Acórdão nº 680/07.6GCBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, ao permitirem a audição e a recolha da palavra das pessoas escutadas, não constituem depoimento indirecto, tal qual se encontra previsto e regulado no artigo 129.º do CPP, pelo que a valoração daquele meio de prova, genericamente, não está dependente da audição das pessoas escutadas no contraditório.

II - A invalidade resultante da omissão de diligência de prova essencial para a descoberta da verdade, ao constituir uma nulidade da audiência e não da sentença, deve ser arguida até ao encerramento da audiência, conforme estabelece o art. 120.º, n.º 2, al. d), e n.º 3, al. a), donde não tendo sido oportuna e tempestivamente arguida, dever-se-á ter por sanada.

III - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º, do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – artigo 412º, n.º 3, alíneas a) e b).

IV - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.

V - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação das já proferidas, sendo certo que, no exercício dessa tarefa, o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, razão pela qual se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico efectuado pelo tribunal recorrido.

VI - No nosso ordenamento jurídico-penal, a sindicação da decisão sobre a matéria de facto, processa-se em um só grau de recurso, sendo para tal competente a Relação – art. 428.º –, instância que, no caso vertente, foi chamada a exercer essa actividade.

VII - Destarte, não podendo este Supremo Tribunal sindicar as decisões proferidas pelas instâncias em sede de matéria de facto, é evidente estar-lhe vedado verificar se as instâncias valoraram, apreciaram e interpretaram correctamente a prova, com respeito pelos princípios constitucionais e de processo penal, designadamente segundo os princípios da livre apreciação, da presunção de inocência, da procura da verdade material e da legalidade.

VIII - Quanto ao princípio in dubio pro reo, na mesma linha de pensamento, certo é que o STJ, enquanto tribunal de recurso, só pode aferir da eventual violação daquele princípio quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, visto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto IX - O nosso legislador penal não adoptou o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto, desde a absorção – aplicação da pena mais grave – ao cúmulo material, passando pela exasperação.

X - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo supra identificado da Vara de Competência Mista de Braga foram condenados: AA, na pena conjunta de 22 anos de prisão, pela prática dos crimes de homicídio qualificado (19 anos de prisão), roubo agravado (6 anos de prisão) e sequestro (1 ano e 6 meses de prisão); BB, na pena conjunta de 18 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos crimes de homicídio qualificado (17 anos de prisão), roubo agravado (4 anos e 6 meses de prisão) e sequestro (1 ano e 3 meses de prisão).

Na sequência de recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães pelos dois arguidos, visando o reexame da matéria de facto e da matéria de direito, foi aquela decisão confirmada.

Recorrerem agora os arguidos para este Supremo Tribunal.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada: 1. Os recursos não passam de expedientes consagrados na lei e erigidos em ordem a reagir eficazmente perante as decisões desconformes com a mesma lei e os princípios estruturais e enformantes da própria comunidade, perfilando-se assim como garantias de defesa e de protecção de interesses em confronto, e em que é mister referenciar, na área do direito criminal, os interesses do próprio Estado na perseguição e punição do crime, e os dos particulares em assegurarem um processo justo, sem atropelo dos seus direitos de cidadão e de pessoa humana; 2. Ora, não foi o que aconteceu nos presentes autos. Desde logo e como foi suscitado em sede de recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, foram violados, no douto Acórdão condenatório, uma série de princípios, nomeadamente os princípios da presunção de inocência, da verdade material, da legalidade e da livre apreciação da prova; 3. No tocante ao princípio da livre apreciação da prova, o mesmo não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever o dever de perseguir a chamada «verdade material», o que não aconteceu no caso dos autos –, de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo –cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 202-203; 4. Em idênticos termos aos acima consignados também a livre apreciação da prova está sujeita ao controlo do tribunal de recurso, ainda que este conheça somente de direito, sempre que a violação do princípio da objectividade for evidente, sem necessidade de outras indagações probatórias; 5. O Tribunal a quo e posteriormente o Tribunal da Relação ao convalidar a conduta do Tribunal de primeira instância violou o princípio da presunção da inocência, o princípio da verdade material, o princípio da legalidade e o dever de imparcialidade, com graves prejuízos para as garantias de defesa constitucionalmente garantidas; 6. A convicção em que assentou a decisão não foi adquirida, como devia, através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objectivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, no máximo respeito pelo princípio da presunção da inocência e da verdade material, evitando a formulação de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação, ou não, de um facto ou do próprio crime; 7. A verdade não poderá sair ou resultar da mera convicção, mas antes da certeza jurídica alicerçada em provas irrefutáveis da autoria do crime e da própria verificação do mesmo (crime). Não há questões morais, éticas ou de realização de justiça e de repressão do crime, que permita restringir ou comprimir, como se comprimiu neste processo, as garantias do processo criminal e os mais elementares dos direitos deste cidadão, constitucionalmente garantidos, e violar-se, como se violou, o princípio da legalidade, e da presunção da inocência e da verdade material. Tudo para que, alegadamente, na convicção do Tribunal a quo, este "crime" hediondo não ficasse impune ou para que, alegadamente, este crime não deixe de ter responsáveis ou autores; 8. Quando assim é, como foi, salvo o devido respeito, o caso dos autos, a Justiça não se realiza e permite-se que campeie o erro judiciário e os mais primários e bárbaros sentimentos de (alegada) justiça e permite-se que estes se sobreponham ao ordenamento jurídico e ao Estado de Direito; 9. E ao fazê-lo estamos a abrir a "caixa de pandora" que permitirá todos os atropelos desde que alegadamente norteados por fins alegadamente "legítimos" de repressão e de eliminação da impunidade. Os fins nunca podem justificar os meios, mesmo que se esteja convicto, como está o Tribunal a quo, da culpa dos arguidos; 10. Para o Tribunal ad quem, o Tribunal a quo no seu "o acórdão refere, com abundância de pormenores, provas que indicam que após as 18 horas do dia 14 de Julho de 2007 os arguidos acompanharam a vítima CC no carro deste, sendo que não era o CC que o conduzia (testemunhas DD e EE); o FF viu que um dos indivíduos que seguia no banco traseiro "tinha sangue na face e que a outra pessoa estava a segurá-lo e a puxar-lhe a cabeça para baixo". Isso desmente a versão dos arguidos de que quando deixaram a vítima...

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