Acórdão nº 302/06.2GAFZZ.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO CRIMINAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 152º, 2 CP Sumário: 1. Entre o crime de maus tratos e os crimes que o podem integrar estabelece-se uma relação de concurso aparente, só se aplicando a pena cominada pelo art. 152º, n.º 2, do Código Penal, deixando de ter qualquer relevância jurídico-penal autónoma os crimes que o podem integrar.

  1. O crime de maus tratos a cônjuge vem descrito na lei como consistindo numa pluralidade indeterminada de actos parciais, ou seja, numa realização repetida do tipo.

  2. Qualifica-se como crime de maus tratos as condutas agressivas, mesmo que praticada uma só vez, que se revistam de gravidade suficiente para poderem ser consideradas como tal.

  3. Não são todas as ofensas corporais entre cônjuges que cabem na previsão criminal do art. 152º, mas aquelas que se revistam de uma certa gravidade, isto é, que traduzam crueldade ou insensibilidade, ou até vingança, desnecessária, da parte do agente.

    Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO 1.

    No processo comum singular n.º 302/06.2GAFZZ.C1 do Tribunal Judicial da Comarca de Ferreira do Zêzere, por sentença datada de 2 de Março de 2009, foi PARTE CRIMINAL

    a) Condenado o arguido C... pela prática de um crime de maus tratos a cônjuge p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1 e 2 do C.Penal (em vigor à data da prática dos factos), na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

    PARTE CIVIL

    a) Julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante N... e, consequentemente, foi condenado o demandado C... a pagar-lhe a quantia de € 4000, acrescida de juros de mora à taxa diária de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil ao arguido, até integral pagamento.

  4. Inconformado, o arguido C... recorreu da sentença.

    2.1. O arguido finalizou a sua longa motivação com as seguintes conclusões (transcrição): A. O presente recurso visa impugnar a sentença em recurso.

    Em termos de matéria de facto, porquanto...

    • Há insuficiência para a decisão da matéria de facto, • Há um erro notório na apreciação da prova, sendo certo que • A prova produzida em audiência impunha decisão diversa; Em termos de matéria de Direito porquanto, necessariamente, há uma errada aplicação do mesmo.

    1. O Tribunal “a quo” decidiu mal ao considerar provado que: a) Desde o sétimo ano de casamento que a relação entre o arguido e a assistente se começou a deteriorar, sendo que, por inúmeras vezes, em datas não concretamente apuradas mas na constância do matrimónio, o arguido costumava afirmar que tinha outras mulheres e dirigia-se à assistente chamando-a de ordinária, ranhosa, velhaca e dizendo “vai para a puta que te pariu”.

      1. O arguido agrediu pela primeira vez a assistente, em data não concretamente apurada no ano de 1984.

      2. Nessa ocasião, no interior da residência de então dos mesmos, na localidade de B…, Ferreira do Zêzere, o arguido, na sequência de discussão, desferiu à assistente diversos murros e bofetadas na cara.

      3. Desde então e até 25 de Novembro de 2006, as agressões por parte do arguido à assistente foram frequentes e geralmente consistiam em empurrões e puxões nos braços, pontapés, o aconteceu por inúmeras vezes.

      4. Era também frequente o arguido ameaçar a assistente dirigindo-lhe as seguintes expressões: “Qualquer dia desfaço-te em bocados, parto-te a cara, meto-te no hospital, dou cabo de ti, estoiro-te os cornos”.

      5. Em data, não concretamente apurada, quando se encontravam a residir na Suíça, no interior do restaurante que exploravam, o arguido desferiu um pontapé na perna direita da assistente, e desferiu-lhe diversos murros e bofetadas, apertando-lhe o pescoço, levando a que a mesma, como consequência das agressões sofridas, ficasse dois dias internada num hospital.

      6. Dizendo “desde quando tens autorização para pegar no carro sem a minha ordem”, após o que, agarrou a assistente e desferiu-lhe diversas bofetadas na cara e na cabeça, tendo ainda lhe dirigido a seguinte expressão “andas para aqui a pôr-me os cornos”, chamando-lhe cabra e ranhosa.

      7. De seguida, e como a assistente fugiu para a rua, o arguido fechou as portas da residência não deixando a assistente entrar em casa, pelo que a mesma viu-se obrigada a pernoitar no carro da filha que posteriormente aos factos relatados chegou ao local.

      8. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido no dia 25 de Novembro de 2006, resultou para a assistente N... uma equimose na região malar esquerda e laceração da mucosa bocal da região geneana esquerda.

      9. O arguido agiu sempre de forma livre e voluntária, com o propósito concretizado de, reiteradamente violentar a saúde corporal, de humilhar e desconsiderar a assistente N..., com quem sabia estar casado e estar obrigado a respeitar e a cooperar, lesando dessa forma a sua saúde, dignidade e integridade física.

      10. Em consequência dos factos supra descritos a assistente sofreu dores, teve medo, ficou acabrunhada, sentiu-se humilhada, ficou debilitada, num estado depressivo e de nervosismo, tendo sido medicada com anti-depressivos e ansiolíticos, encontrando-se ainda a tomar, esporadicamente, anti-depressivos, tendo tido necessidade de recorrer a consultas médicas.

    2. E o tribunal “a quo” decidiu mal ao assim considerar provado, porquanto apreciou erradamente as provas que impunham decisão diversa; D. O Tribunal “a quo” para considerar provada a matéria supra referenciada considerou e baseou-se nos depoimentos -da assistente, -do perito, -da testemunha Cidália, -da testemunha Irene, e -da testemunha Leonel.

    3. Ora, do depoimento destas testemunhas não se retira de modo algum, a factualidade que se considera provada.

      Senão vejamos...

      QUANTO ÀS OFENSAS CORPORAIS E INJÚRIAS OCORRIDAS EM 25/11/2006: F. Do depoimento do Sr. Perito Médico, que transcrevemos no texto, retira-se que: - Os hematomas que a assistente apresentava tanto podiam ser resultado de uma mão, como de uma porta do carro, na qual, alegadamente e na versão do arguido, a assistente embateu, -Sendo certo que o nexo de causalidade entre estas duas possibilidades e os hematomas é, exactamente, o mesmo.

    4. Portanto, deste depoimento não se pode concluir, de forma alguma, que as equimoses que a assistente apresentava resultaram de uma agressão perpetrada pelo arguido; H. O depoimento da filha B... é indirecto, não podendo, como tal, fundamentar o que quer que seja, sendo certo que em momento algum esta testemunha referiu que a assistente lhe tivesse relatado qualquer injúria; I. O depoimento das testemunhas L...e I...jamais poderiam fundamentar o que quer que fosse porquanto são, notoriamente, contraditórios; J. Conforme resulta das transcrições feitas no texto a testemunha L...afirma: -que viu o arguido dar à assistente socos na barriga, costas e cara, -que ouviu o arguido chamar-lhe cabra e puta, -e que a assistente tinha hematomas no olho.

      Ora, a assistente: -não se queixou de socos na barriga e costas, -não se queixou da injúria “puta”, -E apresentava hematomas na zona maxilar esquerda.

    5. Por outro lado comparando o depoimento da testemunha L...com o da testemunha I...resulta que...

      -A TESTEMUNHA L...AFIRMA: -que estava com a testemunha I...no exterior, -que quando o arguido começou a discutir com a assistente entram para dentro, -que da sala viu a ofensa corporal e ouviu as injúrias.

      Por sua vez...

      A TESTEMUNHA I...AFIRMA: -que estava com o L...no interior da casa, -que estavam trancados, -que a testemunha L...estava ao pé de si, -que a testemunha L...nunca lhe contou ter visto qualquer ofensa corporal ou ter ouvido qualquer injúria.

      Acrescentando, ainda, esta testemunha: -que viu sangue na cara da assistente, na zona da boca, que o seu marido não refere.

      QUANTO ÀS OFENSAS CORPORAIS E INJÚRIAS OCORRIDAS AO LONGO DO CASAMENTO: L. Também quanto aos factos que considerou provados, nesta parte, o Tribunal “a quo” apreciou erradamente as provas, sendo certo que se baseou no depoimento da: -testemunha B..., e -da assistente.

    6. Ora, o depoimento da testemunha B..., conforme resulta da transcrição feita no texto, foi emotiva, tomando notoriamente o partido da mãe e, tanto assim é, que não deu relevo à tentativa e suicídio do pai.

    7. Do seu depoimento resultou: -que, alegadamente, quando tinha 7 anos viu uma ofensa corporal perpetrada pelo pai à mãe, -que nunca mais assistiu a qualquer agressão, nem a sua mãe lhe referiu, tirando a ocorrência de 25/11/2006, -que viveu assistiu a uma agressão perpetrada pelo pai à mãe, quando tinha 7 anos, -que viveu com os seus pais quando era muito pequena, tendo depois crescido e sido educada por uma tia avós, -só convivia com os pais nas férias; -já adulta, recentemente, viveu um ano com os pais, -depois foi viver sozinha visitando os pais uma vez por mês, ou de cinco em cinco semanas, -que as discussões entre os pais ocorriam de vez em quando, sem um frequência certa, ou seja, uma ou duas vezes por mês, havendo o 2 ou 3 meses em que nada se passava, sendo certo que, quando os visitava não havia sempre discussões.

    8. Ora, do seu depoimento, quando muito, o que se pode retirar é que: -terá ocorrido, há muitos anos uma ofensa corporal, -que a relação entre arguido e queixosa era pouco harmoniosa, -com discussões frequentes, e -com troca de palavras pouco agradáveis.

    9. Ademais não podemos deixar de salientar o facto de, e referindo a testemunha B... que os insultos eram proferidos à frente de amigos, familiares e hóspedes, não ter aparecido uma única testemunha a confirmar esta situação.

    10. Sendo certo que a mesma testemunha B... nunca referiu ter visto a sua mãe com nódoas negras, para lá de quando tinha a idade de 7 anos.

    11. Aliás, não apareceu qualquer prova testemunhal ou documental que, por qualquer forma, ainda que duvidosa, permitisse concluir que a assistente, para lá da ocorrência alegadamente ocorrida há muitos anos, apresentou outras marcas corporais de maus tratos.

    12. Acresce que do depoimento da testemunha O...retirou-se, claramente, que o...

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