Acórdão nº 586/05.3PBBRR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO EM PARTE Sumário : I-Não enferma de nulidade o acórdão da 1.ª instância que condenou o recorrente, pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.°, n.º 1, do CP, pelo qual não havia sido acusado, se da acta de julgamento consta ter sido o arguido notificado, nos termos do art. 358.°, n.ºs 1 e 3, do CPP, de que os factos descritos na acusação, a provarem-se, integrariam a prática daquele crime (além de um crime de sequestro agravado, pelo qual viria também a ser condenado em julgamento e não o crime de sequestro simples, que lhe era imputado na acusação), e lhe foi dada a oportunidade de se defender da nova imputação, nos termos da disposição legal supra citada.

II- A infracção do formalismo referido no art. 147.º do CPP, no que respeita ao auto de reconhecimento, configura nulidade (se não mesmo mera irregularidade) processual, que não é de conhecimento oficioso, ficando sanada se não for arguida até ao final do inquérito - art. 120.°, n.º 3, al. c), do CPP.

III-Existe concurso aparente, na modalidade de consumpção, quando a protecção concedida por um tipo legal abrange ou abarca (consome) a que é concedida por outro tipo legal de crime. Exemplo típico é a relação que se estabelece entre os crimes de roubo e de sequestro, já que o roubo, que é simultaneamente um crime contra as pessoas e contra a propriedade, frequentemente envolve a privação parcial ou total do ofendido como meio indispensável à sua consumação. Todavia, sempre que ela exceda o que é necessário e proporcional à consumação do roubo, a privação da liberdade do ofendido exige e adquire protecção autónoma, através da protecção do crime de sequestro.

IV- O crime de burla informática é um crime especial de burla, cuja especificidade reside no processo vinculado de execução, que assenta na manipulação do sistema informático por uma das seguintes formas: interferência no resultado ou estruturação incorrecta de programa, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou qualquer intervenção não autorizada de processamento.

V-A burla informática, tal como a burla geral, assenta necessariamente num artifício, engano ou erro consciente, mas, contrariamente ao tipo geral, esse expediente não se dirige à manipulação da vontade de uma pessoa, antes pela utilização (obrigatoriamente) de um daqueles procedimentos, que se traduz no uso abusivo do sistema de dados ou de tratamento informático, e consequentemente, na manipulação do funcionamento do sistema informático, em ordem à obtenção de um enriquecimento patrimonial ilícito.

VI-O levantamento de quantias em dinheiro através da utilização dos cartões, obtidos com os respectivos códigos, por meio de violência, constitui simplesmente a consumação da apropriação violenta, ou seja, a consumação do crime de roubo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA, com os sinais dos autos, foi condenado pelo Tribunal Colectivo do 2º Juízo Criminal do Seixal pela prática, em co-autoria material, de - um crime de roubo agravado, p. p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, b) e 204º, nºs 1, a) e 2, f) do Código Penal (CP) na pena de 10 anos de prisão; - um crime de sequestro agravado, p. p. pelo art. 158º, nºs 1 e 2, b) do CP, na pena de 4 anos de prisão; - um crime de burla informática, p. p. pelo art. 221º, nº 1 do CP, na pena de 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 anos de prisão.

Desta decisão recorreu o arguido, que conclui desta forma a sua motivação: A. 1. Nulidade do Acórdão.

  1. O acórdão recorrido enferma de nulidade, porquanto condenou o arguido pela prática, em co-autoria, dos crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art° 210° n° 1 e n° 2, al. b), com referência ao art° 204°, n° 1, al. a) e n° 2, al. f) e de um crime de sequestro, p. e p. pelo art° 158°, n° 1, todos do C. Penal e um crime de burla informática.

  2. Na acusação não é imputado ao arguido a prática, em co-autoria, ou de outra forma, do crime de burla informática, p. e p. no art° 221° do C.P.

  3. Logo não pode o mesmo ser condenado pela prática daquele crime.

    1. A falta da acusação do arguido pela prática do crime de burla informática é compreensível e juridicamente justificada, uma vez que entendeu, e muito bem, o Digno Magistrado do Ministério Público que o crime de burla informática havia sido consumido pelo crime de roubo.

    2. Daí que o Acórdão recorrido e no qual o arguido é condenado pelo crime de burla informática é nulo, violando o mesmo o disposto no art° 379° n° 1 al. b) do C.P.P.

    1. 1. Não pode o auto de reconhecimento ser valorado como meio de prova, porque de acordo com o conteúdo do mesmo o reconhecimento não obedeceu às regras mínimas do art° 147° do C.P.P.

  4. É referido no auto de reconhecimento que a linha de reconhecimento é formada por dois agentes da P.J. e pelos dois arguidos, colocados uns e outros lado a lado entre si.

  5. Não é referido que foi dito ao ofendido que entre aquelas pessoas podem não estar presentes os arguidos.

  6. Não foram trocadas as posições dos arguidos e colocados mais elementos na linha de reconhecimento, atento o número de arguidos.

    1. Não respeitando o reconhecimento o mínimo das regras previstas no art° 147° do C.P. P. não pode ser aceite como meio de prova, e assim ser valorizado no sentido em que o foi (art° 147° n° 7 do C.P.P.).

    1. 1. Foi o arguido condenado na pena de 14 anos de prisão.

  7. A pena de prisão visa a protecção de bens jurídicos e reinserção do arguido na sociedade, aos vários níveis; b) Por isso a determinação da medida da pena deve ser encontrada entre a medida da culpa do arguido que não pode ser ultrapassada e o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas da...

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