Acórdão nº 7439/2000.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 286º, 334º, 1024º Nº 2, 1029º Nº 1 ALÍNEA B). REGIME ARRENDAMENTO URBANO ARTIGO 7º Nº 2 ALÍNEA B) Sumário : I - A inalegabilidade da nulidade de contrato, por inobservância de forma, com fundamento no abuso do direito, pressupõe que não sejam afectados os interesses de terceiros de boa fé (art. 334.º do CC).

II - No caso de contrato verbal de arrendamento para indústria celebrado por comproprietário administrador sem o conhecimento dos demais consortes – contrato nulo conforme arts. 1029.º, n.º 1, al. b), do CC e 7.º, n.º 2, al. b), do RAU, mas também ineficaz quanto aos consortes não contratantes que não deram o seu assentimento conforme art. 1024.º, n.º 2, do CC – o abuso do direito por parte do consorte administrador restringe-se, no âmbito das relações entre ele e o locatário, à paralisação da invocação da nulidade, não à consideração do contrato como válido, pois, se assim não fosse, seriam afectados os interesses de terceiros de boa fé, tal o caso dos demais comproprietários e do adquirente do imóvel.

III - Por isso, face à nulidade do arrendamento, o adquirente do imóvel, que também esteja de boa fé, pode reivindicar com sucesso o imóvel visto que não lhe pode ser oposto um arrendamento válido.

IV - A ineficácia do contrato de arrendamento válido, a que se refere o art. 1024.º, n.º 2, do CC, é uma ineficácia relativa na medida em que o negócio válido praticado por um dos consortes não é oponível aos consortes que não lhe deram o seu consentimento.

V - A inoponibilidade do negócio apenas pode ser invocado pelos consortes; por isso, se estes o não fizerem, cessando a situação de indivisão, não pode o proprietário pretender obter a declaração de ineficácia daquele negócio.

VI - No entanto, tratando-se de nulidade do negócio, esta pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, seja o consorte de boa fé, seja o adquirente do imóvel também de boa fé, podendo ser declarada oficiosamente pelo Tribunal (art. 286.º do CC), constituindo realidades jurídicas diversas, com diversas consequências, a ineficácia e a nulidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA propôs no dia 23-5-2000 a presente acção de reivindicação, em processo declarativo comum, sob a forma ordinária, contra BB.

Deduziu os seguintes pedidos: - Que seja o réu condenado a reconhecer o direito de propriedade da A.

sobre o Casal do Alvito bem como a inexistência de título legítimo que sustente a manutenção da ocupação de uma parcela dessa propriedade por si e a entregar a mesma parcela devoluta de pessoas e bens.

- Que seja condenado a pagar à A. a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos sofridos por esta e pelos benefícios que a A. deixar de obter em resultado da sua recusa de entregar a dita parcela à A.

  1. Alegou ser proprietária de um prédio urbano denominado “Casal do Alvito”, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa, registado a seu favor, na sequência da aquisição desse imóvel aos seus anteriores proprietários, por escritura de compra e venda de 4 de Janeiro de 2000.

    Sucede que esse prédio está ocupado por um número indeterminado de pessoas, que aí construíram barracas e edifícios, onde vivem ou exercem actividades comerciais ou industriais, sem qualquer título legítimo para o efeito.

    Entre essas pessoas está o R., que ocupa uma parcela desse prédio, que se recusa a deixar, apesar de ter sido interpelado para o efeito, por notificação judicial avulsa.

    Acresce que a A. adquiriu o “Casal do Alvito” com o propósito de nele realizar uma operação de reconversão urbanística que permitirá a requalificação da zona, pondo termo ao estado de degradação ambiental e urbanística em que a mesma se encontra.

    Ora a permanência do R. na parcela de terreno por si ocupada está a causar elevados prejuízos, nomeadamente por impedir a execução dos trabalhos de urbanização, com a consequente construção e comercialização dos edifícios a construir, obstando desse modo à rentabilização dos investimentos da A.

  2. Na sua contestação o réu alegou que conheceu CC em finais de 1984, o qual era proprietário do “Casal do Alvito”, em conjunto com os seus irmãos DD, EE e FF, todos filhos de GG, os quais eram os sócios da firma “HH”, a favor da qual eram cobradas todas as rendas do prédio do “Casal do Alvito”, em respeito à vontade expressa pelo pai desses 4 irmãos.

    CC, em finais de Janeiro de 1984, arrendou ao réu uma parcela do terreno, com cerca de 250 m2, pela qual o R. pagava uma renda de 7.500$00 por mês, e que actualmente já se cifra em 14.650$00.

    Em princípios de 1985, o R. edificou ali uma oficina de mecânica de automóveis, com 2 pisos, que vem utilizando como sua exclusiva propriedade, nela fazendo obras de conservação, sem autorização ou oposição de quem quer que fosse, nomeadamente de CC ou dos restantes herdeiros do prédio.

    Sustenta, assim, o réu a improcedência da acção na medida em que dispõe título legítimo de ocupação da parcela que ocupa consistente no contrato de arrendamento.

    Em reconvenção, pede que seja reconhecida a existência do contrato de arrendamento da parcela de terreno do “Casal do Alvito”, com área de 250 m2, pela qual paga uma renda mensal de 14.650$00; e que seja reconhecida a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o edifício existente na aludida parcela de terreno.

  3. Notificada, a A. replicou, impugnando todos os factos alegados em matéria de excepção e reconvenção, por deles não ter conhecimento, sustentando que a “HH” não teria legitimidade para celebrar qualquer contrato de arrendamento com o R., tal como a não tinha CC, sendo nulo o contrato celebrado por consorte, sem o consentimento dos restantes herdeiros ou comproprietários.

    Por outro lado, o contrato de arrendamento seria também nulo por falta de forma, já que, se o R. exerce uma actividade industrial na parcela de terreno que ocupa, tal como alegou, então o contrato teria de ser celebrado por escritura pública ( artigo 1029º n.º 1 al. b) do Código Civil e artigo 7º n.º 2 al. b) do R.A.U.).

    Sustentou ainda que o R. não tem a posse da oficina que alega ocupar, por não a ter adquirido por qualquer modo legítimo, sendo um mero detentor em nome de outrem, gozando da mera tolerância dos anteriores proprietários.

    Em conformidade, concluiu pela improcedência das excepções alegadas e pela sua absolvição dos pedidos reconvencionais formulados.

  4. O R. treplicou relativamente à matéria da alegada nulidade do contrato de arrendamento que celebrou, sustentando a legitimidade para a celebração do contrato e a imputação da culpa pela falta de forma do contrato ao senhorio, nos termos do artigo 1029º n.º 3 do C.C.

  5. Findos os articulados foi designada data para a realização de audiência preliminar, decidindo-se suspender a instância até serem julgadas as acções em que se pedia a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado com a A. pelos anteriores proprietários do “Casal do Alvito”.

  6. Entretanto, o R. veio juntar aos autos articulado superveniente, juntando vários documentos novos e com base neles invocou que o prédio dos autos pertencia há mais de 100 anos à mesma família, que era simultaneamente a detentora do capital social da sociedade “HH”, a qual resultava do casamento de GG com II.

    Ora, o titular desse prédio, pai de EE, DD, FF e CC, havia deixado uma declaração escrita, de que o R. só então tomou conhecimento, da qual resultava a orientação dada aos seus herdeiros, e que sempre foi respeitada, que a administração do “Casal do Alvito” era feita em benefício da sociedade “HH”.

    Assim sendo, CC, que exerceu as funções de cabeça-de-casal, estava legitimado para arrendar parcelas de terreno do “Casal do Alvito” e todos os herdeiros sabiam desse facto, nunca se tendo oposto à vontade de “de cujus”.

    Aliás, os herdeiros reconheceram esses factos ao intentar uma acção judicial de prestação de contas contra CC, sendo que também nunca denunciaram os contratos de arrendamento celebrados por CC, nem como co-herdeiros, nem depois como comproprietários do “Casal do Alvito”, tendo-se se consolidado o contrato de arrendamento do R., nos termos dos artigos 1054.º e 1056.º do C.C..

    Notificada a A. respondeu sustentando a extemporaneidade do articulado superveniente.

  7. Como entretanto foram juntas certidões dos processos que determinaram a suspensão da instância e nos quais foram proferidas sentenças homologatórias das desistência dos pedidos aí formulados, veio a ser declarada a cessação da suspensão da instância por despacho de fls. 713 e admitido liminarmente o articulado superveniente, ordenando-se o cumprimento do contraditório.

    A A. respondeu impugnando os documentos e as conclusões que deles retirou o R., repetindo o entendimento já expresso anteriormente nos seus articulados sobre a legitimidade para ser celebrado o contrato de arrendamento com o R., devendo-se considerar a título subsidiário a caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1051,º al. c) do Código Civil, devendo o R. ser condenado como litigante de má-fé.

    Notificado, o R. respondeu, sustentando a improcedência da excepção da caducidade do contrato de arrendamento, na medida em que o mesmo nunca foi denunciado oportunamente, nos termos dos artigos 1054.º e 1056.º do C.C., sendo que improcederia o pedido de condenação como litigante de má-fé por se ter limitado a alegar factos de que só então teve conhecimento, não tendo alterado a realidade de como as coisas aconteceram.

    Findas estas questões prévias, veio a ser designada nova data para a realização de audiência preliminar, na qual se julgaram prejudicadas as questões relativas às causas prejudiciais e a questão da inadmissibilidade dos articulados supervenientes face à sua admissão por despacho de fls. 713, sendo ainda admitidos os pedidos reconvencionais deduzidos pelo R.

  8. A acção foi julgada procedente nos seguintes...

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