Acórdão nº 5033/04.5TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Sumário : 1. Anteriormente às alterações introduzidas no regime da propriedade horizontal pelo Dec-lei 267/94, de 25/10, não se incluía na esfera de competência da administração do condomínio o direito de deliberação sobre o uso das fracções autónomas. Só com as alterações introduzidas no art. 1418º do CC pelo citado diploma passou o regulamento do condomínio – e apenas no caso de se integrar no título constitutivo da propriedade horizontal (n.º 2, al. b) do citado art.) – a poder disciplinar o uso, quer das partes comuns quer das fracções autónomas.

2. O mais comum significado do termo loja é o de “estabelecimento comercial para venda de mercadorias ao público”, o de “local onde se exerce o comércio”.

Esse é também o sentido em que o emprega a própria lei, no art. 95º, n.º 2 do Cód. Comercial.

3. Tendo sido alterada, em 2002, a escritura de constituição da propriedade horizontal de um prédio, em termos de alterar o destino de uma fracção, inicialmente destinada a garagem, para o de “loja”, não pode essa fracção, com base em tal alteração, ser afectada a sala de jogo de bingo.

4. O jogo do bingo é um jogo de fortuna ou de azar não bancado, cuja exploração pode ser concessionada para salas de jogo de bingo, cujo regime tem como referencial o regime das salas de espectáculos, antes que o regime geral dos estabelecimentos comerciais.

5. O jogo do bingo não representa o exercício do comércio nem traduz a prática de actos ou actividades de comércio: as normas que regem a sua exploração e prática – normas de interesse e ordem pública – situam-se noa antípodas das regras que disciplinam a actividade comercial.

6. Têm de ser autorizadas pela assembleia de condóminos (art. 1425º do CC) as obras que constituam inovações.

7. Em sede de apuramento da validade das deliberações da assembleia de condóminos, não cabe ao tribunal sindicar o mérito destas, a sua bondade, mas tão só averiguar se elas são ou não «contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados»; não constitui fundamento de impugnação o facto de a deliberação não corresponder aos interesses de um qualquer condómino.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

S... – Empreendimentos Turísticos, S.A.

intentou, em 17.08.2004, pela 3ª Vara Cível de Lisboa, contra G... – Sociedade Gestora de Prédios, L.da, acção com processo ordinário, pedindo, na qualidade de locatária financeira da fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão direito do prédio urbano sito em Lisboa, na Av. da República n.os ... a ...-C, a anulação de deliberações sociais, que identifica, tomadas na Assembleia de Condóminos de 29 de Julho de 2004.

Para tanto alega, em síntese: O Condomínio, através das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 29 de Julho de 2004, cuja anulação se requer, pretende impedir a realização de obras na aludida fracção autónoma e impedir a utilização dessa fracção para o fim pretendido pela autora ou seja, a instalação de uma sala de Bingo; A dita fracção é descrita na escritura pública de constituição da propriedade horizontal e respectivo registo predial como sendo “uma vasta ocupação destinada a garagem, com acesso directo à via pública, do lado direito daquela entrada principal, com acesso directo da via pública, e se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, para esse efeito coberto por um terraço” e ainda: “B) - Garagem, no lado direito do rés-do-chão, com área total de 781,89 m2 e que se prolonga pelo espaço correspondente ao logradouro posterior, para esse efeito coberto por um terraço”; Essa fracção foi inicialmente utilizada como garagem, tendo, para tanto, sido coberta por um terraço, dispondo de clarabóias distribuídas por praticamente toda a cobertura, mas posteriormente a sua finalidade foi alterada e em consequência emitida, para esse efeito, em 29 de Junho de 1977, pela Câmara Municipal de Lisboa, licença de utilização identificando-a como sendo “uma loja com arrecadação ao mesmo nível na zona de tardoz sendo a entrada feita pelo n.º 62-A e tendo mais de 100 m2”; Mais tarde, aquele mesmo espaço foi adquirido por um terceiro e transformado num estabelecimento aberto ao público, o que exigiu do respectivo proprietário a implementação de medidas de adequação do terraço de cobertura da fracção a esta utilização, designadamente pelo fecho de quase todas as clarabóias existentes, à excepção de cinco que foram cobertas – com vista a assegurar as condições de funcionamento do estabelecimento – e exigindo, igualmente a abertura de duas portas de emergência, uma com saída para a cobertura da fracção e outra para o logradouro da porteira, saídas de emergência estas que foram aprovadas pelo condomínio; Entretanto, constatou-se que a finalidade da fracção, já com licença de utilização para “loja” e utilizada precisamente para esse fim, não estava conforme com a escritura de propriedade horizontal, razão por que foi outorgada, em 05.07.2002, escritura pública de alteração da propriedade horizontal, com base em deliberação unânime dos Condóminos e despacho camarário de 24.06.2002; Mais tarde a ora demandante, após a celebração do contrato de locação financeira, requereu junto da Câmara Municipal de Lisboa o licenciamento de um projecto de Operação de Alteração, de que resultou a emissão, em 18 de Maio de 2004, do Alvará de Licença de Outras Obras n.º 202/EO/2004; Em 20.05.2004, a autora informou a Administração do Condomínio do início das obras, no interior e exterior da fracção, juntando, nessa comunicação, planta relativa aos trabalhos a executar no interior e na cobertura da mesma; Nessa mesma carta a autora chamou a atenção do Condomínio para a descontinuidade dos caminhos de evacuação; Ainda nos finais de Maio de 2004 a autora deu início aos trabalhos na sua fracção, conforme estava previsto na referida comunicação, sem que os Condóminos tenham manifestado qualquer oposição; Em 03.06.2004 realizou-se uma Assembleia de Condóminos Extraordinária, convocada pela Administração do Condomínio com a seguinte Ordem de Trabalhos: “1 – Pedido de autorização do condómino da Loja A, fracção “B”, para fazer obras nas partes comuns do edifício; 2 – Outros assuntos de interesse para o Condomínio”; Nessa Assembleia de Condóminos não chegou a ser tomada qualquer deliberação, tendo sido decidido suspender os trabalhos da Assembleia para que a Administração do Condomínio obtivesse um parecer jurídico sobre a finalidade que a autora pretende dar à sua fracção, fazendo depender disso a aprovação (ou não) de quaisquer obras; Em 16.07.2004 a Administração do Condomínio convocou, finalmente, a continuação dos trabalhos da Assembleia iniciada em 03 de Junho, a qual foi agendada para 29.07.2004; A autora, pretende, pela presente acção, anular os efeitos das seguintes deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos desse dia 29 de Julho de 2004, dado que as mesmas violam diversas disposições legais e o Regulamento do Condomínio: “5ª deliberação – não aprovação do pedido de autorização, apresentado pela autora, para execução de obras inerentes às saídas de evacuação, mais precisamente a alteração no muro do logradouro da porteira, o portão da entrada da garagem do Edifício e os pontos de iluminação de emergência, para efeitos do Regulamento de Segurança contra Incêndios; 7ª deliberação – não aprovação de qualquer obra ou trabalho nas partes comuns do Edifício, incluindo as já efectuadas no terraço, devendo as construções ali existentes e não autorizadas pelo Condomínio ser imediatamente removidas; 8ª deliberação – não discussão de quaisquer assuntos no âmbito deste ponto da Ordem de Trabalhos, implicando a rejeição da apresentação, pela autora, de dois assuntos neste ponto da Ordem de Trabalhos – “1º assunto: resultado da vistoria dos Bombeiros efectuada à fracção “B” para verificação da conformidade do executado ao projecto licenciado pelas autoridades; e 2º assunto: proposta de contrapartidas, com base nos elementos enviados, a ser apreciada em Assembleia; 9ª deliberação – não aprovação da instalação e funcionamento no prédio da sala de jogo do bingo; 11ª deliberação – atribuição à Administração de poderes para, em representação do Condomínio, promover, constituindo para o efeito mandatário judicial, os procedimentos judiciais necessários a impedir o exercício da actividade da sala de jogo do bingo na fracção “B” do prédio, designadamente através de acção judicial destinada a declarar a ilegalidade, face ao Regulamento de Condomínio e ao Título Constitutivo de Propriedade Horizontal, da referida actividade, na fracção autónoma que tem por objecto “loja”, bem como outras acções que se venham a considerar úteis para o mesmo fim.” A origem de todo o problema e destas deliberações reside única e exclusivamente na utilização que a autora pretendia e pretende dar à sua fracção, já que pretende instalar nela uma sala de jogo do bingo, o que desagrada aos condóminos; A autora tem neste momento a sua obra quase terminada e pronta a ser vistoriada para efeitos do seu licenciamento, só não o obtendo por se encontrar em falta o caminho de evacuação alternativo que, em termos meramente residuais, contende com as partes comuns do Edifício, construção esta que tem merecido a discordância dos Condóminos.

A demandada apresentou contestação alegando, em síntese, que a autora decidiu instalar na fracção B do prédio dos autos, uma sala de jogo de bingo e, à revelia dos restantes condóminos e do condomínio, elaborou projectos que implicavam intervenções em zonas comuns do edifício, requereu alvarás, e licenciamentos.

Ora, os condóminos não são obrigados a aceitar a instalação, no prédio, de uma actividade que funciona todos os dias até às 03.00 horas da madrugada e contende, objectivamente, com o direito ao sossego, à privacidade e ao descanso dos residentes e também não são obrigados a aceitar que um condómino invada as zonas comuns do edifício, nelas intervindo a seu bel-prazer e...

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