Acórdão nº 577/04.1TVLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A acção de petição da herança a que se refere o art. 2075.° do CC pode ser proposta por um só herdeiro - art. 2078.° do CC - sem que o demandado possa opor ao demandante que os bens não lhe pertencem por inteiro.

II - Essencial na petição de herança é o duplo fim que visa: por um lado, o reconhecimento judicial do título ou estatuto de herdeiro que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro.

III - A acção de petição da herança tem, como pedido principal, o reconhecimento judicial da qualidade sucessória do herdeiro; diversamente, a acção de reivindicação tem como pedido principal o reconhecimento do direito de propriedade; ainda assim, em ambas as acções, a pretensão da restituição da coisa é um pedido derivado daqueles pedidos principais IV - Daí que, antes da partilha, o herdeiro use a acção de petição de herança; partilhada a herança, quem quiser pedir a restituição de um bem que herdou há-de usar a reivindicação, porque então é já proprietário.

V - Embora o direito à herança não prescreva, o exercício do direito de petição da herança, com vista à restituição ou entrega de bens hereditários, pode, como acontece com o direito de propriedade na reivindicação, soçobrar perante a usucapião invocada pelo demandado.

VI - Esta invocação da usucapião, para produzir os seus efeitos, pode ser implícita ou tácita, desde que se aleguem os factos e os requisitos que revelem inequivocamente a intenção de nela se fundamentar o pretendido direito de propriedade.

VII - A usucapião vive de dois elementos nucleares: posse e decurso do tempo.

VIII - A posse boa para usucapião há-de ser, pelo menos, pública e pacífica; a posse violenta ou tomada a ocultas não merece a tutela do direito, antes sofre a sua reprovação.

IX - Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados, isto é, por todos quantos, face ao circunstancialismo concreto envolvente, são directa ou indirectamente afectados pelo exercício do corpus possessório; não é necessário, contudo, que a posse seja exercida à vista dos interessados, mas que o seja de forma a poder ser deles conhecida.

X - A partilha não converte em titulada uma posse que o não era: o inventário e a partilha não são negócios translativos, pois falta neles o transmitente de que fala o art. 1259.º, n.º 1, do CC.

XI - Não sendo titulada a posse do réu, presume-se de má fé, presunção esta que é ilidível.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I.

A ASSOCIAÇÃO PROMOTORA DO ENSINO DOS CEGOS, instituição particular de solidariedade social, intentou contra INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, ISSS, pessoa colectiva de direito público, acção sob a forma ordinária, pedindo: - Se reconheça a autora como herdeira testamentária de D. AA e não o Instituto de Solidariedade e Segurança Social - ISSS e seus antecessores, declarando-se sem efeito a atribuição dessa qualidade ao CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE LISBOA, feita no processo de inventário nº 836/81 da 2ª Secção do 4° Juízo cível de Lisboa; - Sejam restituídos pelo réu os bens que, naquele processo, foram adjudicados ao «Instituto BB», como integrado no «Centro de Educação Especial de Lisboa», posteriormente integrado no «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa»; - Seja o réu condenado a restituir à autora os rendimentos ou rendas correspondentes àqueles direitos, desde o início da sua posse (22.05.1984); - Seja ordenado o cancelamento da inscrição de transmissão «G000000000000-AP 14 de 1992 da 5ª CRP de Lisboa, na parte em que os 6% do prédio da C....... do T..... estão registados a favor do «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa» e ordenado que, por averbamento, aquele direito fique registado em nome e a favor da autora; - Seja ordenado o cancelamento das inscrições matriciais respeitantes aos dois prédios na parte em que, quanto ao prédio da Calçada do......., n° ..., está averbado como titular ao direito de 6% dos rendimentos (artigos matriciais 2.154-A a 2.154-1) o «Centro Regional da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e, quanto ao prédio da Rua A..................., em que está averbado como titular dos 12% do direito aos rendimentos (artigo matricial n° 136) o «Instituto BB»; - Que seja ordenado, por averbamento à inscrição matricial, que aquele direito fique em nome e a favor da autora.

Em síntese, alega que foi fundada em 12.03.1888.

Asilo-Escola BB

era a designação do estabelecimento da autora, que, 1967, passou a denominar-se «Instituto BB», continuando sua pertença.

Em 1975, o referido Instituto foi oficializado (DL. 337/75), ficando integrado no «Centro de Educação Especial de Lisboa», que, sua vez, foi integrado no «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa».

O DL. 1236/83, de 21 de Março, transferiu para os Centros Regionais de Segurança Social todos os bens das instituições, estabelecimentos e serviços neles integrados.

O DL. 260/93, de 23.07, extinguiu os Centros Regionais de Segurança Social e criou o «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo».

O DL. 316-A/2000, de 7.12, aprovou os Estatutos do «Instituto de Solidariedade e Segurança Social - ISSS», extinguiu o «Centro Nacional de Pensões» e os «Centros Regionais de Segurança Social» e determinou que fosse transmitido para este o património de que eram titulares aqueles organismos extintos.

Erradamente, fundado em que o «Instituto BB» era um estabelecimento do Estado, integrado na Segurança Social, o Estado, através daqueles seus organismos, desde a publicação do DL. 337/75, tem-se habilitado a heranças e legados deixados à autora, sob a designação, entre outras, de «Asilo de Ceguinhos», «Asilo - Escola BB» e «Instituto BB».

No inventário obrigatório n° 836/81, em que foi inventariada AA, o CRSS de Lisboa habilitou-se e foi julgado habilitado como herdeiro testamentário, sendo-lhe adjudicados direitos imobiliários, que foram deixados à autora.

A composse do réu é de má fé, porquanto não podia ignorar que lesava os direitos da autora.

O réu contestou, dizendo que o pedido judicial de reconhecimento da qualidade de herdeira não poderá afectar uma decisão judicial transitada em julgado, de 09.05.1984, que reconheceu essa qualidade a outra pessoa. O réu entrou na posse dos bens em causa em Maio de 1984, altura do trânsito em julgado da adjudicação dos bens e sempre se comportou como titular do direito de propriedade, tendo já decorrido o prazo da usucapião.

Em reconvenção, pede que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre os bens em causa.

Replicou a autora.

Foi proferido saneador-sentença em que se admitiu o pedido reconvencional, se julgou improcedente a excepção de «caso julgado», se julgou improcedente a acção e se absolveu o réu do pedido, com fundamento em que «não se enquadra no instituto jurídico que é a petição de herança a impugnação duma partilha judicial, pelo facto de ter intervido como herdeiro quem não o era».

Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a decisão recorrida.

Interposto recurso de revista para o STJ, este Supremo Tribunal ordenou que os autos prosseguissem com a fixação da base instrutória e demais termos.

Saneado, decidido e julgado o processo, foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu a autora como herdeira de AA, qualidade que decorre do testamento outorgado pela última, a 23 de Agosto de 1957, no 4° Cartório Notarial de Lisboa, e improcedentes todos os demais pedidos.

Julgou, ainda, procedente a reconvenção e declarou que o réu adquiriu, por usucapião, o direito de propriedade, na proporção de 6%, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na ...........l, n° ..., descrito na 5ª Conservatória do Reg. Predial de Lisboa, sob o n° ......./......,, e o direito de propriedade, na proporção de 12%, do prédio sito na Rua ........... (antiga Rua Casas ...............) n°s ..a ...., em Lisboa, descrito na 3ª CRP sob o n° 0000000000000000.

Inconformada, a autora apelou novamente para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso (só não procedeu na parte em que se invocou a interrupção do prazo da usucapião) e revogou a sentença recorrida na parte em que julgou provada a reconvenção.

Em sua substituição, julgou improcedente o pedido reconvencional e condenou o réu: - a restituir à autora o direito a 6% no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Calçada d..............., freguesia de Benfica, sob a descrição n° 12801 a fol. 70 do Lv. B-37, inscrito na matriz urbana sob os art. 2.154-A a 2.154-1; - a restituir à autora o direito a 12% do prédio urbano, sito na Rua .................. (antiga Rua ..................) nºs....a ....., em Lisboa, freguesia de Belém, descrito na 3a CRP de Lisboa sob a descrição n° 3417, a fol. 58 Lv B-21, inscrito na matriz urbana sob o art. 136 (antigo 209); - condenar o réu a restituir à autora os rendimentos ou rendas correspondentes àqueles direitos, por si recebidos, deduzidos os encargos com as obras por si suportadas nos mesmos prédios, valor a liquidar posteriormente; - ordenou o cancelamento da inscrição de transmissão «G-00000000000 14-AP 14 de 1992 da 5a CRP de Lisboa, na parte em que os 6% do prédio da C....... do T..... estão registados a favor do...

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