Acórdão nº 2554/04.3TBACB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO Legislação Nacional: ARTºS 400 Nº 1 C)D)E)F) E 432 Nº 1 C) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (LEI 48/2007, DE 29/8); ARTº 9º DO CÓDIGO CIVIL Sumário : I - O caso de acórdão da Relação absolutório, não confirmatório, sendo que a condenação em 1.ª instância o foi em pena não privativa de liberdade (em pena de multa), não cabe em nenhuma das als. do art. 400.º do CPP, atendendo à nova versão da lei adjectiva penal decorrente da Lei 48/2007, de 29-08.

II - Poderá colocar-se a questão de saber se, em face da lacuna da lei, poderá afirmar-se a recorribilidade, por argumento a contrario, à luz da al. d), visto tratar-se de decisão absolutória proferida, em recurso, pela Relação, mas que não confirma a de 1.ª instância, ou tendo por base a al. e), no caso, por o acórdão recorrido não ter aplicado pena não privativa da liberdade.

III - Das als. supra referidas, apenas a al. b) manteve a redacção anterior e no que toca à al. e), a inadmissibilidade de recurso colocava-se dantes relativamente a “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o MP tenha usado da faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3”.

IV - Este círculo de irrecorribilidade assim definido teria de ser tido em conta na interpretação da al. d), no sentido de que a recorribilidade de um acórdão absolutório da Relação que não confirmasse a decisão de 1.ª instância, só ganharia viabilidade recursória se e quando se não contivesse nos limites da al. e), ou seja, quando o crime em questão ultrapassasse o nível ou escalão de criminalidade ali acolhido e definido em razão da moldura penal.

V - É de ter em conta o pensamento legislativo de restringir os recursos, limitando-os aos casos de maior complexidade e importância, deles se excluindo a média e pequena criminalidade, e procurar simplificar o sistema, abolindo concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso.

VI - O Tribunal da Relação encerra, atento o disposto nos art. 427.º e 428.º do CPP, o ciclo do julgamento das decisões proferidas por tribunal singular.

VII - Seria incongruente que, como resulta do art. 432.º, al. c), do CPP, relativamente a acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou tribunal colectivo que aplicassem penas de prisão até 5 anos – independentemente da penalidade – não houvesse recurso para o STJ e se possibilitasse um duplo grau de recurso de decisões proferidas por tribunal singular.

VIII - A mesma incoerência se detectaria em caso de acórdão da Relação que confirme acórdão de colectivo que aplique pena de prisão efectiva inferior a 8 anos, pois nesse caso estará vedado o recurso nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º.

IX - É de concluir que a intervenção do STJ se verifica a partir da aplicação de pena superior a 5 anos.

Decisão Texto Integral: No âmbito do processo comum singular com o nº 2554/04.3TBACB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça foi submetido a julgamento o arguido AA, filho de M… H… e de P… F… D…, nascido a …-…-19…, em Aljubarrota, Alcobaça, casado, empregado bancário, residente na R…da V…, nº …, CCI, …, M…, Aljubarrota.

No despacho de pronúncia foi-lhe imputada a prática, na forma consumada, como autor imediato, em concurso efectivo e real, de: - um crime de devassa por meio de informática, agravado, p. e p. pelos artigos 193°, nº 1 e 197°, alínea a), do Código Penal; - um crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, p. e p. pelo artigo 5°, nº 1, da Lei nº 109/91, de 17-08.

A BB, constituiu-se assistente nos autos.

No dia aprazado para leitura de sentença, como consta da acta respectiva – cfr. fls. 933 e 953 a 957 - procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos, imputando-se ao arguido, em vez de um crime de devassa por meio de informática, agravado, p. e p. pelos artigos 193°, nº 1 e 197°, alínea a), do Código Penal, um crime de acesso ilegítimo a sistema ou rede informáticos, p. e p. pelo artigo 7º, nº 1, da Lei n.º 109/91, de 17-08 (Lei da Criminalidade Informática), mantendo-se a demais qualificação jurídica, a que se seguiu audição dos Mandatários presentes, e do arguido, sendo este, relativamente às suas condições económicas, e como consta da acta “De seguida, a Mmª Juiz procedeu à leitura da sentença”.

Por sentença de 16 de Abril de 2008, junta de fls. 934 a 952, foi decidido: 1. Absolver o arguido pela prática de um crime de devassa por meio de informática, agravado, p. e p. pelos artigos 193°, nº 1 e 197°, alínea a), do Código Penal; 2. Condenar o arguido pela prática de: 2.1 - Um crime de acesso ilegítimo a sistema informático, p. e p. pelo artigo 7º, nº 1, da Lei n.º 109/91, de 17de Agosto (Lei da Criminalidade Informática), na pena de 60 (sessenta) dias de multa; 2.2 - Um crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, p. e p. pelo artigo 5°, nº 1, da mesma Lei nº 109/91, na pena de 100 (cem) dias de multa; 3. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), perfazendo o total de € 1300 (mil e trezentos euros), a que correspondem, subsidiariamente, 86 (oitenta e seis) dias de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra versando matéria de facto e de direito.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-12-2008, constante de fls.1150 a 1196, foi deliberado conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença na parte em que condena o arguido pelo crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, p. p. pelo artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 109/91, dele absolvendo o arguido e revogando o cúmulo jurídico na parte em que engloba a pena aplicada por tal crime, bem como rectificar o ponto 9 da descrição da matéria de facto (rectificação constante de fls. 1184, consistente na seguinte alteração: onde se lê “Até 23.12.2002 o arguido (…)” deve ler-se “Quando apresentou a carta referida em 7, na data ali referida, o arguido (…)” e negar provimento ao recurso em tudo o mais, mantendo-se a condenação e pena aplicada pela prática do crime de acesso ilegítimo a sistema informático, p. p. pelo artigo 7º, n.º 1, da Lei 109/91.

O arguido arguiu nulidade do acórdão, conforme fls. 1203 a 1205, a que correspondeu o Ministério Público a fls. 1211/2.

A assistente interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 1214 a 1234 e em original de fls. 1237 a 1257, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição): A) Vem o presente recurso interposto do Acórdão da Relação de Coimbra que revogou parcialmente a sentença recorrida, absolvendo o Arguido do crime de dano crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, previsto e punido nos termos do artigo 5.°, n.° 1 da Lei da Criminalidade Informática; B) Dispõe o questionado artigo 5.°, n.° 1 da Lei da Criminalidade Informática que: "Quem, sem para tanto estar autorizado, e actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo para si ou para terceiros, apagar, destruir, no todo ou em parte, danificar, suprimir ou tornar não utilizáveis dados ou programas informáticos alheios ou, por qualquer forma, lhes afectar a capacidade de uso será punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa."; C) Começa o Acórdão recorrido por dizer, "que a matéria de facto susceptível de integrar o questionado crime de dano - é apenas - a descrita no ponto 10 da matéria provada. Só esse ponto 10 se reporta ao "apagamento/inutilização" de ficheiros." D) Consta no ponto 10 da matéria de facto dada como provada que "De seguida, o arguido apagou, no seu terminal de computador e no backup do servidor da BB, a pasta "H…" que continha minutas de cartas de vários tipos, elaboradas pelo arguido ao longo dos anos de serviço, dados e informações úteis à actividade da BB, impedindo, desta forma, que para o futuro, a BB os pudesse voltar a utilizar." E) Atentando nos vários elementos típicos do crime, veja-se que também ponto 14 da matéria de facto provada, bem como a alínea A) da matéria de facto não provada constituem factos susceptíveis de integrar o ilícito criminal em questão; F) Pelos factos em questão, só poderia ter sido dado como provado o crime de dano relativo a dados ou programas informáticos. Veja-se que: (i) Quem, sem para tanto estar autorizado — vide ponto 14, segunda parte dos factos provados: "Apagou deliberadamente a pasta referida em 9."; (ii) e actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo para si ou para terceiros — vide ponto 14, segunda dos factos provados:" com intenção concretizada de privar dela a BB, e em prejuízo desta..." iii) apagar, destruir, no todo ou em parte, danificar, suprimir ou tornar não utilizáveis dados ou programas informáticos alheios ou, por qualquer forma, lhes afectar a capacidade de uso —vide ponto 10 dos factos provados: o arguido apagou, no seu terminal de computador e no backup do servidor da BB, a pasta "H…" que continha minutas de cartas de vários tipos, elaboradas peio arguido ao longo dos anos de serviço, dados e informações úteis à actividade da BB, impedindo, desta forma, que para o futuro, a BB os pudesse voltar a utilizar."; e ponto 14, segunda parte...

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