Acórdão nº 39/06.2TCFUN.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA VASCONCELOS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I) - Por ausência do “animus”, não são havidos como possuidores mas apenas como detentores “os que simplesmente aproveitam da tolerância do titular do direito” – alínea b) do artigo 1253º do Código Civil.

II) - O facto de um proprietário de um prédio ter concedido a anuência para a construção de um alpendre no prédio vizinho sem o intervalo legal, não tem como consequência imediata que tenha que se considerar o proprietário desse prédio mero detentor, por tolerância e, por isso, impossibilitada de adquirir um servidão de vistas por usucapião; III) - Para se considerar tal anuência como um acto de mera tolerância era necessário que se tivesse demonstrado que com aquela anuência aquele proprietário não tinha concedido a este último o direito de manter o alpendre em condições de se poder ver e devassar o seu prédio.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 06.01.10, nas Varas Mistas do Funchal, AAmoveu acção declarativa, sob a forma ordinária, contra BB e mulher, CC pedindo que • fosse declarada constituída sobre o prédio dos Réus e a favor do seu prédio uma servidão de vistas e, em consequência, fossem os Réus condenados a absterem-se de ofender o exercício de actos de fruição resultantes de tal direito; • fosse ordenada a demolição das obras mandadas fazer pelos Réus lesivas de vistas adquiridas; • fossem os Réus condenados a pagar-lhe os prejuízos causados com a execução de tais obras, no valor que se vier a apurar em peritagem a requerer; • fossem os Réus condenados a pagar-lhe a importância de 2 500, 00 euros, a título de danos não patrimoniais ou morais, causados em consequência da violação do seu direito alegando em resumo, que - é proprietária de um prédio urbano que confina a Norte com o prédio dos Réus; - desde 1982, dada em que a sua moradia foi construída, usufrui de uma vista para o lado Norte, sobre o prédio dos Réus, para o lado Nascente e parte do lado Sul, situação que se manteve até 2004; - data em que, após terem comprado o seu prédio, em 2003, os Réus começaram a fazer obras; - as obras efectuadas pelos Réus, nomeadamente na partilha com o seu prédio, consistiram num muro com cerca de dois metros e trinta de altura, que tapou a sua vista na totalidade para o lado Norte e parte da vista para o lado Nascente; - e cuja execução implicou a violação da sua propriedade, bem como a remoção de uma caleira do seu prédio e de algumas telhas, que originaram, com as chuvas, inundações no seu prédio, que lhe causaram danos materiais; - a situação em causa têm-lhe causado danos morais.

Contestando e também resumo, os réus alegaram que - a Autora lhes deu autorização para a realização das obras por si executadas; - a Autora recusou-se a que reparassem a sua casa, em consequência dos necessários estragos que causaram com a execução da sua obra; - a Autora não possui qualquer alpendre e que nunca lhe foi dada possibilidade de usufruir das vistas.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 08.06.20, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, pela seguinte forma: “- declarar constituída sobre o prédio dos Réus BB e mulher, CC, identificado em B) dos factos provados, e a favor do prédio da Autora AA, identificado em A) dos factos provados, uma servidão de vistas, materializada no alpendre referido em L) e M) dos factos provados, e, consequentemente, condenou os referidos Réus a absterem-se de ofender o exercício de actos de fruição resultantes de tal servidão de vistas; - ordenar a demolição das obras efectuadas pelos Réus BB e mulher, CC, no seu prédio, identificado em B) dos factos provados, na parte em que impede as vistas do alpendre existente no prédio da Autora AA e em toda a extensão daquele; - condenar os Réus BB e mulher, CC, a pagar à Autora AA uma indemnização pelos prejuízos materiais causados no prédio desta, com a execução das obras levadas a cabo pelos primeiros no seu prédio, junto ao muro de partilha, cujo valor deverá ser fixado em execução de sentença; - absolver os Réus BB e mulher, CC, do pedido formulado pela Autora AA quanto ao pagamento de uma indemnização no valor de 2 500, 00 euros por danos morais”.

Os réus apelaram, sem êxito, pois a Relação de Lisboa, por acórdão de 09.06.23, confirmou a decisão recorrida.

Novamente inconformados, os réus deduziram a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões Tendo em conta que - o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil; - nos recursos se apreciam questões e não razões; - os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido são os seguintes os temas das questões propostas para resolução: A) - Posse B) – Abuso de direito C) – Novo prazo para usucapião D) – Prejuízos.

Os factos São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

  1. Em 3 de Agosto de 1979, por escritura lavrada no 1° Cartório da extinta Secretaria Notarial do Funchal, exarada a folhas 67-V, do livro de notas para nº 179B, DD, casado no regime da comunhão geral com AA, ora Autora, comprou a EE e mulher FF, o prédio constituído por uma porção de terreno destinado a construção urbana, com a área de 762 m2, localizado ao Sítio da ........, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, actualmente correspondente ao prédio urbano localizado ao Caminho do ............, nº ..., Sítio da Nazaré, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, com 119,5 m2 de superfície coberta e 642,5 m2 de logradouro, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 3544 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 48943, a folhas 144 do livro B-145 (al. A) dos factos assentes).

    B)Os Réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, com a área total de 784 m2, sendo 195 m2 de área coberta e 589 m2 de área logradouro, localizado ao Sítio da Nazaré, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 3 413º e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 000000000, onde se encontra registado a favor daqueles pela inscrição 0000000000-AP.4 (al. B) dos factos assentes).

  2. O prédio dos Réus confina a norte com o prédio da Autora e do seu marido (al. C) dos factos assentes).

  3. Em 14 de Fevereiro de 2005, faleceu DD, marido de AA, ora Autora, deixando como únicos herdeiros por direito de sucessão legítima, o cônjuge sobrevivo, a quem, por testamento, legou o usufruto de todos os seus bens, direitos e acções, e um filho de nome DD (al. D) dos factos assentes).

  4. A Autora é cabeça-de-casal da herança deixada por óbito de seu marido DD (al. E) dos factos assentes).

  5. A Autora é septuagenária, viúva, e vive só...

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