Acórdão nº 445/09.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1.Vigorando, no âmbito do recurso de apelação, a regra da substitução da Relação ao tribunal recorrido, nos termos do artigo 715º do CPC, nada obsta a que esta, ao julgar o recurso, possa manter a decisão da 1ª instância que havia julgado improcedente o pedido, embora com suporte num fundamento jurídico que a sentença recorrida não tinha sequer apreciado, por o considerar prejudicado pela solução dada ao litígio.

  1. O tribunal só tem de condenar oficiosamente na restituição do que as partes receberam em consequência do negócio cuja nulidade é decretada quando na acção tiverem sido fixados os respectivos factos materiais, não existindo omissão de pronúncia quando tal restituição não tiver sido determinada num caso em que não ficou plenamente assente qual a causa da entrega de determinado cheque por um dos litigantes ao outro.

  2. As exigências formais contidas no nº 3 do artigo 410º do CC têm natureza imperativa, consubstanciando-se no estabelecimento de uma nulidade atípica do negócio jurídico.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e mulher, BB intentaram, no Tribunal Judicial de Lagos, acção com processo ordinário contra CC e marido, DD, pedindo a execução específica do contrato promessa documentado nos autos , incidente sobre o prédio urbano para habitação sito em Espiche.

    Os réus contestaram, invocando, nomeadamente, que o pretenso acordo , formalizado no documento corporizador da promessa, assentava numa declaração de vontade viciada e inválida e sustentando ainda que o dito contrato estava ferido de nulidade, uma vez que se não conformava com as exigências formuladas pelo nº 3 do art. 410º do CC.

    Seguiram-se os demais articulados e procedeu-se à condensação da matéria litigiosa, vindo a ser proferida sentença em que se concluiu pela «inexistência » do referido contrato promessa, por aplicação do preceituado no art. 246º do CC, já que os declarantes não teriam tido consciência de emitirem uma declaração negocial; e, considerando que tal inexistência do contrato prejudicava o conhecimento da existência das nulidades invocadas, atinentes às formalidades da outorga do contrato promessa, julgou-se a acção improcedente.

  3. Inconformados, interpuseram os autores apelação, tendo a Relação de Évora começado por julgar improcedente a impugnação deduzida quanto à matéria de facto; relativamente ao decidido quanto ao mérito da causa, entendeu a Relação: -que não merecia acolhimento a tese , consagrada na sentença recorrida, da falta de vontade negocial dos réus, aquando da celebração do contrato promessa em causa; -porém, retomando a linha argumentativa sustentada na contestação, entendeu a Relação que o contrato em causa não observou a forma legal, por não conter o reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação pelo notário da existência de licença de utilização do prédio, concluindo nos termos seguintes: O Tribunal recorrido manifestou-se pela improcedência do pedido de execução específica do contrato - promessa, com fundamento na circunstância de os Réus DD e mulher, CC, terem a assinado o contrato objecto dos autos, em Novembro de 2000, sem que se tenham "apercebido do seu conteúdo". Por outras palavras: os ditos Réus teriam outorgado o contrato mencionado na alínea a) dos factos assentes sem que com isso tenham querido emitir a referida declaração negocial.

    Porém, e considerando "(...) os elementos que temos como assentes e provados (...)"25, não se vislumbra como assim possa ter acontecido, pelo que não se subscreve tal juízo.

    Igualmente, e tendo presente os mesmos factos, também não seria de subscrever o referido pelos Réus DD e mulher, CC, em sede de contestação, no que diz respeito a uma alegada divergência entre a declaração e a vontade real, provocada ou não pelo declaratário.

    Assim sendo, não se acolhe a tese consagrada na sentença recorrida de falta de vontade negocial ou, até mesmo, a proposta pelos referidos demandados.

    É inquestionável que o contrato vertido na alínea a) dos factos assentes não observou a forma legal, por não conter o reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação pelo notário da existência da licença de utilização do prédio.

    Igualmente pacifica é a circunstância de a inobservância da forma legal implicar a nulidade do contrato-promessa, que, em princípio, não é invocável pelo promitente-vendedor - tido pelo legislador como presuntivo culpado pela omissão -, seja da falta do reconhecimento presencial das assinaturas, seja da falta da licença ou da sua menção no instrumento da promessa.

    Porém, provando-se que a omissão foi culposamente provocada pelo promitente-comprador, já o promitente-vendedor goza de legitimidade activa para arguir a nulidade da promessa perante a contra-parte.

    Ora, apurando-se que o Autor AA exerce a profissão de advogado, sendo, por sinal, um "profissional conhecido e de renome na praça" e que os Réus DD e mulher, CC, são analfabetos, não era exigível a estes que tivessem procurado um outro advogado para os assistir tecnicamente, por ocasião da feitura do contrato mencionado na alínea a) dos factos assentes, pelo que não podem ser considerados culpados pelas omissões verificadas.

    O culpado é, sem dúvida, o Autor AA, que, apesar de saber que a ausência das formalidades em apreço colocavam em causa a regularidade e eficácia do negócio, com as inerentes consequências, limitou-se a assinar o já mencionado contrato-promessa, sem providenciar pela observância dos citados requisitos formais.

    Gozam, pois, os Réus DD e mulher, CC, de legitimidade activa para arguir, como o fizeram, a nulidade do contrato-promessa de compra e venda constante da alínea a) dos factos assentes.

    Este contrato-promessa está ferido de nulidade, por inobservância da forma legal.

    Sendo nulo, por vício de forma, não é possível o recurso à execução específica.

    Em síntese: em caso de contrato-promessa de compra e venda, que tenha como objecto mediato um prédio urbano, se o promitente - vendedor é analfabeto e o promitente - comprador renomado advogado, é de considerar que a inobservância de formalidades legais, como a falta de reconhecimento presencial das assinaturas e a falta da licença de utilização ou da sua menção no instrumento da promessa, procede de culpa deste último; em tais circunstâncias, o promitente-vendedor goza também de legitimidade activa para arguir a nulidade do contrato perante a contra - parte.

    Improcede, pois, este segmento da apelação.

    Decisão: Pelo exposto, acordam nesta Relação em julgar a apelação, ainda que por outro...

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