Acórdão nº 64/08.9TBSBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009
Magistrado Responsável | DR. GONÇALVES FERREIRA |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 668.º DO CPC E ARTIGOS 1294.º E SEGUINTES DO CC Sumário: 1) Só se verifica a nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, se a sentença não incluir os factos ou o direito; 2) A alínea c), por seu lado, postula um vício real de raciocínio: a fundamentação aponta num sentido, mas a decisão segue caminho oposto ou diferente; 3) A alínea d) abrange os casos de omissão de pronúncia e de pronúncia indevida; 4) A alínea e), finalmente, tem em vista a ultrapassagem do pedido, seja em quantidade, seja em qualidade; 5) Não é possível alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, se a respectiva fundamentação respeitar as regras da experiência e as leis que regulam a actividade mental; 6) A presunção derivada do registo predial só abrange o prédio em si, que não a sua descrição, e não garante os elementos de identificação do prédio; 7) A utilização pacífica, pública e de boa fé, por várias pessoas, de uma faixa de terreno, como acesso às respectivas residências, exercida na convicção de se tratar de um espaço comum e de se não lesarem direitos de terceiro, mantida por mais de 15 anos, conduz à aquisição da compropriedade por usucapião.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A...
e mulher, B...
, residentes em ...., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C...
e mulher, D...
, residentes na ...., alegando, em síntese, que: São donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, sito no ...., inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 601º e 602° e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o n.º 2406.
Os Réus, por sua vez, são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano que confronta com aquele, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Malcata sob o artigo 527° e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o nº 2394.
A entrada para o seu prédio é efectuada a partir da Rua Beco do Vale.
Os réus têm acesso directo ao respectivo prédio através da rua pública, mas a ele chegam, também, através de uma servidão de passagem implantada no logradouro do prédio dos autores, a cuja utilização estes nunca se opuseram.
Sucede, porém, que, há cerca de um ano a esta parte, os réus, de forma abusiva, têm vindo a comportar-se, não como titulares de um direito de servidão de passagem, mas como se fossem os verdadeiros donos do logradouro dos autores, designadamente, mantendo os portões abertos, contra a vontade destes, queimando, com herbicida, a vegetação aí existente e colocando uma campainha e uma caixa de correio no pilar de entrada, onde assentam os portões de entrada do prédio; estes factos foram praticados contra a sua vontade e sem o seu consentimento; antes do ano de 2007, os réus tinham a campainha e a caixa de correio na entrada principal da respectiva casa, sita na rua de cima da entrada da casa dos autores, que, aliás, utilizavam como principal acesso à sua propriedade; os autores entregaram uma chave dos portões de acesso à sua propriedade aos réus, para que estes por ali puderem entrar, mas com a condição de os fecharem de seguida.
Defendem os autores que, ainda que se entenda que os réus tenham adquirido o direito à servidão de passagem por usucapião, a verdade é que eles dispõem de acesso próprio para a habitação de que são donos a partir da via pública, o que torna desnecessária a utilização do logradouro dos autores para o mesmo fim.
Concluíram, pedindo se reconhecesse que são donos do prédio identificado, que aos réus não assiste o direito de por ele passar e que não têm necessidade de o fazer e se condenassem os mesmos a retirar a caixa de correio e a campainha que instalaram no pilar referido nos autos e a pagar aos autores a quantia de € 2.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Os réus contestaram, de modo a impugnar a versão dos factos descrita pelos autores; alegaram, no essencial, que o espaço em causa foi reservado pelo proprietário inicial do terreno (que abarcava a área dos prédios que hoje são de autores e réus) como rua de acesso aos dois lotes, que em tempos vendeu a E...
(um) e a F...
(outro), destinando-o a possível entroncamento e ligação com a rua pública existente a poente; o referido E....vendeu o seu lote aos réus, onde estes construíram dois prédios – artigos urbanos 527 e 680 – e o mencionado F....vendeu o seu lote a G...
, que construiu outros dois prédios – artigos urbanos 601 e 602; desde, pelo menos, 1968 que o terreno em questão é utilizado por si, tendo-o sido, antes, por E...., F..., G.... e respectivas famílias, como espaço destinado a rua e acesso a todos os prédios urbanos construídos no terreno inicialmente vendido em lotes, à vista de toda a gente, mormente dos autores e seus antecessores, sem qualquer interrupção, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de se tratar de um espaço comum, de passagem e acesso às casas ali existentes, funcionando como verdadeira rua, e de que não prejudicam direitos de terceiros.
Terminaram pela improcedência da acção.
Deduziram, ainda, pedido reconvencional, com vista a obter o reconhecimento de que a parcela em litígio é um espaço comum, destinado a acesso às casas ali existentes, designadamente às suas.
Os autores responderam, de molde a reafirmar a versão já exposta na petição inicial.
No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da lide.
A selecção da matéria de facto não sofreu reclamação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento e fixada, sem objecções, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção (excepção feita ao segmento em que os autores pediam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as realidades prediais inscritas na matriz sob os artigos 601.º e 602.º e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2406) e procedente a reconvenção, com a declaração de que a faixa de terreno ora discutida era espaço comum destinado a rua, passagem e acesso para os prédios descritos na matriz urbana da freguesia da Malcata sob os artigos 601.º, 602.º, 527.º e 680.º.
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, a que foi fixado o efeito devolutivo, alegaram e formularam vinte conclusões, que se resumem, com toda a facilidade, a, apenas, seis: A sentença é nula, por não especificar os fundamentos que justificam a decisão, por haver contradição entre os fundamentos e a decisão, por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento e por condenar para além do pedido; b) Os artigos 8.º a 17.º da base instrutória deveriam ter sido considerados provados; c) Os artigos 27.º a 33.º deveriam ter sido considerados não provados; d) Alteradas, assim, as respostas, terá a acção de proceder na sua totalidade e a reconvenção de improceder; e) De resto, a reconvenção não é admissível; f) Foram violados os artigos 158.º, 274.º, n.º 2, alínea a), 653.º, 655.º, 668.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e) e 712, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo Civil, 350.º, n.º 2, 1271.º, 1274.º, 1278.º, 1291.º e 1403.º a 1413.º do Código Civil e 7.º do Código do Registo Predial.
Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção do julgado.
O ex.mo juiz indeferiu a arguição das nulidades invocadas.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
São questões a requerer resolução: 1) A nulidade da sentença; 2) A alteração da matéria de facto; 3) A admissibilidade da reconvenção; 4) A procedência dos pedidos formulados na acção e na reconvenção.
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Na sentença apelada foram dados por assentes os seguintes factos: A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal, referente à freguesia da Malcata, sob o nº 2406/200070411, “o prédio urbano situado em: Beco do Vale, área total: 342 m2; área coberta: 161,48 m2; área descoberta: 162,52 m2; valor tributável: 39.700,00 euros; matriz nº 602; matriz nº 601; composição e confrontações: duas casas de rés-do-chão e 1º andar e dois logradouros – norte, caminho; sul, servidão; nascente, G.... e beco do vale; poente G.... e C....; resulta da anexação dos prédios nºs 1781 e 1782”, a favor do autor, casado com a autora no regime de comunhão geral, pela inscrição G-Ap. 11, de 2007.01.08.
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Os réus são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano que confronta com o prédio dos autores referido em A), inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Malcata sob o artigo 527 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o nº 2394, da mesma freguesia.
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Os réus são possuidores de um outro prédio, do lado sul, descrito na matriz urbana da freguesia de Malcata sob o artigo 680º, constituído por casa de rés-do-chão e 1º andar para habitação (factualidade admitida por acordo e provada por documento – art. 659º do C.P.C.).
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A entrada para o prédio referido em A) é efectuada a partir da Rua do Beco do Vale.
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Os réus, além de acederem ao prédio referido em B) directamente, através da rua pública, acedem, também, através de uma faixa de terreno existente do lado sul do prédio referido em A).
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Os autores nunca se opuseram a que os Réus usufruíssem da passagem pela faixa de terreno referida em E).
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O réu queimou com herbicida a vegetação existente na faixa de terreno referida em E).
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Os réus, há cerca de um ano a esta parte, colocaram uma campainha num pilar de entrada, onde assentam os portões que dão acesso à faixa de terreno referida em E).
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Os réus, há cerca de 20 anos, colocaram uma caixa de correio no mesmo pilar.
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A colocação da campainha foi efectuada contra a vontade e sem o consentimento dos autores.
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O prédio referido em B) tem acesso fácil e directo à rua pública.
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A sul do prédio referido em A), a poente do prédio referido em B) e a nascente da Rua do Vale existe um espaço com o comprimento de cerca de 20 metros e largura de cerca de 4 metros.
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E.... transmitiu aos réus a posse do terreno onde estes construíram o prédio referido em B)...
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