Acórdão nº 628/09.3YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A mora nos termos do art. 804.º, n.º 1, do CC, apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e não lhe confere o direito à resolução do contrato; no caso de contrato-promessa de compra e venda, em que tenha havido lugar à constituição de sinal, só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art. 442.º, n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora, porquanto nada justifica que se excepcione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos.

II - O prazo fixado para a execução de um contrato – incluindo o prazo para a celebração do contrato prometido –, pode ter a natureza de prazo absoluto ou de prazo relativo: a) sendo absoluto – o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação, de modo que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor –, decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa; b) sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória.

III - A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato.

IV - Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa verifica-se nas três hipóteses seguintes: a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta; c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato.

V - A lei admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato, quando ocorra certo e determinado facto (v.g.

não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação). A esta estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa.

VI - Em termos de culpa, importa ter em consideração a presunção prevista no art. 799.º, n.º 2, do CC, em conjugação com o art. 487.º, n.º 2, presunção essa que se aplica à culpa na impossibilidade do cumprimento.

VII - Quem se assume como promitente-vendedor de fracção a construir, recebendo do promitente-comprador um sinal, terá de prever toda uma série de diligencias de natureza burocrática e eventuais obstáculos administrativos e, em relação a eles, precaver-se atempadamente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Na 17.ª Vara Cível de Lisboa, AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma comum, com processo ordinário, contra “BB Investimento Imobiliário S.A” e “Imobiliária CC, S.A”, pedindo que: a) seja declarado definitivamente incumprido o contrato de promessa celebrado entre Autor e Rés, a 28 de Setembro de 2001, por incumprimento culposo destas; b) sejam as Rés condenadas a pagar ao Autor a quantia de € 48.483,16, correspondente ao dobro dos sinais e reforços liquidados durante a vigência contratual.

Para tanto, alegou, em síntese, que: A 28 de Setembro de 2001, foi celebrado entre o Autor como promitente--comprador e as Rés como promitentes-vendedoras um contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma que viesse a corresponder ao apartamento do tipo T1, provisoriamente indicado por 1.º A, correspondente ao primeiro piso do lote 1, de uma urbanização multi-familiar sita no Montijo, que constaria no processo de loteamento n.º I – 35/99.

De acordo com tal contrato o preço de venda da fracção era de 10.800.000$00, correspondendo, actualmente, a € 53.870,17.

O pagamento seria concretizado da seguinte forma: – 540.000$00 (€ 2.693,51) seriam entregues na data da assinatura do contrato-promessa; – 540.000$00 (€ 2.693,51) seriam pagos, a título de reforço de sinal, no prazo de 90 dias a contar da data da aludida assinatura; – 3.780.000$00 (€ 18.854,56), seriam pagos a título de novo reforço de sinal, no prazo de 180 dias a contar da aludida assinatura; – o remanescente seria pago na data da escritura.

O Autor efectuou o pagamento das quantias, a título de sinal e reforço de sinal.

De acordo com a cláusula 2.ª das Condições Gerais do contrato, a escritura pública de compra e venda seria celebrada em dia, hora e Cartório Notarial a designar pelo Primeiro Outorgante (as RR.), até ao termo do prazo de 30 meses após a data da respectiva assinatura, obrigando-se o Primeiro Outorgante a avisar o Segundo (o A.), por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 8 dias da data designada.

Caso tal não sucedesse, estipulava-se no referido acordo, designadamente na Cláusula 3.ª, o direito de resolução conferido ao Segundo Outorgante, se a escritura não fosse realizada no prazo de 180 (cento e oitenta) dias subsequentes à referida interpelação.

Quase dois anos depois da assinatura do contrato-promessa, o Autor apercebeu-se de que o local onde seria implantado o previsto lote 1 continuava como mero e singelo terreno.

Na sequência de requerimento do A, a Câmara Municipal do Montijo certificou, em 15 de Outubro de 2003, que não tinha sido aprovado qualquer projecto de arquitectura, nem fora atribuído qualquer alvará, nem concedidas quaisquer licenças de construção e que o terreno nem sequer se encontrava dividido em lotes. Visto terem sido ultrapassados os 30 meses após a assinatura do contrato-promessa e sendo impossível às Rés, no prazo de seis meses, celebrarem uma escritura pública de uma fracção que não existe, conclui o Autor que há incumprimento definitivo do contrato por parte das Rés.

Citadas regularmente, as Rés contestaram.

A Ré “BB Investimento Imobiliário S.A”, alegou, em resumo, que: Interveio no contrato-promessa de compra e venda, como promitente--vendedora, em virtude de a co-Ré “CC” ter celebrado consigo, em 12 de Março de 2001, um contrato-promessa de permuta, no qual lhe foi assegurado que a “CC” era a única dona e legítima proprietária das urbanizações identificadas no art. 39 da contestação e no qual se prometia que, após a emissão de cada uma das licenças de construção, a “CC” transmitiria para a “BB” os lotes de terreno e esta ficaria com a obrigação de entregar parte das fracções autónomas por si construídas.

A “BB” ficou convencida de que a “CC” era dona da urbanização Corte do Leite, com loteamento aprovado através do processo I – 35/99. Contudo, depois de 28 de Setembro de 2001, veio a saber que, afinal, não era dona de tal urbanização, nem existia qualquer loteamento aprovado, pelo que, ao assinar o contrato-promessa de compra e venda com o Autor, estava em erro sobre o objecto do negócio, erro qualificado pelo dolo da co-R. “CC”, que agiu com intenção de induzir o A. e a R. contestante em erro.

Conclui pela anulabilidade do contrato e pela improcedência da acção contra si, defendendo que a acção deve apenas proceder contra a co-R.

A Ré “Imobiliária CC, S.A” alegou, em síntese, que: Ficou acordado o prazo de trinta meses para a celebração da escritura, prazo que terminaria em 28.03.2004.

Não tendo sido celebrada a escritura, tinha o A. 180 dias para proceder à interpelação das Rés para esse fim, o que nunca aconteceu, pelo que inexiste incumprimento definitivo.

Por outro lado, à data da propositura da acção ainda não havia decorrido o prazo de trinta e seis meses, findo o qual, sem que a escritura se realizasse, por causa imputável às RR, se consideraria haver incumprimento.

Em 17 de Fevereiro de 2003, entre as Rés foi assinado um aditamento ao contrato-promessa de permuta, celebrado em 12 de Março de 2001, no qual ambas acordaram excluir a Urbanização denominada Corte do Leite do âmbito daquele contrato-promessa.

A Ré “BB” obrigou-se a fazer todas as diligências necessárias à resolução dos contratos-promessa de compra e venda relativos às fracções que deveriam ser construídas nas urbanizações Corte do Leite e Nossa Senhora da Atalaia, nessa data já celebrados, ou à alteração do seu objecto para as fracções autónomas dos prédios sitos na Urbanização Alto das Vinhas Grandes.

Replicou o A., pugnando pela improcedência das excepções, concluindo como na petição inicial e pedindo a condenação das RR. como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho saneador, seleccionada a matéria assente e elaborada a base instrutória.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, na qual se concluiu o seguinte: «

  1. Declara-se definitivamente incumprido o contrato-promessa celebrado entre Autor AA e Rés “BB Investimento Imobiliário S.A” e “Imobiliária CC, S.A“, em 28 de Setembro de 2001, por incumprimento culposo destas e b) Condena-se as Rés “BB Investimento Imobiliário S.A” e “Imobiliária CC, S.A” a pagar ao Autor AA a quantia de € 48.483,16 (quarenta e oito mil quatrocentos e oitenta e três e dezasseis cêntimos), correspondente ao dobro do sinal e reforços prestados».

    Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré “BB Investimento Imobiliário, S.A.”, sem êxito, já que a Relação julgou improcedente a apelação, mantendo, embora com fundamentação não totalmente coincidente, o decidido na sentença.

    De tal acórdão veio a R. BB interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.

    Apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: 1. A decisão do Tribunal a quo encontra-se inquinada por um erro de...

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