Acórdão nº 4646/06.5TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - A qualificação de uma relação jurídica como laboral não está dependente do nomem que ao negócio foi aposto no documento que o consubstancia, importando antes atender ao modo como esse negócio veio a ter execução, de acordo com uma prática não minimamente questionada pelas partes, e averiguar se dos termos dessa prática de execução redundam indícios bastantes que era a actividade a desenvolver e não o seu resultado aquilo que era desejado pelas partes e que essa prática se prosseguia perante uma relação de subordinação de quem exercia a actividade perante quem à mesma aproveitava.

II - Assim, a argumentação do empregador esteada nas circunstâncias do epíteto dado ao contrato escrito, das cláusulas nele apostas e da formação da trabalhadora (licenciada em direito) não poderá, por si só, conduzir à conclusão de que, no caso em apreço, não se poderia concluir pela existência de um negócio jurídico de cariz laboral.

III - O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço diferenciam-se, essencialmente, pelo respectivo objecto e pelo relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação quanto ao primeiro ou de autonomia quanto ao segundo, sendo que em dadas situações revestidas de «nebulosidade» que rodeiam negócios jurídicos que têm por objecto a consecução de uma actividade de natureza técnica, se deva, à guisa de último reduto para atingir a qualificação contratual, apreciar qual o relacionamento que se processou entre as partes, de forma a determinar se houve, ou não, uma posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade desenvolvida, com a correlativa posição de subordinação do prestador dessa actividade, que assim a executa perante os ditames de instrução ou orientação da primeira.

IV - A posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade nem sempre se manifesta em cada momento por forma a que todo o desenvolvimento da actividade a prestar constitua uma mera execução de concretas instruções emanadas daquela parte, bastando, para aquilatar da sua existência, a possibilidade de emissão de ordens, instruções, direcção e conformação relativamente àquilo que a outra parte se comprometeu a realizar no âmbito do contrato ou dentro dos limites deste.

V - Num juízo global de apreciação de todos os factos-índices demonstrados no caso concreto, é de qualificar como contrato de trabalho aquele em que a A desenvolvia a sua actividade sujeita a ordens, instruções, directivas e orientações emanadas pelas pessoas com funções directivas de responsabilidade dos organismos do R, subordinação essa não condizente com a prossecução de uma mera actividade em que somente o respectivo resultado avultava para o R, quando este, até para efeitos externos, a considerava como uma “Técnica Superior” de um seu determinado organismo; a encarregava da efectivação de tarefas meramente administrativas; a sujeitava a controlo horário; a indicava para a frequência de acções de formação e cometia-lhe tarefas diferenciadas em organismos também diferenciados.

VI - Naquele juízo global, os indicados factos índices sobrelevam outros que, pelo seu mais diminuto relevo, apontariam para a existência de um contrato de prestação de serviço, como são as circunstâncias de estar demonstrado que a A não recebia subsídio de férias, de o valor da sua retribuição ser acrescido de IVA, de nunca lhe ter sido pago o subsídio de refeição, de o R não fazer descontos para a Segurança Social e de a A apresentar a sua declaração de IRS na qualidade de trabalhadora independente.

VII - A relação contratual estabelecida entre A e R, qualificada de contrato de trabalho e que perdurou de 1 de Fevereiro de 2001 até 16 de Julho de 2006, por não ter sido realizada nos termos do disposto nos art.º 14º, n.º 1 e 43.º, n.º 1 do DL nº 427/89, onde se estabeleceram princípios gerais em matéria de emprego público, de natureza imperativa, está ferida de nulidade.

VIII - A nulidade de um contrato de índole laboral não determina os efeitos que se prescrevem no art.º 289.º, n.º 1 do CC pois, quer nos termos do art.º 15.º da LCCT, quer do art.º 115.º do CT, o contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, incluindo os próprios actos extintivos.

IX - O envio pelo R, em 16 de Maio de 2006, de uma carta a comunicar a “denúncia” do contrato, sendo este qualificado como de trabalho, representa uma ilícita cessação, por não ancorada em qualquer das situações previstas no CT para a caducidade ou para a resolução por iniciativa do empregador, não podendo essa comunicação ser considerada como a invocação da nulidade desse contrato.

X – Neste contexto, pela ilícita cessação do contrato por iniciativa do R., tem a A direito a receber os salários intercalares, calculados desde a data do envio dessa carta e até à data da notificação à A da contestação apresentada nos autos, onde o R, e só aí, invoca a nulidade do contrato.

Decisão Texto Integral: 1.

Pelo 3º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa intentou a Licª AA contra o Estado Português – Ministério da J... –, acção de processo comum, solicitando que fosse declarado ilícito o despedimento que invocou ter sido alvo, que o réu fosse condenado a reintegrar a autora ou, em caso de assim ela optar, que fosse condenado a pagar-lhe a indemnização devida, e fosse ainda condenado a pagar-lhe a quantia global de € 31.263,61 ou de € 20.343,97, consoante não viesse, ou viesse, a haver opção pela reintegração, além dos quantitativos devidos a título de retribuição, férias, subsídios de refeição, de férias e de Natal, além de juros.

Para alicerçar os seus pedidos, invocou, em síntese: – – que exerceu funções de consultoria na área de resolução alternativa de conflitos na Direcção-Geral da Administração Extrajudicial desde 1 de Fevereiro de 2001 até 14 de Julho de 2006, primeiramente na sequência de convites que lhe foram formulados pelo réu em 29 de Dezembro de 2000 e em Junho de 2001 e, depois, na sequência de um contrato que foi denominado de prestação de serviço – avença –, celebrado pelo prazo de seis meses renováveis e com início em 1 de Outubro de 2001; – após sucessivas renovações desse contrato, em 16 de Maio de 2006 foi à autora comunicado pelo réu que tal contrato terminaria em 16 de Julho seguinte; – a autora recebia ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, cumpria um horário de trabalho de sete horas diárias, num total de 35 horas semanais, exercia funções nas instalações do réu, que lhe disponibilizou gabinete, secretária e o material necessário ao seu exercício de funções, tinha e-mail personalizado, extensão telefónica própria, eram-lhe abonadas ajudas de custo nas deslocações que fazia, gozou sempre 22 dias úteis de férias pagas, não obstante não receber o respectivo subsídio, as funções que exerceu correspondiam a necessidades permanentes da Administração Pública, estava integrada na orgânica do réu, exercia o seu trabalho em regime de exclusividade, sendo o vencimento que lhe era pago – € 1.187,13 e, a partir de Janeiro de 2005, € 1.213,26 – a sua única fonte de rendimento; – por isso, o contrato em questão deve ser considerado como um contrato de trabalho e, dadas as suas renovações, deve ser entendido como tendo passado a ser um contrato sem termo; – o réu nunca lhe pagou subsídios de alimentação, férias e de Natal; – a cessação do contrato operada pelo réu deve ser entendida como um despedimento sem justa causa.

Contestou o réu, representado pelo Ministério Público, aduzindo, em súmula que: – – o contrato invocado pela autora não era um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviço na modalidade de avença, nos termos do quadro traçado pelo Decreto-Lei nº 41/84; – ainda que viesse a considerar-se tratar-se de um contrato de trabalho a termo certo, ele não podia conferir à autora a qualidade de agente administrativo ou de funcionário, nos precisos termos do regime instituído pelo Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, bem como nunca se poderia converter em contrato de trabalho sem termo; – de todo o modo, se o contrato em causa foi estabelecido fora dos condicionalismos previstos nos artigos 18º e 20º daquele diploma, então deveria ele ser considerado nulo, idêntica consequência – a da nulidade – advindo se se concluísse que a relação estabelecida entre autora e réu configurava um contrato de trabalho sem termo; – não existia qualquer relação de subordinação entre a autora e o réu, nunca ela tendo estado integrada na estrutura e cadeia hierárquica deste, submetida a horário de trabalho e controlo de assiduidade, interessando ao mesmo réu apenas o resultado da actividade da autora; – foi válida a cessação, operada pelo réu, do contrato em questão.

Respondeu a autora à contestação do réu, sustentando não proceder a nulidade por este invocada, reiterando o que já defendera no petitório e ampliou a causa de pedir, no sentido de, a proceder uma questão de nulidade, esta afectaria, não a nulidade do contrato, mas sim a estipulação do termo Prosseguindo os autos seus termos, com dispensa da selecção da matéria de facto, e a após a autora ter vindo aos autos declarar que optava pela reintegração, foi, em 28 de Abril de 2008, proferida sentença que: – – declarou que entre a autora e o réu foi celebrado um contrato de trabalho nulo, nulidade que operou a partir de 15 de Março de 2007 (data da notificação à autora da contestação do réu, na qual foi feita a invocação da nulidade do contrato); – julgou ilícito o despedimento da autora; – condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 24.689,33, além de juros, a que se deduziriam as importâncias que ela, comprovadamente, tivesse obtido com a cessação do contrato e não teria percebido se não ocorresse o despedimento e, bem assim, as importâncias de subsídio de desemprego que tivesse auferido, devendo estas últimas...

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