Acórdão nº 0438/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | FREITAS CARVALHO |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo A… e B…, identificados nos autos, requereram ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, contra o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e a “C…” a adopção das seguintes providências cautelares: 1 - Suspensão de eficácia dos actos de concessão: a) da licença ambiental, em 15.11.2006, pelo Presidente do Instituto do Ambiente, António Gonçalves Henriques à fábrica da C… de Souselas, denominada «Centro de Produção de Souselas» para a co-incineração de resíduos; b) da licença de instalação, em 24.11.2006, pelo Vice-Presidente do Instituto dos Resíduos, Francisco Barracha, à fábrica da C… de Souselas denominada «Centro e Produção de Souselas» para a co-incineração de resíduos perigosos e não perigosos; c) da licença de exploração nr. 2/2008/DOGR, em 24.01.2008, pela Sub-Directora Geral da Agência Portuguesa do Ambiente, Luisa Pinheiro, à fábrica da C… de Souselas, denominada «Centro de Produção de Souselas» para a co-incineração de resíduos perigosos; 2 - Intimação: a) do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional para que se abstenha de atribuir novas licenças à fábrica da … no Outão para o exercício da actividade de co-incineração de resíduos perigosos enquanto estiver suspensa a eficácia das licenças supra-indicadas; b) da C…, para que se abstenha de realizar testes ou demais operações de co-incineração de resíduos perigosos enquanto estiver suspensa a eficácia das licenças supra-indicadas.
Por sentença de 17-10-2008, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou improcedentes os pedidos formulados (Fls. 774/798) Inconformados com tal decisão, os requerentes interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte que, por acórdão de 12-02-2009, julgou procedente o recurso, deferindo o supra referido pedido de suspensão de eficácia (fls. 1008/1063).
É desta decisão que o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e “C…” interpõem a presente revista a qual foi admitida por acórdão de 7-05-2009, (fls. 1263 a 1267).
A recorrente Cimpor formula as conclusões seguintes: 1. Considerada a indiscutível relevância social da questão da co-incineração e a circunstância de ter sido esta, ainda que indirectamente, o verdadeiro objecto do julgamento do TCA-N e não as licenças em si mesmas consideradas, forçosa se torna a intervenção do mais alto órgão de justiça administrativa, nos termos previstos no n.° 1 do art. 150.° do CPTA.
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Suscita a Recorrente a intervenção do STA à semelhança do sucedido em sede do Recurso de revista n.° 471/07, de 31 de Outubro de 2007, em que este Tribunal acordou revogar o acórdão do TCA-N que havia decidido temerariamente suspender o despacho do Ministro do Ambiente que dispensara, nos termos da lei, a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental e do Recurso 675/07 (relativamente à co-incineração nas instalações da … no Outão).
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Com efeito, a manutenção da decisão do TCA-N, para além de não permitir resolver em tempo útil a questão relativa à destruição dos resíduos industriais perigosos, com todos os danos ambientais daí decorrentes, tem o efeito perverso de criar uma enorme confusão nas populações e na comunidade em geral quanto à legalidade da co-incineração, não sendo compreensível como é que o processo pode já ter estado suspenso, depois deixar de estar suspenso e agora vir a ser outra vez suspenso.
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Por outro lado, e considerando especificamente o conteúdo material da decisão do TCAN objecto do presente recurso, cabe referir que nenhum dos critérios elencados pelo legislador no art. 120.° do CPTA foi devidamente analisado por aquela instância, impondo-se a revogação do acórdão «sub judicio».
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Assim, no que respeita à verificação do critério do fumus boni iuris, como o Tribunal considerou a priori que a matéria em causa era demasiadamente complexa, e exigiria prova mais aprofundada carecendo de ponderação e de maturação adicionais, acabou por se demitir totalmente da sua função e considerar preenchido o referido requisito legal, mesmo sem que nenhuma prova fosse efectuada.
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Entende a Recorrente não ser de admitir tal conduta, na medida em que, por mais que o critério legal apenas se reporte ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada (anulação dos actos administrativos), a verdade é que a não ilegalidade apenas não é manifesta se houver alguma prova concreta e objectiva que milite no sentido da sua provável ilegalidade, devendo essa prova ser analisada e ponderada pelo Tribunal, que a ela se deverá reportar na sentença.
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A aceitar-se como boa aquela aplicação do Direito, então o requisito do fumus boni iuris estaria sempre preenchido ex officio (dispensando qualquer intervenção do Requerente da providência).
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Nestes termos, não podia o Tribunal ter considerado provado, no caso em apreço, o requisito do fumus boni iuris (mesmo que na versão aligeirada do fumus non malus iuris) por não ter sido identificada qual a prova, ainda que indiciária, que o levou a considerar que a aprovação dos três actos administrativos suspendendos pode ser ilegal e, como tal, que não é manifesto que os mesmos não venham a ser anulados no fim do processo principal.
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Pelo contrário, na ausência de quaisquer indícios da ilegalidade dos actos em crise, seria forçoso que o Tribunal considerasse não provado o requisito do fumus boni iuris e como tal indeferisse a providência cautelar.
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Mais cabe referir que não saem estas conclusões prejudicadas pela temerária, equívoca e abusiva invocação do princípio da precaução que não se sabe ao certo se foi ou não utilizado.
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Por outro lado, também relativamente à aplicação do critério do periculum in mora procedeu o TCA-N a uma incorrecta aplicação da lei, na medida em que, ao invés da prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, bastou-se o Tribunal precisamente com aquilo que havia dito não bastar, ou seja com a utilização de expressões vagas e genéricas.
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Com efeito, no elenco dos factos provados, mesmo depois de ampliada a matéria de facto, não se encontram quaisquer factos que sejam hábeis para provar a existência de periculum in mora.
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Assim, o Tribunal, ao querer, contra tudo e contra todos, considerar que se estava perante uma situação de facto consumado, acabou por falhar duplamente.
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Em primeiro lugar, não logrou encontrar quaisquer factos que fossem prestáveis para demonstrar que a co-incineração provoca danos na saúde e no ambiente, razão pela qual teve de concluir — de modo infeliz — dizendo que, “não obstante se possa e deva entender que está em causa matéria de cariz essencialmente técnico e por isso sujeita a prova pericial, entendemos que a dúvida existente sobre os riscos aqui em causa tal como foram definidos na causa de pedir justifica que se valorize essa dúvida de forma a julgar verificado o requisito do periculum in mora, por estarem em causa prejuízos plausíveis de difícil reparação”.
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Em segundo lugar, a situação em causa, mesmo a ocorrer, nunca configuraria, como o STA aliás já disse em sede de Recurso n.° 471/07 de 31 de Outubro de 2007, uma situação de facto consumado, como erradamente a qualificou o Tribunal a quo.
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Em suma, nem foi feita prova no sentido de demonstrar que a execução dos despachos pudesse provocar danos na saúde e no ambiente, nem a ocorrência desses mesmos danos (a existirem) criaria uma situação de facto consumado que não pudesse ser revertida no final da “acção principal”.
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Finalmente, nunca a licença de instalação e a licença ambiental seriam actos capazes, na medida em que não são o último acto no final do procedimento, para provocarem qualquer violação no ambiente ou na saúde.
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Por último, chegados à ponderação de interesses exigida pelo n.° 2 do art. 120.° do CPTA, veio o TCA-N a quo deixar clara a ideia, que já se vinha a sedimentar, de que, neste domínio, usa, claramente, “dois pesos e duas medidas”.
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Na realidade, não deixa de ser inquietante que o Tribunal a quo tenha considerado que os eventuais e não provados danos no ambiente provocados pela co-incineração pudessem (na dúvida) constituir uma situação de facto consumado e depois considere, displicentemente, que os danos reais e provados relativos ao “passivo ambiental” (que não são contestados por ninguém), não só não constituam uma situação de facto consumado como ainda é aceitável (para o Tribunal) que esta situação possa continuar por mais algum tempo até à decisão do processo principal.
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É, assim, completamente infundada a conclusão do Tribunal, quando considera que os danos causados com a recusa da providência são superiores aos danos causados com a sua concessão.
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Na verdade, não conseguiu o Tribunal demonstrar minimamente, nem a superioridade de uns (alegados) danos ambientais e sobre a saúde face a outros (alegados) danos ambientais e sobre a saúde, nem tão pouco logrou demonstrar porque é que num caso considerou que (na dúvida) havia uma situação de facto consumado e no outro caso considerou (sem qualquer dúvida e sem querer ouvir as testemunhas arroladas) que não tinha sido feita prova dos danos.
O recorrente MAOTDR formula as seguintes conclusões: 1. As questões suscitadas no processo em apreço, pela sua relevância social e jurídica, e sua importância fundamental, e a necessidade de melhor aplicação do direito, impõem a admissão do presente recurso de revista.
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A douta decisão em apreço é manifestamente ilegal, é contrária, à Jurisprudência do Supremo Tribunal e, pelas suas consequências negativas, deve ser imediatamente revogada.
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Relativamente ao pedido de suspensão dos actos de licenciamento da instalação e ambiental, não pode ter-se por verificado o periculum in mora, pois tais actos intercalares de licenciamento não são susceptíveis de constituir uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, pelo...
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