Acórdão nº 01076/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.1. B…, S.A. interpôs, no TAC do Porto, acção de responsabilidade civil extra-contratual com fundamento em acto ilícito contra o Estado Português, pedindo a condenação do Réu a pagar: A) À A., a título de indemnização de perdas e danos, a importância de Esc. 40.989.929$00; (posteriormente rectificado para 43.233.326$00, fls. 719 e 720) B) À sociedade C…, S.A., com sede na R. …, 12-2.º-1100-231 Lisboa, a importância de Esc. 20.971.466$00; C) À A. os juros vincendos relativamente ao montante da alínea A) a partir da citação à taxa de 12%; D) À credora a que alude a alínea B) – terceiro – juros vencidos e vincendos à taxa de 12% a partir de 6-12-99, com todas as consequências legais.

1.2. Deduziu a Autora o incidente de intervenção provocada, nos termos “do disposto nos artºs 322.º e segs do C. P. Civil, de C… (anteriormente denominada D…, S.A.), documentado a fls. 540 a 542, inc, dos autos, que foi aceite, vindo a chamada C… declarar nos autos que, fazia seus os articulados da Autora B…, SA, na parte em que se lhe referem (fls. 600).

1.3. A fls. 604 e segs. foi proferido despacho no qual foi, designadamente, julgada improcedente a excepção de prescrição invocada pelo Réu Estado e seleccionada a matéria de facto considerada assente e a controvertida, com elaboração dos quesitos correspondentes a esta última.

1.4. O Réu Estado, inconformado com a decisão quanto à improcedência da excepção de prescrição, dela interpôs recurso, cujas alegações, de fls. 638 e segs., concluiu do seguinte modo: “1ª A responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos de gestão pública prescreve no prazo de 3 (três) anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (artºs 71º, nº 2 da L.PT.A. e 498º, nº 1 do Cód. Civil); 2ª O referido conhecimento do direito confunde-se com o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não com a tomada de consciência do respectivo direito pelo seu titular.

  1. No presente caso, a Autora teve conhecimento desse direito (pressupostos que condicionam a responsabilidade) ao aperceber-se de alegada omissão ilícita, nas execuções fiscais, da notificação dos proprietários do imóvel para exercerem o seu direito de preferência, conhecimento esse que lhe adveio em Setembro/Outubro de 1994, data a partir da qual se conta o prazo de prescrição.

  2. E não com a prolação de sentença na acção de preferência (em que está em causa aquela omissão ilícita) em primeira instância, pois que esta data equivale à da consciência da possibilidade legal de ressarcimento.

  3. Tendo a presente acção sido proposta em 11 de Outubro de 2000 – e sem que haja havido lugar a qualquer interrupção do prazo de prescrição – a tal data encontrava-se prescrito o direito exercitado.

  4. A douta decisão recorrida, ao não julgar prescrito o direito da Autora, decidiu erradamente, violando os preceitos legais referidos na conclusão 1ª.” 1.5. A Autora recorrida contra-alegou nos termos constantes de fls. 741 e segs., pugnando pela improcedência do agravo.

1.6. A fls. 646 e segs. foi apresentado, pela Autora B…, articulado superveniente, requerendo a ampliação do pedido, de modo a obter o ressarcimento, pelo Réu, das despesas que foi obrigada a pagar aos titulares do direito de preferência, em resultado da acção contra si proposta pelos mesmos no Tribunal Cível.

1.7. O Exm.º Juiz do Tribunal a quo admitiu o requerido no articulado superveniente, aditando à matéria de facto assente, a que consta de fls. 796.

1.8. Discutida a causa, foi proferida sentença final, a fls. 852 e segs., a qual julgou a acção procedente, por provada, condenando o Réu Estado Português a pagar: “À A. “B…, SA” a quantia de € 216.933,80, a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros moratórios, contados à taxa legal devidos a partir da citação (30 de Outubro de 2000), até integral pagamento; --- À A. “C…, SA” a quantia de € 104.605,20, a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros moratórios, contados à taxa legal, devidos a partir da citação (30 de Outubro de 2000), até integral pagamento.” 1.9. Inconformado com a decisão referida em 1.8, interpôs o Réu Estado recurso para este STA, cujas alegações, de fls. 890 e segs., concluiu do seguinte modo: “1. A procedência de uma acção de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito de gestão pública está dependente da observância cumulativa dos pressupostos de que emerge a obrigação de indemnizar à luz da responsabilidade civil geral: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

  1. Na acção que B… e C… movem ao Estado, na qual foi proferida a sentença sob recurso, e onde o facto ou acto consistiu na omissão de uma notificação para preferência no âmbito de um processo de execução fiscal, não ficaram provados os elementos ilicitude, culpa e nexo de causalidade.

  2. Na verdade, a prova de tais elementos não pode ser importada de uma acção de preferência, cujo julgado, posto que se imponha às partes que litigam na presente acção de responsabilidade civil, não conheceu, nem podia ter conhecido, especificamente desses elementos. 4.

    Ilicitude e ilegalidade não são conceitos coincidentes em sede apuramento da responsabilidade civil por acto ilícito, exigindo-se que os direitos e interesses alegadamente lesados se situem no círculo de interesses tutelados pela disposição legal infringida, exigência que, no caso, não se mostra preenchida.

  3. É ao lesado que incumbe a prova da culpa do autor da lesão, a menos que contra este milite presunção legal de culpa.

  4. A douta sentença deu como provada a culpa do Estado a partir da afirmação da existência de ilícito, decidindo portanto com base nessa presunção, no caso inexistente.

  5. Para haver nexo de causalidade relevante, não basta que a conduta coloque uma condição para a produção do dano, exigindo-se que ela seja decisiva para a produção do dano, o que, no caso, não sucedeu.

  6. Os danos cuja indemnização foi arbitrada pela sentença impugnada não são resultado adequado do acto omissivo ocorrido no processo de execução fiscal, sendo antes consequência das opções tomadas pela autora “B…” em matéria de investimento, exploração e gestão do estabelecimento e do risco que a actividade comercial sempre comporta.

  7. Em todo o caso, ainda que porventura se admitisse que estavam reunidos os pressupostos do dever de indemnizar, nunca caberia ao Estado suportar as despesas efectuadas com licenças e obras exigidas pela autoridade administrativa camarária e com as benfeitorias amovíveis susceptíveis de serem retiradas do locado.

  8. Ao julgar procedente a acção e ao condenar o Estado nos pedidos, a sentença impugnada violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas dos artigos 2°, n.º 1, 4°, n.º 1, e 6. ° do DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967, 342°, 483°, n.º 1, 487.º, 563.° e 1275.º do Código Civil, 120.° do R.A.U., 671.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, e ainda o quadro legal da venda extrajudicial em processo executivo dos artigos 884.° e seguintes do Código do Processo Civil, aqui na redacção vigente em 1994, aplicável por remissão do artigo 325.° do Código de Processo Tributário aprovado pelo DL 154/91, de 23 de Abril.

  9. Termos em que, no provimento do recurso, deve a douta decisão em crise ser revogada e substituída por outra que absolva o Estado do pedido, por falta dos requisitos ilicitude, culpa e nexo de causalidade, de cuja verificação está dependente o dever de indemnizar.

  10. Se assim não vier a ser entendido, então deve o Estado ser desonerado de suportar as despesas originadas por licenças e obras exigidas pela autoridade administrativa camarária, bem como todas as despesas efectuadas com as benfeitorias amovíveis e retiráveis do locado.” 1.10. A Recorrida B., SA contra-alegou, nos termos constantes de fls. 913 e segs, concluindo: “1.

    Não merece qualquer censura a decisão recorrida.

  11. Estão verificados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar.

  12. A decisão do processo nº 10101/94 do 8º Juízo Cível do Porto fez caso julgado que aproveita ao presente processo no que diz respeito ao facto, à ilicitude e à culpa.

  13. A causa de pedir dos presentes autos é mais extensa, completa e complexa que aquela da acção de preferência mas, tem-na necessariamente como pressuposto, porque é nos factos que conduziram à procedência da acção de preferência, designadamente da omissão da notificação para preferir, que se estriba a presente causa de pedir e o pedido indemnizatório.

  14. A extensão do caso julgado opera-se por coerência lógico-jurídica e coerência prática.

  15. Os factos constantes da decisão que julgou procedente a acção de preferência são inexoravelmente oponíveis ao Estado Português, porquanto foi parte nessa acção.

  16. Há ilicitude na actuação do Estado Português.

  17. A ilicitude consiste a ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios.

  18. Era obrigação do Estado Português notificar o preferente para que exercesse os seus direitos, aquando da alienação do estabelecimento comercial.

  19. Não o tendo feito, não cumpriu com a disposição legal que protegia os interesses do preferente e reflexamente protegia os interesses da aqui Recorrente na aquisição com certeza, segurança e estabilidade de um estabelecimento comercial.

  20. Da falta de perfeição da adjudicação à Recorrente (constante da matéria de facto provada) resulta simultaneamente a culpa do Estado Português, reflectida pela culpa do Agente, aferida tendo em consideração a actuação do homem médio normal que face àquelas circunstâncias age com a diligência devida, cumprindo escrupulosamente as suas obrigações.

  21. No caso aqui em crise, isso não aconteceu, tendo o agente actuado, quanto mais não seja, com negligência inconsciente, porque, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não cumpriu com a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT