Acórdão nº 228/07.2TAVGS –A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCALVÁRIO ANTUNES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGOS 256º, Nº1, B), DO CÓDIGO PENAL,11º, Nº 1 B) DO DEC. LEI 454/91 Sumário: A falsa informação prestada ao banco sacado de falta ou vício na formação da vontade ou extravio ou furto de cheque, com a intenção de obstar ao pagamento desse cheque, integra apenas o crime de emissão de cheque sem provisão previsto na alínea b) do nº 1 do artº 11º do Dec. Lei 454/91, se verificados os demais elementos constitutivos do crime, e não o crime de falsificação.

Decisão Texto Integral: I. Relatório: I.1.

No âmbito do inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de Vagos, foi formulada queixa pela assistente V..., Materiais de Construção, Lda contra a arguida D..., imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, b), do Código Penal.

*** Findo o inquérito, o Ministério Público por entender que inexistiam indícios suficientes, relativamente à prática de qualquer crime, nomeadamente de falsificação de documentos, proferiu despacho de arquivamento dos autos, nos termos do art. 277.º, n.º 2, do CPP.

* I.2.

A assistente, V…, Materiais de Construção, Lda, não se conformando com os despachos de arquivamento dos autos veio requerer a abertura de instrução *.

I.3.

Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate.

Mais tarde foi proferido despacho (fls. 134/140), no qual ficou decidido não pronunciar a arguida D…, como autora material do crime de burla, mas foi a mesma pronunciada pelo crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. b) do Cód. Penal.

* I.4.

Da decisão de não pronúncia recorreu o Ministério Público, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Nos presentes autos, face à prova produzida, resulta suficientemente indiciado que, para pagamento dos fornecimentos de betão, em data anterior às datas neles apostas, a arguida emitiu e entregou à sociedade assistente dois cheques, sacados dobre a conta de que era titular na CCAM de Oliveira do Bairro; 2.Mais resulta indiciado que, através de declaração subscrita pela arguida, que sabia não corresponder à verdade, esta solicitou que fosse recusado o pagamento daqueles cheques por falta ou vício na formação da vontade, assim visando impedir o pagamento das quantias neles tituladas, pelo que, tendo os mesmos sido apresentados a pagamento, foram devolvidos por motivo de "falta ou vício na formação da vontade"; 3.A questão objecto do presente recurso é a de saber se a conduta da arguida, comunicando por escrito ao banco sacado a revogação por justa causa, com base em falta ou vício na formação da vontade, de dois cheques que tinha entregue à assistente, para pagamento de uma dívida, visando, assim, impedir o pagamento das quantias tituladas nesses cheques, integra ou não o crime de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256°, n° 1, b), do Código Penal; 4.No final do inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento por entender que a conduta da arguida não integrava a prática do crime de emissão de cheque sem provisão previsto e punido pelo artigo 11º, n° 1, b), do Regime Jurídico dos Cheques sem Provisão, nem do crime de burla previsto e punido pelo artigo 217°, n. ° 1, do Código Penal, nem do crime de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256°, n° 1, b), do Código Penal; 5.Requerida a abertura de instrução, foi proferido despacho de pronúncia da arguida por se entender que existem indícios suficientes de que a conduta da arguida preenche todos os elementos constitutivos do crime de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256°, n.º1, b) do Código Penal; 6.Entendeu-se em tal despacho recorrido, que a arguida cometeu um crime de falsificação porque produziu uma declaração escrita que entregou ao seu banco em que revogava os cheques mencionados por falta ou vício na formação da vontade, quando, como resulta indiciado, foi livre e espontaneamente que a arguida emitiu e entregou os cheques à assistente para pagamento dos materiais por aquela fornecidos, que o que é falso é o facto comunicado pela arguida ao banco, não o cheque; que é no relato do facto falso constante do documento assinado e entregue pela arguida ao Banco que a falsificação se concretiza; e que esse documento é documento particular e declara um facto que não corresponde à verdade, como a arguida bem sabia; 7.Em sentido contrário, entendemos que a elaboração e entrega pela arguida à instituição bancária da aludida declaração de revogação por justa causa dos cheques, visando tão-só emitir uma proibição junto da mesma como meio de obstar ao pagamento dos cheques, não integra a prática de um crime de falsificação; 8.O tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão previsto no artigo 11°, n° 1, b), do Decreto Lei nº 454/91, de 28 /12, integra claramente a falsa declaração de falta ou vício na formação da vontade, já que o sacador, ao fazê-la, visa obstar ao pagamento do cheque e com ela proíbe o pagamento do mesmo; 9.Logo, o fundamento utilizado para a revogação do cheque e incorporado na referida declaração entregue ao banco sacado não se projecta como um facto autónomo juridicamente relevante para efeitos de preenchimento do elemento objectivo do tipo legal do crime de falsificação previsto na alínea b) do n° 1 do artigo 256° do Código Penal; 10. Não se verificando, assim, um dos elementos típicos insertos no artigo 256º do Código Penal, a factualidade indiciada não integra o crime de falsificação de documento; 11.Toda a questão deve antes, apenas e tão-só, ser equacionada à luz do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão previsto no citado artigo 11°; 12.A falsa comunicação à instituição de crédito sacada do extravio do cheque ou da existência de falta ou vício na formação da vontade, efectuada com o propósito de assim obstar ao pagamento deste, não é mais do que um comportamento que se traduz em deixar a conta sacada sem provisão uma vez que o não pagamento por falta de provisão verifica-se não só quando aquela conta não tem, efectivamente, provisão - total ou parcial - (falta real de provisão), como quando, por razões ligadas à estrutura funcional das instituições de crédito, não apresenta um saldo livre susceptível de ser movimentado (falta de provisão contabilística), enquadrando-se todas estas realidades num conceito amplo de falta de provisão e a formulação da falsa comunicação enquadra-se no conjunto das actividades destinadas a colocar sem provisão contabilística a conta sacada; 13- Assim sendo, o sacador cometerá tão-só o crime de emissão de cheque sem provisão, previsto no art. 11.°, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n. ° 454/91, dado que proíbe injustificadamente o pagamento do cheque, desde que verificados todos os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito e condição objectiva de punibilidade; 14- Logo, mesmo que exista proibição injustificada mas não se verifiquem todos os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito e condição objectiva de punibilidade, a conduta do sacador não preencherá qualquer outro ilícito criminal; 15. Por todo o exposto, conclui-se que da prova produzida nos autos não resultam indícios suficientes da prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256°, n° 1, b), do Código Penal, por parte da arguida e, como tal, devia ter sido proferido despacho que a não pronunciasse; 16.Desta forma, entende o Ministério Público que o despacho recorrido, não seguindo o sentido ora defendido e ao pronunciar a arguida pelo crime de falsificação de documentos, violou as disposições constantes nos artigos 256°, n° 1, b), do Código Penal, e 308° n.º 1 do Código de Processo Penal.

Termos em que, deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho de pronúncia e substituído por outro que não pronuncie a arguida, assim se fazendo Justiça.

*I.5. Cumprido o art. 411.º, n.º 6 do CPP, apresentou resposta a assistente (fls.171), pugnando pela manutenção da decisão recorrida, com a consequente improcedência do recurso.

Mais tarde veio a arguida responder defendendo a improcedência do recurso (fls.188 devendo ser alterada a decisão recorrida por uma de não pronuncia da mesma.

* I.6.

Nesta Relação, aquando da vista a que se reporta o art. 416.º do CPP, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, acompanhando o Digno Magistrado do M.ºP.º da 1.ª instância, emitiu o parecer de fls. 192/193, manifestando-se no sentido da procedência do...

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