Acórdão nº 1321/06.4TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : 1. Quando os factos imputados ao trabalhador integrarem ilícito criminal, o prazo de prescrição da infracção disciplinar passa a ser o prazo de prescrição previsto para o ilícito penal, caso este seja superior àquele.

  1. O alargamento do prazo de prescrição nos termos referidos não depende do efectivo exercício da acção penal, nem do exercício do direito de queixa-crime, quando o exercício daquela esteja dependente desta.

  2. O entendimento perfilhado no número anterior não viola o princípio constitucional de presunção de inocência do arguido contido no art.º 32.º, n.º 2, da Constituição, uma vez que o alargamento em causa não tem quaisquer implicações de natureza penal para o trabalhador, nem tem subjacente qualquer juízo de natureza criminal que lhe seja desfavorável, ainda que em termos meramente presuntivos.

  3. Não se provando a realização de procedimento prévio de inquérito, a caducidade do procedimento disciplinar só se interrompe no dia em que o trabalhador arguido é notificado da nota de culpa, sendo irrelevante, para esse efeito, que o procedimento disciplinar tenha sido ordenado antes da comunicação da nota de culpa.

  4. Todavia, o prazo de caducidade só começa a correr quando a entidade empregadora ou o superior hierárquico com poderes disciplinares sobre o trabalhador tem conhecimento cabal dos factos que por ele foram praticados, competindo ao trabalhador alegar e provar a data em que tal aconteceu.

  5. A intenção do empregador proceder ao despedimento não tem de constar de comunicação autónoma, podendo ser expressa na nota de culpa.

  6. A fundamentação da decisão de despedimento pode ser feita por mera adesão à fundamentação contida no relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar.

  7. Julgado procedente o recurso de revista interposto pela ré, o Supremo tem de conhecer das questões suscitadas pelo autor no recurso de apelação, de que a Relação não chegou a conhecer por razões de prejudicialidade, mas se alguma dessas questões não foi indevidamente apreciada na sentença da 1.ª instância, o Supremo só poderá conhecer dessa questão se, no requerimento de interposição da apelação, o autor tiver arguido a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

  8. Constitui justa causa de despedimento a conduta assumida pelo trabalhador que, exercendo funções de assessor da Administração da empresa, envia, via e-mail, projectos relacionados com a actividade da empresa a um administrador da única empresa concorrente da ré.

    Decisão Texto Integral: _____ Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Na presente acção declarativa, proposta, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, por AA contra BB– Serviços Portugueses de Handling, S. A., o autor pediu que o despedimento de que foi alvo por parte da ré fosse declarado ilícito e que esta fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a antiguidade que lhe for devida, e a pagar-lhe a quantia de € 2.034,25, a título de retribuições vencidas nos 30 dias que antecederam a data de propositura da acção, acrescida das demais retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, e respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento.

    Para fundamentar a sua pretensão, o autor invocou a prescrição das infracções disciplinares que lhe foram imputadas, a caducidade do procedimento disciplinar, a invalidade do processo disciplinar, a caducidade do direito da ré aplicar a sanção de despedimento e a inexistência de justa causa.

    A ré contestou, sustentando a improcedência da acção.

    O autor respondeu à contestação, mas tal articulado foi mandado desentranhar, por despacho de fls. 106-107, que transitou em julgado.

    Realizado o julgamento, com gravação da prova e sem prévia selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, e decidida a matéria de facto, foi posteriormente proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido.

    O autor interpôs recurso da sentença, por discordar da decisão proferida sobre a matéria de facto, que especificadamente impugnou, e por continuar a entender que as infracções disciplinares estavam prescritas, que o procedimento disciplinar estava extinto por caducidade, que o processo disciplinar sofria de invalidades, que o direito de aplicar a sanção já não existia e que os factos por si praticados não justificavam o despedimento.

    O Tribunal da Relação de Lisboa conheceu da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto que parcialmente alterou, conheceu da prescrição das infracções disciplinares que julgou totalmente procedente e, julgando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso de apelação, declarou ilícito o despedimento e, consequentemente, condenou a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 28.2.2006 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzidas, se fosse caso disso, das importâncias que ele tievsse comprovadamente obtido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria auferido se não tivesse sido despedido, mormente o subsídio de desemprego (se tiver sido pago), devendo, neste caso, a ré entregar a correspondente quantia à Segurança Social.

    Inconformada com tal decisão, a ré interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: 1.ª - O Recorrido foi acusado da prática de vários factos ocorridos entre, pelo menos, 21 de Maio de 2004 e 24 de Julho de 2004, factos esses que o Apelante nunca negou.

    1. - Nos termos do disposto no artigo 412.º do Código do Trabalho (ex vi artigo n.º 4 do artigo 411.º), a instauração do procedimento prévio de inquérito interrompe os prazos previstos no artigo 372.º do Código do Trabalho, o que aconteceu no dia 4 de Agosto de 2005, através da proposta formulada pelo Secretário Geral da empresa ao seu Administrador Delegado.

    2. - A conduta do Recorrido é, em abstracto, susceptível de configurar um crime de violação de segredo, previsto e punido pelo artigo 195.º do Código Penal ou, eventualmente, o crime de aproveitamento indevido de segredo, previsto e punido pelo artigo 196.º do mesmo diploma legal.

    3. - Qualquer dos crimes atrás referidos é punido com pena de prisão a que corresponde um prazo prescricional mínimo de 5 (cinco anos), conforme resulta do disposto nos artigos 195.º, 196.º e 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, sendo por isso, este o prazo a aplicar ao procedimento em causa e tendo em consideração o disposto no artigo 372.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

    4. - O artigo 372.º, n.º 2, do Código do Trabalho não impõe a efectivação da tutela penal, maxime a apresentação da queixa-crime, para que se aproveite o prazo de prescrição criminal, bastando que os factos em apreço configurem um crime.

    5. - O artigo 372.º, n.º 2, do Código do Trabalho, é idêntico ao n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, que prevê a aplicação do prazo prescricional alargado previsto na lei penal, sempre que o facto ilícito constitua igualmente crime.

    6. - É entendimento unânime da Jurisprudência que, para que o lesado possa beneficiar do prazo prescricional mais longo previsto na lei penal, não é necessária a apresentação da respectiva queixa--crime.

    7. - Toda a actuação do Recorrido nos contactos que estabeleceu ao longo de cerca de um ano com responsáveis da Portway, demonstram a prática de um conduta infraccionária única e continuada, o que faz com que o prazo de um ano para a verificação da prescrição só começasse a correr a partir da data da prática do último facto.

    8. - Ora, o apuramento da dimensão, gravidade e grau de envolvimento do Recorrido nesses factos, bem como de outros que poderiam estar em causa, era necessário para decidir fundamentalmente pela instauração do processo disciplinar ou não.

    9. - A informação prestada pela testemunha CC a fls. 3 e 4 não junta quaisquer prints dos e-mails, referindo-se apenas, nessa data, o aviso efectuado pela empresa Megasis que existiriam tais e-mails.

    10. - Foi esta informação que determinou a instauração do processo prévio de inquérito que permitiu, pela cópia dos ficheiros do computador, visualizar e imprimir os e-mails em questão, circunstância essa que permitiu, a posteriori, decidir, e bem, pela instauração do processo disciplinar.

    11. - A lei não prevê qualquer prazo para a conclusão do inquérito, mas este não só foi diligentemente conduzido, como também se mostrou essencial à decisão de instaurar o próprio processo disciplinar (despacho datado de 9 de Setembro de 2005, a fls. 2 do processo disciplinar), sendo certo que tal conclusão se retira igualmente do facto de, nessa mesma data, se ter dado a conhecer ao Recorrido a instauração do processo e da sua suspensão preventiva.

    12. - A admitir, como faz o Acórdão em crise, que não existiu processo prévio de inquérito, designadamente porque não houve decisão da Administração sobre a comunicação efectuada pelo Secretário Geral em 4 de Agosto de 2005, não fica igualmente provado que o Administrador Delegado da Recorrente (titular do poder disciplinar) tenha tido conhecimento dos factos praticados pelo Recorrido antes de dia 9 de Setembro de 2005 (através do despacho que ordena a instauração do processo disciplinar).

    13. - É que, não só o Secretário-Geral não tinha poder disciplinar como, de qualquer forma, o conhecimento que tinha de alguns factos a 4 de Agosto de 2005 era meramente indiciário.

    14. - A comunicação da nota de culpa ao Recorrido ocorreu no dia 7 de Outubro de 2005, interrompeu a contagem do prazo estabelecido no artigo 372.º do Código do Trabalho (artigo 411.º, n.º 4, do Código do Trabalho).

    15. - Desta forma, foi integralmente cumprido o prazo para o exercício do procedimento disciplinar previsto no artigo 372.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

    16. - A lei não exige que a intenção de proceder ao despedimento tenha de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT