Acórdão nº 3129/05.5TVPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Na base da emissão de um cheque ocorrem duas distintas relações jurídicas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque – cf. art. 3.º da LUCH.

II - A emissão de cheques pressupõe a existência no banco sacado de fundos (provisão) de que o sacador ou emitente aí disponha e depende da realização do acordo de contrato ou convenção de cheque, mediante a qual é concedido ao titular da provisão, pelo banco, o direito de dispor de numerário através da emissão de cheques, assumindo o banco a obrigação de efectuar o pagamento do numerário aí inscrito, desde que, evidentemente, o sacador possua, na sua conta bancária, os necessários fundos.

III - Segundo prática bancária usual, o crédito resultante do depósito de um cheque numa conta bancária é provisório, sendo logo assumido como saldo contabilístico, mas não como saldo disponível, só passando a ter esta índole após boa cobrança.

IV - Face à convenção ou contrato de cheque, o banco assume a obrigação de efectuar o pagamento de numerário inscrito no cheque mas, claro, em relação a fundos existentes em conta bancária aberta em qualquer das suas agências.

V - O contrato de depósito bancário é um depósito de coisa fungível, logo irregular, transferindo para o depositário o domínio sobre a coisa concreta depositada, mas mantendo no depositante o direito ao valor genérico correspondente, além do rendimento se for caso disso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA e BB, residentes na rua Dr. Carlos Bacelar, nº ..., freguesia de Esmeriz, concelho de V.N. de Famalicão, propuseram a presente acção com processo ordinário contra F... S.A., com sede social na Rua Júlio Dinis, ..., apartado 4573, 4050 – 323 Porto, CC, casado, residente na Rua Nossa Senhora da Conceição, ..., r/c frt, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia, DD, casada, residente na Rua Nossa Senhora da Conceição, ..., r/c frt, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia e A...F...R...U..., Lda., Sociedade U... por Quotas, com sede na rua Caetano Melo, ..., Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia, pedindo que, seja declarada a anulação dos penhores celebrados em 20/10/2001, 04/12/2002 e 28/10/2003 entre os AA. e os RR., além da própria extinção do penhor celebrado em 20/10/2001, uma vez que a obrigação/divida que tal penhor garante já foi paga, seja anulada a execução do penhor efectuada pelo R. F..., em 28/01/2005, (celebrado em 4/12/2002) sobre a conta de depósitos a prazo nº ..., titulada pelos AA., e do penhor executado em 26/1/2005 (celebrado em 20/10/2001) sobre a conta de depósitos a prazo dos AA. e seja o R. F... condenado no pagamento de uma indemnização de danos morais e patrimoniais aos AA. no montante nunca inferior de 8.000,00 €.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em 20-10-2001, 4-12-2002 e 28-10-2003, assinaram um documento mediante o qual declaram constituir “penhor voluntário” sobre a totalidade dos saldos da Conta de Depósitos a Prazo que possuíam no Banco R., pelos montantes e para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pelos 2ºs RR. (os dois primeiros penhores) e pela sociedade R. (o último dos penhores) junto do R. F..., sendo que desconheciam o objectivo das suas assinaturas em tais documentos e tendo a convicção de que estavam a fazer apenas um favor aos beneficiários desses penhores, já que os 2ºs RR. se limitaram a dizer que se tratava de um documento para os auxiliar nos seus negócios e que não tinha interferência nenhuma no seu património, anuindo a tal solicitação dos 2ºs RR. dadas as relações de confiança e amizade então existentes entre eles, AA., e os 2ºs RR.. Nunca pretenderam dar o penhor das suas contas bancárias, sendo que o gerente do banco R. adoptou, sobre o assunto, uma postura complacente e negligente, permitindo e incentivando ardilosamente que os 2ºs RR. obtivessem a sua colaboração, em benefício para o banco e em seu claro prejuízo e sem cuidar de previamente assegurar se a sua vontade estava convenientemente esclarecida, devendo, por isso, ser anulados os ditos penhores. Acresce que a execução do penhor celebrado em 4-12-2002 e a execução de penhor celebrado a 20-10-2001, foram efectuadas ilegalmente, porquanto, a 3-9-2004, mediante um cheque de 97.740,48 €, os 2ºs RR. procederam ao pagamento das dívidas que tinham para com o R. F.... Este R. procedeu arbitrariamente, em 4-9-2004, ao débito na conta dos 2ºs RR. do exacto valor do cheque anteriormente depositado e creditado, alegando que o mesmo havia sido falsificado, depois do mesmo cheque ter passado pela Câmara de Compensação e de terem sido respeitados os prazos convencionados na lei, o que levou a um “descoberto” autorizado” da conta dos 2ºs RR. e, de seguida, à execução do dito penhor, acabando por causar, com a sua conduta, danos patrimoniais e não patrimoniais de que se querem ver ressarcidos.

O R. F... contestou alegando, em resumo, que os AA. bem sabiam e tinham consciência plena do conteúdo dos documentos por si assinados, justificando-se, legalmente, as operações que efectuou, sendo que o cheque de 97.740,48 € creditado na conta dos 2ºs RR. havia sido falsificado, pelo que acabou por ser devolvido (de França de onde era originário) com essa menção.

Terminou pedindo a improcedência da acção.

Os AA. replicaram, contrariando a defesa apresentada pelo R., pugnando pela procedência da acção..

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu a esta base e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por provada, anulando-se a execução efectuada pelo R. F... em 28-1-2005, pelo penhor celebrado em 4-12-2002, no valor de 25.000,00 €.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. F... de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 3-3-2009, julgado procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a acção.

1-2- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões, que se resumem: 1ª- Subsume-se a questão decidenda apurar-se se o 1º R. provou se houve, ou não, culpa sua na falta de cumprimento ou no cumprimento defeituoso do contrato (art. 799º nº 1 do CC).

  1. - Presumindo-se no caso a culpa do R..

  2. - O risco de integridade do depósito recaiu sobre o banco depositário, não logrando provar que agiu sem culpa e tendo havido incumprimento defeituoso do contrato, que o mesmo se deveu a causa imputável ao depositante.

  3. - O descoberto em conta insere-se numa modalidade de “contrato de abertura de crédito”, o que se traduz num acordo pelo qual o banco se obrigou a conceder à outra parte (os 2ºs RR.) crédito até certo limite, em determinadas condições, cabendo aos 2ºs RR. decidir quando e em que termos o iriam utilizar o benefício posto à sua disposição.

  4. - O contrato de abertura de crédito, tem de se considerar como sendo um depósito bancário.

  5. - Bem andou o tribunal de 1ª instância ao considerar que o substrato contratual (depósito de abertura de crédito) existente entre 1º e 2ºs RR., enquanto contrato de depósito bancário, se encaixa, por essa via, no mútuo.

  6. - Passaram os 2ºs RR., em virtude daquele descoberto de conta, a serem mutuários, impendendo sobre eles a obrigação de restituir ao 1º R. o que dele previamente receber (art. 1142º do C.C.).

  7. - Os 2ºs RR. nada receberam do 1º R., pelo que nada tinham de restituir.

  8. - Os RR. procederam ao depósito em conta do valor de um cheque sacado sobre um banco de praça estrangeira.

  9. - O 1º R. após confirmação da regularidade do saque (que demorou mais de um mês) e da provisão da conta sacada creditou em 1-1-2004 a conta dos 2ºs RR. pelo valor do cheque, 97.740,48 €, passando então a conta à ordem dos 2ºs RR. a apresentar um saldo positivo.

  10. - A partir do momento que o cheque passou a estar disponibilizado na conta dos 2ºs RR., o 1º R., por força do contrato de depósito bancário celebrado, o depositário obrigou-se a restituir “outro tanto do mesmo género e qualidade” (art. 1142º do C.C), o que no caso obrigava a...

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