida, fechado a porta de tal compartimento com a chave.

    Então, após ter desamarrado a menor, mesmo com a resistência desta, o arguido baixou-lhe as calças e as cuecas que ficaram no chão.

    De seguida, o arguido foi-se despindo, baixando também as suas calças, após o que exibiu à menor o pénis erecto e pegou nela ao colo, tentando abrir-lhe as pernas de forma a puder introduzir-lhe o pénis na vagina, enquanto a menor se debatia.

    Entretanto, surgiu à entrada da oficina, vinda da rua, a mãe da menor A..., a qual chamou por esta e dirigiu-se ao escritório onde se encontravam a filha e o arguido, tendo ainda deparado com as peças de roupa da menor no chão, após a porta ter sido aberta pelo arguido.

    * Durante o período compreendido entre 2005 e meados de 2007, quando encontrava a menor sozinha, o arguido propunha-lhe a deslocação para um barracão abandonado, o que a menor recusava.

    * Em data indeterminada situada por volta do mês de Maio de 2007, à noite, em Teivas, o arguido surpreendeu a menor, agarrando-a com os braços e apalpou-a nos seios, dizendo-lhe para ir ter com ele a um barracão abandonado situado próximo da escola, tendo nessa ocasião a menor conseguido libertar-se e colocar-se em fuga em direcção a casa.

    A menor relatou à mãe estes factos pois tinha sido surpreendida por M… que passava no local e viu a menor e o arguido na escuridão junto à taberna, em Teivas.

    O arguido tinha pleno conhecimento da idade da menor, sendo certo que se relacionava com a mãe da menor e vivia no povoado próximo, circunstância de que se aproveitou.

    Agiu sempre com o propósito de, dessa forma, satisfazer os seus instintos libidinosos bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, podia prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da menor na sua esfera sexual como a limitava na sua liberdade de autodeterminação sexual.

    Em ambas as ocasiões agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

    * A menor A..., com medo de encontrar o arguido, recusava-se a ir à escola, dizendo mesmo à mãe que tinha medo que “ele” aparecesse, fechava-se em casa e pedia à mãe para não lhe pedir para ir “à venda” buscar o que quer que fosse.

    O arguido, por diversas vezes, estacionou a sua carrinha junto da porta de casa da menor pelo que esta comentava com a mãe “vês tem ali a carrinha, anda a seguir-me não saio de casa”.

    A menor acordava durante a noite a chorar com pesadelos.

    A menor encontra-se presentemente no Lar de Crianças e Jovens da Santa Casa da Misericórdia em Resende onde, ao que tudo indica, permanecerá até aos 18 anos.

    O arguido vive com a esposa e com uma filha já maior que trabalha.

    Vivem em casa própria não acabada.

    A esposa explora um bar e um posto de abastecimento de combustível.

    Em finais de 2005 o arguido fechou a sua oficina.

    Trabalhou durante cerca de três anos numa firma de alumínios.

    Auferia o vencimento mensal de 450 euros.

    Saiu dessa firma em Janeiro de 2009.

    Actualmente dedica-se à agricultura.

    Em nome...

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