Acórdão nº 456/08.3TBPFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 332 - FLS 147.

Área Temática: .

Sumário: I - A exigência da gravidade do incumprimento, como pressuposto geral do direito de resolução do contrato, não é compatível com o fundamento de resolução do contrato de arrendamento representado pela mora no pagamento da renda, com duração superior a três meses, dado que esse fundamento constitui uma causa de inexigibilidade, ex-lege, de manutenção daquele contrato; II - Deve, todavia, deter-se o direito do senhorio de resolver aquele contrato, se o valor do depósito das rendas em dívida e da indemnização for inferior em apenas € 15.00 ao devido, com fundamento no abuso do direito, por desequilíbrio no exercício.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 456/08 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1.

Relatório.

B………. e cônjuge, C………., propuseram, no .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, contra D………. e cônjuge, E………., acção declarativa constitutivo-condenatória de despejo, com processo comum, sumario pelo valor, pedindo a resolução do contrato de arrendamento relativo a parte do prédio urbano sito no ………., freguesia de ………., matricialmente inscrito sob o artº 861 e registralmente descrito sob o nº 6480, e a condenação dos réus a despejar e a entregar-lhes, livre de ónus, encargos, pessoas e bens, aquele local, e a pagar-lhes as rendas, vencidas e vincendas, até à entrega.

Fundamentaram a sua pretensão no facto de terem adquirido, por compra e venda, por escritura pública outorgada no dia 13 de Novembro de 1997, aquele prédio, do qual, há mais de 30 anos, os anteriores donos, deram de arrendamento, aos réus, pela renda inicial 700$00, uma parte – designadamente uma cozinha exterior, um quarto, uma sala, duas cortes e um loja no rés-do-chão – de, por carta registada com aviso de recepção, terem comunicado aos réus o aumento do valor daquela renda, que devia ser paga no seu domicílio até ao dia 8 do mês a que respeitasse, para € 28.89, que os réus deixaram de lhe pagar desde Janeiro de 2007.

O réu D………. defendeu-se alegando que a renda era paga por referência ao mês anterior, que nunca deixou de pagar a renda, tendo-se oposto à sua actualização por os autores, apesar de interpelados, não fazerem obras, e que a autora recebeu, sem passar recibo, a renda do mês de Janeiro de 2007, e que, em Janeiro de 2007, os autores se recusaram a receber a renda por não conter o valor da actualização, pelo que procedeu, desde Fevereiro de 2007, ao seu depósito mensal, na F………., tendo ainda procedido ao depósito do valor da actualização das rendas relativas aos meses de Janeiro de 2007 a Abril de 2008, e de uma indemnização de 50% sobre o valo integral das rendas.

Oferecida a resposta e seleccionada a matéria de facto, adquiriu-se a notícia do facto lamentável da morte da ré, G………., tendo sido habilitados, como seus sucessores, para contra eles prosseguir a demanda, além do primitivo réu, G………., H………. e I…….. .

A sentença final da causa, depois de observar que o depósito feito pelos réus – devido a uma diferença de € 42.00 ou de apenas € 15.00, caso se impute a entrega de € 27.00 a título de renda recepcionada pela autora – não pode ser considerado idóneo e eficaz, obtemperou, porém, que o prejuízo tem escassa importância, e que, mesmo que assim se não entendesse, sempre cairíamos no instituto do abuso de direito, e, em estrita coerência, depois de reconhecer aos autores o direito aos depósitos, julgou a acção improcedente.

Apelaram, claro os autores, pedindo a revogação da sentença impugnada e o decretamento do despejo.

Ordenados pelo propósito de mostrar a falta de bondade da decisão recorrida, os apelantes extraíram da sua alegação estas conclusões: 1- Os depósitos documentados nos autos não têm a vi1ualidade de fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento, já que os mesmos não são idóneos e eficazes, por incompletos, encontrando-se, assim, preenchidos todos os pressupostos para a resolução do arrendamento 2- O interesse do credor na relação contratual locatícia é coincidente com o cabal cumprimento do pagamento na totalidade da renda estipulada. Se esta faltar, há perturbação contratual que afecta o âmago do interesse do credor.

  1. Por essa razão, e por esse valor é que nasce o vinculo contratual, entendendo-se a renda estipulada como a justa contra prestação pelo gozo do imóvel.

    4- A escassa importância a que se alude no art.º 802.° n.º 2 do Código C., não tem, , a nosso ver aplicação no contexto da relação de arrendamento.

    5- Mesmo que se entenda que ao caso cabe a aplicação do referido n.º 2 do artº 802 em que a prestação é em numerário, quando é que se poderia considerar de escassa importância o incumprimento parcial? Faltando € 50,00, € 100,00 € 150,00, ou € 200,00 ou € 500,001 Sendo certo que as partes ao fixarem uma quantia estável, tiveram-na por certa e justa nos interesses contratuais... representando a mesma, o equilíbrio contratual na relação prestação - contraprestação.

    6 - O interesse dos AA. é plenamente afectado com o incumprimento pardal por parte a dos RR., até porque como ficou decidido, a omissão “falta” não é passível de rectificação.

    7 - Não faz qualquer sentido a aplicação do instituto do abuso de direito, na medida que os AA. não mais fizeram do que exercer um direito legitimo, qual seja o ver o contrato de arrendamento resolvido por falta de pagamento de rendas que, á data, da propositura da acção ascendiam as rendas em atraso a 14 meses (entre Janeiro de 2007 e Março de 2008).

    8- Foram violados, por erro de interpretação, entre outros, os artigos 17.° nº 3, do NRAU, e artigos 334°, 802, nº2 e 1083 do CC.

    Na resposta os apelados pronunciaram-se, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  2. Factos provados.

    O tribunal de que provém o recurso julgou provados os seguintes factos: a) Por escritura pública lavrada no dia 13.11.1997, no Cartório Notarial de Paços de Ferreira, J………., K………. e L………. declararam vender à autora C………., que no mesmo acto declarou comprar, pelo preço de Esc. 1.000.000$00, três quartos do prédio urbano composto de casa de rés do chão e andar, com cortes e beiral, quinteiro e ramadas, com a área coberta de 292,20 m2 e descoberta de 265,20 m2, sito no ………., da freguesia de ………., a confrontar do norte e nascente com caminho de servidão, do sul com rego foreiro e do poente com M………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º 6480, prédio esse que haviam adquirido, juntamente com a autora, através da escritura de doação outorgada no mesmo Cartório Notarial no dia 17 de Agosto de 1984, tudo conforme certidão de tis. 6 a 10 e 111 a 114, que aqui se dão por integralmente reproduzidas (teor do documento de fls.111 a 114 e alínea A) dos factos assentes); b) N………. e O………., há mais de 30 anos, declararam, verbalmente, permitir que os réus habitassem em parte do prédio identificado na alínea anterior, utilizando designadamente uma cozinha exterior existente no quinteiro, um quarto, uma sala e duas cortes pequenas, contíguas à cozinha, bem como a loja do rés-do-chão, sendo que os réus, também verbalmente aceitaram essa proposta e comprometeram-se, como contrapartida, a pagar ao N………. e à O………. a renda mensal de Esc. 700$00, o que seria feito na residência destes (alíneas B) e C) dos factos assentes); c) Devido a sucessivas actualizações, aquela quantia passou a ser, no ano de 1990, de Esc. 5.400$00 (alínea D) dos factos assentes); d) Os autores enviaram ao réu uma carta, registada a 16 de Novembro de 2006, dizendo que «venho ao abrigo do disposto no aviso …./2006 de 07.09, comunicar o aumento de renda com aplicação do coeficiente de 1,027, pelo que a renda actual de € 27,00 passará a ser no valor de C 28,89. Este novo valor de renda é devido a partir de 1 de Janeiro de 2007», tudo conforme documento de fls. 10 que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea E) dos factos assentes); e) Essa carta foi enviada para a morada correspondente à parte do prédio identificada em a) que é habitada pelos réus e nela recebida, no dia 20 de Novembro de 2006, por P………., que assinou o aviso de recepção que a acompanhou, tudo conforme documento de fls. 12 dos autos que aqui se dá por reproduzido (alínea F) dos factos assentes); f) Pelo menos desde Janeiro de 2007 que os réus não entregam aos autores qualquer quantia a título de renda devida pela cedência do gozo do espaço referido em b) (alínea G) da matéria de facto assente); g) Em Fevereiro de 2007, o réu deslocou-se a casa dos autores e entregou à autora a quantia de € 27,00 para pagamento de renda relativa a mês concretamente não apurado daquele ano, quantia essa que a autora recebeu (resposta aos números 2 e 3 da base instrutória); h) Os réus realizaram os seguintes depósitos na agência de Paços de Ferreira da F………., à ordem dos autores: i. no dia 10 de Abril de 2007, da renda relativa ao mês de Fevereiro do mesmo ano, no montante de € 27,00; ii. no dia 10 de Abril de 2007, da renda relativa ao mês de Março do mesmo ano, no montante de € 27,00; iii. no dia 09 de Maio de 2007, da renda relativa ao mês de Abril do mesmo ano, no montante de € 27,00; iv. no dia 08 de Junho de 2007, da renda relativa ao mês de Maio do mesmo ano, no montante de € 27,00; v. no dia 09 de Julho de 2007, da renda relativa ao mês de Junho do mesmo ano, no montante de € 27,00; vi. no dia 08 de Agosto de 2007, da renda relativa ao mês de Julho do mesmo ano, no montante de € 27,00; vii. no dia 10 de Setembro de 2007, da renda relativa ao mês de Agosto do mesmo ano, no montante de € 27,00; viii. no dia 09 de Outubro de 2007, da renda relativa ao mês de Setembro do mesmo ano, no montante de € 27,00; ix. no dia 07 de Novembro de 2007, da renda relativa ao mês de Outubro do mesmo ano, no montante de € 27,00; x. no dia 10 de Dezembro de 2007, da renda relativa ao mês de Novembro do mesmo ano, no montante de e 27,00; xi. no dia...

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