Acórdão nº 2172/06.1TBGRD.C1.S.1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I – O êxito de uma qualquer acção de reivindicação passa sempre pela verificação de uma aquisição originária na pessoa do A., maxime pela via da usucapião, excepto se houver registo de aquisição e não tiver sido ilidida a presunção prevista no artigo 7º do Código de Registo Predial.

II – Esta só se verifica pela verificação simultânea do corpus e do animus em relação à coisa objecto de acção, e pelo decurso do prazo, consoante a posse seja de boa (15 anos) ou de má fé (20 anos).

III – A simples ocupação ou detenção de um prédio, por virtude da celebração de um contrato-promessa, não é, de per se, suficiente, para se poder falar numa situação de verdadeira posse, a menos que, entretanto, tenha havido inversão do título, altura em que começa a correr o prazo necessário para a verificação da usucapião.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher, BB, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, acção ordinária contra Sociedade de C....... Urbanas do C.......... Lª, pretendendo, por um lado, obter o reconhecimento da qualidade de proprietários de dois lotes de terrenos, e, por outro, a sua condenação a cessar e a abster-se de praticar quaisquer actos que colidam com esse direito e, ainda, no pagamento de quantia a liquidar, a título de indemnização pelos danos causados.

Em suma, alegaram a seu favor a aquisição, por usucapião, dos ditos lotes, por os terem usufruído como seus proprietários, pouco tempo após a outorga de contratos-promessa com a sociedade CC e M..... Lª, sendo que os mesmos foram, posteriormente, vendidos por esta sociedade à R., juntamente com a restante área da Quinta do ....., da qual também faziam parte integrante, que registou a aquisição em seu nome, apresentou à Câmara Municipal projecto de loteamento e, no exercício dos trabalhos de preparação do mesmo, invadiu-os com máquinas, causando-lhes danos.

A R. contestou, por excepção, alegando que os AA. usufruíram os ditos lotes por mera tolerância, e por impugnação, pondo em crise parte da factualidade vertida na petição, terminando por pedir a sua absolvição.

Saneado e condensado, o processo seguiu para julgamento e, findo este, foi proferida sentença, pelo Juiz de Círculo da Guarda, a julgar a acção totalmente improcedente.

Inconformados, apelaram os AA. para o Tribunal da Relação de Coimbra que, depois de alterar a resposta ao quesito 23º, de que resultou a matéria constante de AJ, acabou por revogar o julgado, dando-lhes, desse modo, total razão.

Foi a vez de a R. mostrar a sua irresignação, pedindo revista do aresto ali proferido, o que fez, rematando a sua minuta com as seguintes conclusões: - Na presente acção a causa de pedir invocada pelos AA. – que não pode ser ignorada ou substituída por qualquer outra – consubstanciou-se no seguinte: a sua posse (da qual extraíram a aquisição por usucapião) relativamente aos lotes de terreno melhor identificados nos autos em epígrafe ocorreu por força da traditio operada em consequência dos contratos-promessa de compra e venda celebrados com a CC & M....., Lda., ali intervindo esta última entidade como promitente-vendedora, e eles AA. como promitentes-compradores.

- Ora, atendendo à matéria de facto alegada pelos AA. e aquela que se encontra dada como provada, e atendendo ao que resulta dos documentos juntos aos autos, a sociedade CC & M....., Lda. – entidade que prometeu vender aos AA./recorridos os lotes de terreno ora em apreço – jamais foi proprietária do bem imóvel denominado de «Quinta do .....» (do qual foram extraídos os ditos lotes).

- Acresce que também não foram trazidos aos autos quaisquer factos dos quais resulte que a CC & M....., Lda. fosse possuidora da denominada Quinta do ......

- Do que resulta que jamais a CC & M....., Lda. podia transmitir aos AA. a propriedade ou a posse relativamente a um prédio do qual jamais foi proprietária, ou, sequer, possuidora.

- Admitindo, no entanto, por mera cautela de patrocínio e exercício académico, que a CC & M....., Lda. – promitente-vendedora – tivesse a posse do terreno em questão, uma vez que os AA. obtiveram a sua posse por concessão da promitente-vendedora, fundada na expectativa da futura celebração do contrato de compra e venda, ou, ao menos, por acto próprio fundado na mesma expectativa, e sem oposição da promitente- vendedora, tal posse é uma posse condicional, dependente, na sua subsistência, da celebração daquele contrato.

- Ou seja, os promitentes-compradores (os aqui AA.), ao praticarem os actos possessórios, terão agido como proprietários, mas a título provisório; e terão agido em seu próprio nome e interesse, mas sabendo ou devendo saber que, se a compra e venda se não fizesse, teriam de restituir o prédio ao seu dono.

- Assim, a sua posse não era oponível à promitente-vendedora, para o efeito de poderem os promitentes-compradores recusar a restituição pedida por aquele, e, consequentemente, não era oponível à pessoa a quem aquela veio a vender o prédio.

- Existe, no entanto, uma outra forma de encarar este problema: perante a existência de um contrato-promessa de compra e venda de um bem imóvel, com tradição da coisa (como é o caso dos autos), hão-de ser o acordo de tradição e as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo a determinar a qualificação da detenção.

- Ora, no caso vertente, não foram sequer alegados factos que consubstanciassem tal acordo de tradição.

- Por isso que não podia o mesmo vir a ser objecto de prova (como não foi), e, nessa medida, servir para que os AA./recorridos, arrogando-se beneficiários da tradição da coisa objecto do contrato promessa de compra e venda, pudessem ser reconhecidos como possuidores e não meros detentores da coisa (dos lotes de terreno, entenda-se).

- Acresce que também não foi dado como provado que os AA. houvessem pago, para lá do(s) sinal(ais) (no valor de 224.470$00, e no valor de 500.000$00, respectivamente), qualquer outra importância imputável no preço das coisas prometidas vender, no valor global de 1.100.000$00 e de 1.500.000$00, respectivamente.

- Ou seja, os AA./recorridos não pagaram a totalidade do preço convencionado para as prometidas compras e vendas – o que, só por si, determina a sua falta de razão.

- À data em que foram celebrados com os AA. os contratos-promessa de compra e venda (e com base no qual estes alegam haver adquirido a sua posse), a CC e M....., Lda. não era proprietária ou possuidora da Quinta do .....; e os sócios da CC & M....., Lda. eram apenas proprietários de 4/5 do prédio denominado Quinta do ......

- Ou seja, a CC & M....., Lda., não podia vender aos AA. qualquer lote da Quinta do ..... porquanto esta não lhe pertencia.

- Da mesma forma, a CC & M....., Lda. não era possuidora daquele prédio, nem, tão-pouco, os seus sócios o eram (à data, eram apenas proprietários – e, eventualmente, possuidores – de 4/5 do dito imóvel).

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