Acórdão nº 1906/05.6TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Tratando-se de um contrato de trabalho sem estipulação de termo, no qual se estipularam concretamente as funções a desempenhar pelo autor e se consagrou o local onde tais funções iriam ser levadas a efeito, a interpretação das suas cláusulas, no caso a referente ao local de trabalho, tem de ser feita de harmonia com a estipulação constante da mesma, segundo o padrão de um homem normal e médio, dispondo dos elementos de interpretação que o declaratário dispõe e fazendo valer o pretendido sentido dedutível a conferir e essa estipulação.

II - Não obsta à referida interpretação a circunstância, decorrente da realidade, da ré se dedicar à feitura de obras de construção civil, as quais, por natureza, têm cariz temporário, uma vez que no contrato se estabeleceu, em concreto, o lugar onde o autor deveria desempenhar as suas funções.

III - Também não se pode afirmar como sendo o intento da ré o de, tendo em atenção a sua actividade, fixar um local de trabalho como sendo o primeiro local onde o autor iria começar a exercer as suas funções e que, após a conclusão da obra que estava em curso aquando da firmação do contrato, pudesse ser deslocado para qualquer outro ponto do território nacional consoante as obras que lhe fossem adjudicadas ou fossem adjudicadas a suas consorciadas, quando tal intento não se revela inequívoco no conteúdo contratual concreto.

IV - A equivocidade resultante do modo como ficou consagrada a estipulação sobre o local de trabalho haveria de impor à ré uma elucidação do autor no sentido de a «deslocação» que se veio a prever no n.º 2 da cláusula 3ª do contrato em concreto ser perfeitamente entendível como inculcando, sem grandes considerações dubitativas, que implicava a transferência do local indicado no seu n.º1, sentido esse que também não resulta para um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, tal como ele, fictamente, é querido pelo artº 236.º do Código Civil.

V - Assim, não é de censurar a decisão de que do negócio jurídico-laboral celebrado entre o autor e a ré não resultava a estipulação de um qualquer local de trabalho a determinar livremente pela ré, ainda que pautado pelas suas necessidades operacionais e a consequente afirmação de que a ordem transmitida pela ré ao autor - que até aí desenvolvia as suas funções em Ourique -, para se passar a apresentar nos Açores, é violadora da garantia consagrada na alínea e) do n.º 1 do artº 21.º da LCCT.

VI - Não se pode afirmar a anuência do autor a que o seu local de trabalho passasse a ser na Ilha Graciosa, quando, não obstante o mesmo se ter aí apresentado durante curto período de tempo, solicitou, por várias vezes, esclarecimentos à ré sobre o motivo dessa deslocação e desde sempre considerou que a sua ida a esse ponto do território se fundava na mera prestação de serviço de assessoria e assistência técnica de carácter temporário e com limitação temporal.

VII - Também não se pode considerar que essa determinação da ré ao autor no sentido de se apresentar na Ilha Graciosa tivesse um carácter meramente temporário e ancorado num mero exercício do jus variandi daquela, quando nunca referiu ao autor que a deslocação fosse transitória ou meramente temporária, e quando toda a correspondência trocada, entre eles, evidencia que a deslocação do autor para os Açores foi determinada em termos de definitividade, tanto mais que na nota de culpa que deu origem ao despedimento do autor, por desobediência e faltas ao serviço, a ré parte do pressuposto que o local de trabalho daquele era na Ilha Graciosa, há mais de dois anos.

VIII - Na transferência do local de trabalho, o prejuízo sério decorrente para o trabalhador deve ser entendido no sentido de dano relevante, com alteração substancial das suas condições de vida, que poderá reflectir-se em aspectos de natureza pessoal, profissional, familiar e económica, não estando em causa apenas prejuízos patrimoniais ou profissionais.

IX - É de afirmar o prejuízo sério para o autor decorrente da sua transferência para a Ilha Graciosa quando está demonstrado que o mesmo sofre de diabetes; que foi declarado medicamente que era mister que o mesmo tivesse apoio familiar e não alterasse a sua rotina diária; que é casado; tem filhos e vive com a família nos arredores de Lisboa, pois essa deslocação iria repercutir-se acentuadamente na sua normal convivência com a família e causar-lhe abalos sérios na expectativa de uma manutenção de vida num determinado local, expectativa essa que não poderá deixar de considerar-se como tutelável.

X - Deste modo, é ilícita a ordem de transferência emanada pela ré, por não acordada entre as partes, não justificada ao abrigo do jus variandi e por causar prejuízos sérios para o trabalhador.

XI - Sendo essa ordem ilícita, poderia o autor não a acatar e, ao prosseguir o não acatamento da mesma, não incorreu o mesmo, por acção ou omissão, em qualquer violação dos seus deveres como trabalhador, sejam eles os resultantes do concreto negócio jurídico-laboral celebrado com a ré, sejam eles os que derivam da normação regente das relações de trabalho (art. 121.º, n.º 1, al. d) do CT).

XII - Por isso, as imputações efectuadas ao autor pela ré na nota de culpa e respectiva subsunção não podem ser consideradas como subsistentes, em razão do que é de ter como ilícito o despedimento de que aquele foi alvo.

XIII - A indemnização a conferir derivada da ilicitude do despedimento deve ser calculada entre trinta e sessenta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, não sendo de considerar exagerada a sua fixação em 50 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo à curta duração do contrato e a que o autor auferia uma retribuição que se situava num patamar elevado, vindo o autor, pelo despedimento, a ficar desprovido de uma fonte de rendimento que lhe permitia desenvolver um trem de vida que, sem esse rendimento, não poderia futuramente operar.

XIV - Os incómodos e sentimentos negativos sofridos pelo autor, decorrentes da ordem ilícita da ré de o transferir para os Açores e da persistência da mesma nessa determinação por mais de dois anos, são passíveis de serem compensados com uma quantia monetária que lhe proporcione a obtenção de prazeres ou gostos que sirvam de mitigação àqueles incómodos e sentimentos.

Decisão Texto Integral: I 1.

No 5º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa instaurou o Engº AA contra T... – Sociedade de Empreitadas, S.A.

, acção de processo comum, solicitando que fosse declarada a ilicitude do despedimento de que ele, autor, foi alvo, que fosse declarada abusiva essa sanção, consequenciando, por isso, a atribuição da indemnização máxima a que se reporta o nº 4 do artº 439º do Código do Trabalho, e que fosse a ré condenada a pagar-lhe as diferenças salariais e retribuições vencidas, no montante global de € 11.954, bem como as retribuições vincendas desde a propositura da acção e até ao trânsito em julgado da sentença, além de juros, e € 7.500, a título de danos não patrimoniais.

Em síntese, invocou que: – – o autor entrou ao serviço da ré em 10 de Abril de 2000, a fim de prestar funções de responsável pelas obras relativas à designada auto-estrada do Sul e desempenhar as inerentes ao normal exercício de um licenciado em engenharia civil numa empresa de obras públicas de grande dimensão; – no contrato de trabalho firmado foi estabelecida uma cláusula terceira, de acordo com a qual o local de trabalho foi definido como sendo as instalações da ré em Ourique e as instalações de apoio à construção da obra geral e das obras de arte do lote B do sublanço Aljustrel-Castro Verde da auto-estrada do Sul, aceitando o autor as movimentações que fossem determinadas pelas necessidades operacionais da ré e fossem compatíveis com a sua qualificação profissional, estipulando-se, ainda, que o autor deveria, se e quando necessário, deslocar-se às Ilhas Adjacentes para prestar assessoria técnica às empresas da ré, T... Madeira, Ldª e T... Açores, Ldª; – uma vez terminados os trabalhos na auto-estrada do Sul, a ré comunicou ao autor que, tendo-se extinguido o trabalho naquela obra, deveria apresentar-se, a partir de 14 de Outubro de 2002, na T... Açores, Ldª; – perante essa comunicação, o autor, porque entendeu que a determinação da ré consubstanciava uma transferência de local de trabalho sem qualquer duração, e não o exercício da faculdade estipulada na aludida cláusula terceira do contrato, não se deslocou para os Açores, além do mais porque ficou doente no dia 11 de Outubro de 2002, vindo a transmitir à ré aquele seu entendimento; – ainda assim, o autor, por mera cautela, deslocou-se aos Açores entre 14 e 21 de Dezembro de 2002, ficando novamente incapacitado, por doença prolongada, o que só lhe permitiu o regresso ao serviço naquela Região Autónoma nos períodos de 7 de Agosto a 1 de Outubro de 2003 e 1 de Abril e 31 de Agosto de 2004, incluindo-se nesses períodos o gozo de férias e ausências justificadas, sendo que, em 1 de Setembro de 2004, o autor entrou de «baixa médica» até 19 de Dezembro de 2004, tendo-se, no sequente dia, apresentado ao serviço na sede da ré, em Porto Salvo; – o autor sempre comunicou à ré o seu entendimento de que a determinação para se apresentar ao serviço nos Açores se traduzia numa transferência ilegal; – tendo a ré interpretado as não comparências do autor ao serviço na Região Autónoma dos Açores como faltas injustificadas, veio a despedi-lo, do que o autor teve conhecimento em 31 de Janeiro de 2005; – esse despedimento é ilícito, uma vez que da cláusula contratual em causa não decorria o direito da ré a transferir o autor, com carácter tendencialmente definitivo, para os Açores, após finalizados os trabalhos na auto-estrada do Sul, não podendo ser confundidas as noções de deslocação e transferência; – o autor, tendo o direito de exigir que lhe fosse...

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