Acórdão nº 169/07.3GCBNV.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 400º Nº 1 F), 410º Nº 2, 432º Nº 1 C), 355º Nº 1, 358º; CÓDIGO PENAL: ARTIGOS 72º E 73º; DL 401/82, DE 23-9 Sumário : I - Com a reforma introduzida pela Lei 48/07, de 29-08, o legislador pretendeu, em matéria de recursos, “aliviar a carga” do STJ, acentuando a linha trilhada pela reforma anterior (Lei 59/98, de 25-08), no âmbito da qual se entendia, de forma unânime, que o STJ só conhecia, em recurso, de acórdãos proferidos pelas Relações, que confirmassem decisão condenatória da 1.ª instância, dos crimes, singularmente considerados, cuja pena aplicável fosse superior a 8 anos.

II - Com a reforma introduzida pela Lei 48/07, o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, ao tomar como referência da recorribilidade para o STJ a pena efectivamente aplicada, em vez da pena aplicável, como anteriormente, restringiu substancialmente os casos de recurso para o mais alto tribunal, pois só no caso de ter sido aplicada pena superior a 8 anos de prisão, que tenha sido confirmada pela Relação, se admite recurso para o STJ.

III - Mesmo nos casos de recurso directo do tribunal colectivo para o STJ (art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP), foi restringida significativamente a possibilidade desse recurso, pois, para além da exigência, que vinha já da anterior reforma, de o recurso visar exclusivamente matéria de direito passar a estender-se também ao recurso do tribunal do júri, o pressuposto relativo à pena deixou de referenciar a pena aplicável para passar a referir a pena aplicada.

IV - Deste modo, só serão passíveis de recurso directo para o STJ as decisões do tribunal colectivo ou do júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena superior a 5 anos ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares aplicadas sejam iguais ou inferiores a 5 anos. Neste caso, porém, o recurso será restrito à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e a pena conjunta.

V - Como tem entendido o STJ, em jurisprudência praticamente uniforme, o recurso da matéria de facto, ainda que restrito aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada) tem actualmente (isto é, depois da reforma introduzida pela Lei 59/98, de 25-08) de ser interposto para a Relação, e da decisão desta que sobre tal matéria se pronuncie já não é admissível recurso para o STJ, pelo que se haverão de considerar precludidas todas as razões que foram ou podiam ser invocadas nesse recurso, cuja decisão esgota os poderes de cognição nessa matéria.

VI - É claro que uma tal interpretação é feita sem prejuízo de o STJ conhecer dos citados vícios oficiosamente. Em tal caso, o STJ conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.

VII - Mas se é assim no respeitante aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, muito mais há-de ser num recurso que, sob o manto da invocação daqueles vícios, vise, afinal de contas, a reanálise e reinterpretação da prova produzida, como pretendem os recorrentes, que continuam a fazer deste tribunal uma pura instância de recurso em matéria de facto.

VIII - O mesmo se diga em relação à invocada preterição do princípio in dubio pro reo. O STJ tem entendido que só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou ainda quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, naqueles casos em que se possa constatar que a dúvida só não foi reconhecida em virtude de erro na apreciação da prova, nos termos do art.410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

IX - A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração de prova, pode ser sindicado pelo STJ. Todavia, essa sindicação tem de exercer-se dentro dos limites de cognição desse Tribunal, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja: quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

X - Constitui uma exigência absurda a de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respectiva audiência de julgamento, se se pretender fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal.

XI - Conforme jurisprudência estabilizada do STJ, a exigência do art. 355.º, n.º 1, do CPP prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas em audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes.

XII - Se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal.

XIII - O objecto do processo é a acusação, enquanto descrevendo esse pedaço de vida, esse acontecimento da vida real e social, portador de uma unidade de sentido e, como tal, susceptível de um juízo de subsunção jurídico-penal. Esse é o quid que se tem de manter idêntico até à decisão final (a eadem res), não obstante as mutações que venha a sofrer.

XIV - Para ocorrer uma alteração dos factos é necessário que aos factos constantes da acusação ou da pronúncia outros se acrescentem ou substituam, ou, pelo contrário, se excluam alguns deles. Não ocorre uma alteração dos factos quando o tribunal qualifique de maneira diversa, sem os modificar, os factos descritos na acusação.

XV - A alteração de qualificação jurídica tem de ser comunicada ao arguido nos termos do n.º 1 do art. 358.º do CPP, uma vez que o n.º 3 desse artigo manda aplicar esse regime. Tal comunicação é oficiosa ou efectuada a requerimento e, se o arguido o requerer, é-lhe concedido prazo para preparação da defesa, pelo tempo estritamente necessário.

XVI - O facto de a alteração implicar uma incriminação por crime de homicídio, que não estava prevista na acusação, em substituição de uma incriminação por roubo qualificado pela morte, que desapareceu, e de resultar dessa operação um agravamento das sanções aplicáveis, não é óbice a que o tribunal possa qualificar de maneira diversa os factos constantes da acusação ou da pronúncia, desde que respeitado o condicionalismo do n.º 1 do art. 358.º do CPP.

XVII - Se ao MP compete fazer a acusação, ao tribunal (e só a ele) compete constitucionalmente aplicar a lei e dizer o direito, decidindo os casos que lhe são apresentados e sendo independente nessa função (art. 203.º da CRP). Estando vinculado à lei e sendo independente, o tribunal tem liberdade para qualificar juridicamente de maneira diversa os factos descritos na acusação, apenas devendo prevenir o arguido de qualquer alteração de qualificação.

XVIII - A lei não estabelece nenhum momento para a alteração da qualificação jurídica ter lugar e não exige que se tenha iniciado a produção de prova. Apenas estabelece que, se tal alteração ocorrer durante a audiência, se tem de aplicar o disposto no n.º 1 do art. 358.º do CPP, ou seja, a comunicação ao arguido nos termos já referidos.

XIX - Não ocorre duplicação de julgamento pelo mesmo facto quando o recorrente foi condenado, em co-autoria, por um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP (trazer no momento do crime arma aparente ou oculta) e em autoria material, por um crime de homicídio simples, do art. 131.º do CP. Com a condenação pelo crime de roubo, puniu-se, por um lado, a violação de bens jurídicos patrimoniais, relacionados com o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis, e, por outro lado, a violação de bens jurídicos de carácter pessoal, como a liberdade individual e a integridade física das pessoas. Com a condenação pelo crime de homicídio, puniu-se a violação do bem jurídico vida, inteiramente distinto daqueloutros bens, tanto mais que, no primeiro, existiu comparticipação (ou seja, pluralidade de autores) e no segundo, autoria singular.

XX - Apenas haveria duplicação, que implicasse a violação do princípio de que ninguém deve ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime, caso o recorrente fosse condenado simultaneamente pelo crime de roubo agravado pelo resultado “morte” (n.º 3 do art. 210.º do CP) e pelo crime de homicídio, o que não aconteceu no caso vertente.

XXI - É de afastar a possibilidade do resultado morte estar contido e abrangido pelo art. 210.º, n.º 3, do CP quando não existe nexo de imputação entre o homicídio e a...

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