Acórdão nº 09S0374 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1. Face ao preceituado no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, no âmbito do contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas, a ausência de manifestação expressa da vontade das partes quanto à renovação do contrato, durante o período de execução do mesmo, não tem como consequência a renovação automática por igual período, pelo que, vencido o respectivo prazo de duração, opera-se a caducidade do contrato independentemente de declaração negocial nesse sentido.

  1. A circunstância do empregador ter sustentado a nulidade da relação laboral de facto mantida depois de verificada a caducidade do contrato de trabalho a termo celebrado não é decisiva para que se possa consubstanciar a existência de abuso de direito, na medida em que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664.º do Código de Processo Civil) e, por outro lado, a nulidade da relação laboral que subsistiu após a caducidade daquele contrato de trabalho a termo, além de invocável a todo o tempo por qualquer interessado, pode ser declarada oficiosamente (artigo 286.º do Código Civil).

  2. Assente, por um lado, que o contrato de trabalho em apreço, celebrado em 3 de Junho de 2004, pelo prazo de seis meses, não foi objecto de renovação e caducou em 3 de Dezembro de 2004 e, por outro lado, que a manutenção da relação laboral, até 15 de Julho de 2006, depois de verificada a caducidade do questionado contrato de trabalho, enferma de nulidade, à cessação da relação de trabalho em causa, antes da declaração oficiosa da sua nulidade, aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, por força do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.

  3. O despedimento, independentemente do motivo que lhe esteja subjacente, caracteriza-se por ser uma decisão unilateral do empregador, que assenta numa resolução, também unilateral, que, sendo embora vinculada, aquele é livre de tomar ou de deixar de tomar, por depender exclusivamente da sua iniciativa.

  4. Não configura uma situação de despedimento a comunicação endereçada pelo empregador ao trabalhador, informando-o que não podia continuar a receber o seu trabalho, por ter cessado, em 31 de Maio de 2006, o projecto da Rede Social aprovado e financiado em 100% pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, projecto no âmbito do qual tinha sido celebrado o contrato de trabalho a termo certo em causa, e, ainda, por terminar, em 15 de Julho de 2006, o prazo complementar de 45 dias, que «era o período máximo permitido para a apresentação do relatório final do projecto», porque fundamentada nos precisos termos do Programa de Apoio à Implementação da Rede Social regulamentado no Despacho Normativo n.º 8/2002 do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, programa que foi desenvolvido pelo réu, em parceria com a Segurança Social.

    Decisão Texto Integral: Processo n.º 374/09 (Revista) – 4.ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 14 de Setembro de 2006, no Tribunal do Trabalho de Bragança, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra o MUNICÍPIO DE MIRANDA DO DOURO [referido, na petição inicial, como Câmara Municipal de Miranda do Douro], pedindo a condenação do réu a: (1) reconhecer a ilicitude «do despedimento/resolução unilateral do contrato a termo efectuado perante a A.», no dia 15 de Julho de 2006; (2) reconhecer que o mesmo contrato de trabalho a termo, celebrado em 3 de Junho de 2004, só caducaria em 3 de Junho de 2010; (3) pagar-lhe indemnização não inferior ao montante correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao termo do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, se aquele termo ocorrer posteriormente; (4) proceder à sua reintegração no posto de trabalho, sem prejuízo da categoria, caso o termo do contrato ocorra depois do trânsito em julgado da decisão do tribunal; (5) pagar-lhe, findo que seja o contrato a termo, por caducidade, uma compensação correspondente a três dias de retribuição base e diuturnidades, por cada mês de duração de todo o vínculo laboral; (6) em alternativa a este último pedido e para o caso de se considerar válida a resolução do contrato operada pelo réu, em 15 de Julho de 2006, pagar-lhe, desde já, o referido montante de compensação pela caducidade do contrato a termo; (7) pagar-lhe a quantia de € 2.556,19, relativa a 13 dias de férias não gozadas e ao subsídio de férias, vencido em 1 de Janeiro de 2006; (8) pagar-lhe a quantia de € 1.189,14, a título de diferenças salariais não pagas, respeitantes aos proporcionais correspondentes a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho prestado entre 1 de Janeiro e 15 de Julho de 2006; (9) pagar-lhe € 1.000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; (10) pagar-lhe a importância correspondente a juros de mora liquidados sobre a totalidade das quantias referidas, vencidos desde a data da respectiva constituição em mora e vincendos, até integral e efectivo pagamento; (11) não proceder a nova contratação a termo para o exercício de funções a cargo da autora ou, no caso de se verificar uma contratação sem termo para o mesmo lugar, o pagamento da indemnização a que alude o artigo 135.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

    Alegou, em suma, que foi admitida ao serviço do réu, mediante contrato de trabalho a termo, celebrado em 7 de Abril de 2000, pelo período de 12 meses, para desempenhar as funções de socióloga, sendo tal contrato objecto de duas renovações, até que, em 31 de Maio de 2002, ajustou um novo contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses, com início em 3 de Junho de 2002, para o exercício das mesmas funções; este contrato perdurou até 3 de Junho de 2004, data em que celebrou novo contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses, objecto de quatro renovações: 3 de Dezembro de 2004, 3 de Junho de 2005, 3 de Dezembro de 2005 e 3 de Junho de 2006; o réu, por missiva recebida em 22 de Junho de 2006, informou-a que apenas pretendia prolongar o contrato por mais 45 dias, a contar de 31 de Maio, do que discordou, sendo que o réu, em 14 de Julho seguinte, informou-a que o contrato terminava em 15 de Julho de 2006, fazendo cessar a relação laboral.

    Ora, de acordo com o disposto no artigo 139.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o contrato não poderia ter sido renovado mais de duas vezes, pelo que lhe assistiria o direito do mesmo ser considerado como sem termo, nos termos dos artigos 132.º, n.º 3, 140.º, n.º 4 e 141.º do Código do Trabalho; porém, conforme o artigo 10.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, o contrato a termo resolutivo não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, antes caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho, ou seja, no prazo de seis anos (artigo 139.º, n.º 2, do Código do Trabalho), daí que, tendo o contrato sido celebrado em 3 de Junho de 2004, o mesmo só caducaria em 3 de Junho de 2010, consubstanciando a resolução operada pela ré um despedimento ilícito.

    Mais aduziu: que só gozou 9 dias das férias vencidas em Janeiro de 2006 e não recebeu o subsídio de férias respectivo, sendo-lhe ainda devido, pelo trabalho prestado entre 1 de Janeiro de 2006 e 15 de Julho de 2006, os proporcionais de férias não gozadas e subsídios de férias e de Natal; que o despedimento causou-lhe danos não patrimoniais e que o réu contratou outra pessoa para exercer as suas funções.

    O réu contestou, alegando, em resumo, que o contrato de trabalho celebrado em 7 de Abril de 2000 visou preencher o lugar de sociólogo no Gabinete Técnico Local de Miranda do Doutro (GTL), tratando-se de desenvolver um projecto novo (o primeiro Gabinete Técnico Local de Miranda do Douro foi constituído por protocolo firmado em 24 de Julho de 1999, vigorando por um ano); em 2002, foi celebrado novo protocolo, que incidia sobre o Centro Histórico e vigorou também por um ano, tendo a autora sido contratada pela ré, em 31 de Maio de 2002, através do segundo contrato de trabalho a termo certo, sendo que a referência à alínea d) do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, constante de tal contrato, constitui mero lapso, uma vez que «[a] actividade a desenvolver e a motivação dos contratos celebrados para o efeito poderiam inserir-se nas alíneas c) ou e) do referido artigo 18.º, mas não na alínea d)»; entretanto, apresentou candidatura ao programa de Apoio à Implementação da Rede Social, em parceria com a Segurança Social, projecto esse que durava até 31 de Maio de 2006, tendo, para o efeito, celebrado com a autora o contrato de trabalho a termo certo de 3 de Junho de 2004, sendo os custos respectivos suportados pela Segurança Social, e onde consta, igualmente por lapso, a referência à alínea d) do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89.

    Alegou, ainda, que não celebrou com a autora outro contrato para além dos três referidos, que, em todos, a autora manteve-se em funções para além do prazo estipulado (no último, um mês e meio para além do prazo do projecto porque deveria elaborar o relatório final até 31 de Maio e não o fez) e que, segundo os artigos 10.º, n.os 1 e 3, e 8.º, n.os 1 e 3, da Lei n.º 23/2004, a manutenção da relação laboral no período posterior ao do prazo do contrato tem como consequência a nulidade do contrato de trabalho e a aplicação do disposto no artigo 115.º do Código do Trabalho, nada havendo a pagar à autora, já que esta recebeu as remunerações devidas em relação ao tempo em que o contrato esteve em execução.

    E acrescentou que pagou, a título de subsídios de férias e de Natal relativos ao ano de 2006, para além das quantias de € 617,01 x 2 (referidas...

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