Acórdão nº 4/08.5TTAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - No âmbito da vigência do Código de Processo do Trabalho de 1999 (CPT) e do Código de Processo Civil, na versão anterior à que resultou da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (CPC), à apresentação do requerimento de interposição do recurso de revista, a efectuar no prazo de 10 dias sobre a notificação da decisão da Relação, dirigido ao tribunal que proferiu a decisão impugnada, haveria de seguir-se, a prolação, naquele tribunal, de despacho de admissão, ou indeferimento, e, no caso de este ser recebido, a apresentação da alegação do recorrente, no prazo de 30 dias contados da notificação de tal despacho (artigos 81.º, n.º 5, do CPT, 685.º, n.º 1, 687.º, n.os 1 e 3, 698.º, n.º 2, e 724.º, n.º 1, do CPC).

II - O facto de o recorrente ter dirigido o requerimento de interposição do recurso, não ao juiz relator do tribunal recorrido, como devia, mas aos juízes do tribunal de recurso não tem virtualidade para afectar a tempestividade do acto de interposição.

III - O artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003 (CT) consigna a possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são mero exemplo as previstas no n.º 2 deste preceito, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora, como são os que configuram «[f]alta culposa de pagamento pontual da retribuição» [alínea a)]; a «[v]iolação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador» [alínea b)]; e a «[l]esão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador» [alínea e)].

IV - Nas situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa pelo período fixado para o aviso prévio.

V - A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos, havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, do CT, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso, calculada proporcionalmente.

VI - Para que exista justa causa, é necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo esta ser apreciada pelo tribunal atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

VII - No que diz respeito ao ónus da prova da culpa, quando ocorra violação de qualquer dever contratual por parte do empregador, vale a regra do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador – cuja prova compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil –, a culpa do empregador se presume, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida.

VIII -Não pode ser atendida, no recurso de revista, para efeito de ajuizar sobre a justa causa da resolução, a alegação atinente à violação do dever de ocupação efectiva, decorrente da privação do uso de veículo automóvel, atribuído ao trabalhador para o exercício das suas funções, se, na carta de resolução os respectivos factos não foram invocados como fundamento da resolução.

IX - Configura ofensa culposa ao princípio da irredutibilidade da retribuição o comportamento da entidade empregadora que retirou ao seu trabalhador o uso, para fins particulares, do veículo automóvel que, também para esse efeito, lhe estava distribuído.

X - Todavia, atendendo ao curto período de tempo em que o trabalhador esteve privado da retribuição em espécie, que constituía a utilização do veículo automóvel para fins particulares, à circunstância de se desconhecer qual o contexto em que ocorreu a retirada do veículo automóvel e se a mesma era irreversível e, sobretudo, porque não se demonstrou o valor dessa retribuição, não se pode afirmar que o comportamento da entidade empregadora assumiu gravidade tal que impossibilitasse a continuação da relação laboral e daí que se não possa afirmar a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, mediante acção com processo comum, instaurada em 27 de Dezembro de 2007 no Tribunal do Trabalho de Aveiro, L... – M... e A... I..., S.A.

, pedindo a condenação desta: i) a reconhecer que a resolução do contrato de trabalho, por ele operada, o foi com justa causa; ii) e a pagar-lhe a importância de € 33.833,03, soma das seguintes quantias: — € 29.815,55, correspondente à indemnização prevista no artigo 442.º do Código do Trabalho; — € 148,11, relativa a férias não gozadas do ano de 2007; € 49,37, por indevido desconto, na retribuição, de um dia de trabalho; e € 3.870,00, valor que a Ré, por não ter reconhecido a justa causa da resolução, lhe descontou com fundamento na falta de aviso prévio.

Alegou, em síntese muito breve, que: — Por carta datada de 29 de Novembro de 2007, rescindiu o contrato de trabalho que vigorava entre as partes desde 1 de Julho de 1994, porquanto, — A partir do dia 5 de Novembro de 2007 (após um encontro com um administrador da Ré, em que este lhe disse que estava farto, que fosse procurar os seus direitos, que, durante o mês de Novembro não trabalharia mais para ele e que já havia dado ordens para não lhe processarem o vencimento desse mês), por decisão da Ré, foi o Autor privado da utilização da viatura que lhe estava atribuída para uso em serviço e na sua vida particular, e — Quando o Autor se encontrava de baixa médica, na semana de 19 a 23 de Novembro, a Ré mandou um funcionário a sua casa exigir-lhe a entrega do cartão de combustível.

— Com os descritos comportamentos, a Ré, para além de impedir o Autor de exercer as suas funções de visitar clientes, diminuiu-lhe a retribuição, assim, incorrendo em «falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida», «violação culposa dos pagamentos legais ou convencionais do trabalhador», e «lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador»; — Além disso, foi ordenado ao Autor que desempenhasse tarefas não contempladas na sua categoria profissional, como sejam as de limpar máquinas, no dia 26 de Novembro de 2007, e de motorista, no dia 29 do mesmo mês.

Na contestação, a Ré impugnou os fundamentos da acção, reputando de falsos alguns dos factos narrados na petição inicial e apresentando uma versão do relacionamento entre as partes que precedeu a carta de resolução que, na sua perspectiva, haveria de conduzir à improcedência da acção.

Houve resposta do Autor, após o que foi proferido despacho saneador e, dispensada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi prolatada sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou que o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré cessou em 29 de Novembro de 2007 por rescisão operada, com justa causa, pelo Autor e condenou a Ré a pagar-lhe a quantia de € 19.872,10, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, bem como a importância de € 3.870,00, por ela, como indemnização decorrente da falta de aviso prévio, indevidamente descontada.

  1. Apelou a Ré, tendo solicitado a modificação da decisão proferida sobre a matéria facto e, independentemente do destino desta pretensão, a revogação da sentença, desiderato este que foi alcançado, pois o Tribunal da Relação de Coimbra, embora tenha confirmado o veredicto da 1.ª instância sobre a matéria de facto, concluiu pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato e, em consequência, julgou procedente a apelação, «absolvendo, por via disso, a Ré da totalidade do peticionado».

    Veio o Autor pedir revista, tendo formulado, a terminar a sua alegação — que apresentou simultaneamente com o requerimento de interposição do recurso, dirigido aos juízes deste Supremo Tribunal —, as conclusões redigidas como segue: «1 - Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo totalmente revogada, absolvendo em consequência a Ré, L... - M... e A... I... S.A., do pagamento do pedido de indemnização pela alegada rescisão com justa causa.

    2 - Salvo sempre o devido respeito por diferente opinião, entende o recorrente que, não obstante a proficiência da decisão em crise, atenta a matéria de facto dada comprovada, a decisão de mérito não poderia ser nunca a proferida.

    Com efeito, 3 - Ficou provado que o A. desempenhava ao serviço da Ré, as funções de vendedor, desde o dia 01/07/1994, dia em que foi admitido ao serviço da Ré, e que desde então aquele sempre circulou em viaturas que a Ré lhe atribuía não só para o desempenho das suas funções, mas também para fins particulares.

    - Provou-se ainda, que, a partir do dia 05/11/07, a Ré retirou o veículo automóvel ao A., ficando o mesmo impedido de exercer as suas funções de vendedor, consequentemente de se deslocar aos clientes da Ré, bem como de usar aquele veículo para fins particulares.

    Salvo o devido respeito por opinião contrária, a nosso ver o douto acórdão do Tribunal da Relação, incorre, desde logo, num erro quando refere que “... desde o dia 05/11/07 até à data da cessação do convénio (29/11/07) o ora apelado deixou de poder usar o veículo automóvel para fins particulares como estava...

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