Acórdão nº 267/09.9YFLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Legislação Nacional: ARTºS 6º Nº 1 E 3, 260º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, ARTºS 280º Nº 1, 294º E 595º DO CÓDIGO CIVIL Sumário : 1. Não existe uma incapacidade absoluta das sociedades para a prática de liberalidades. Apenas na ponderação do circunstancialismo que acompanhou a situação concreta se deve aferir da licitude, ou não, da liberalidade efectuada pelos órgãos sociais da sociedade.

As sociedades podem validamente praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante, ainda que deles não decorra uma vantagem económica imediata. Basta que haja o objectivo de ser alcançado um fim conveniente à prossecução de vantagens de cariz económico da sociedade e não de proporcionar uma vantagem ao credor garantido.

  1. Ao assumir uma ré como sua a obrigação de uma co-ré, mas continuando esta vinculada à sua satisfação, estamos perante uma assunção cumulativa de dívida ou co-assunção de dívida, respondendo os dois devedores solidariamente – nº 2, parte final, do art. 595º C.Civil. Não houve transmissão de dívida; apenas se juntou um novo devedor ao antigo.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório L… – P… A…, S.A., intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra - L… – S… DE P… L…, LDª; - Q… – I… DE L..., LDª; e - AA, pedindo que sejam condenadas solidariamente: a. a pagarem-lhe a quantia de € 73.428,47, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 15.787,12, e vincendos até integral e efectivo pagamento; b. as 2ª e 3ª rés, a pagarem-lhe a quantia de € 79.667,00, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 17.935,17, e vincendos até integral e efectivo pagamento.

    Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que, no exercício da sua actividade, vendeu regularmente à ré L… – S… DE P… L…, LDª, desde o início de 1997 até fins de Agosto de 1999, leite a granel, que esta depois utilizava na produção, distribuição e comercialização de queijo, ascendendo o valor desse fornecimento a € 127.023,58, estando neste momento ainda em dívida a quantia de € 73.428,47.

    A partir de 1 de Setembro de 1999, passou a vender à ré Q… – I… DE L..., LDª, que deu continuidade à actividade até aí desenvolvida pela co-ré L… – S… DE P… L…, LDª, leite a granel que ela igualmente utilizava na produção, distribuição e comercialização de queijo, ascendendo o valor desse fornecimento a € 79.711,89, estando neste momento ainda em dívida a quantia de € 79.667,00.

    E que a ré AA, em nome e representação da co-ré Q… – I… DE L..., LDª, assumiu para esta a dívida da L… – S… DE P… L…, LDª, assim como lhe garantiu o pagamento desta dívida, bem como da dívida resultante dos fornecimentos feitos à Q… – I… DE L..., LDª.

    Contestou apenas a ré Q… – I… DE L..., LDª, alegando que é estranha aos fornecimentos feitos à ré L… – S… DE P… L…, LDª, que não garantiu o pagamento da dívida desta ré e que os fornecimentos feitos directamente a si foram integralmente pagos.

    Replicou o ainda a autora para manter o já vertido na petição inicial.

    Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, prosseguiu o processo para julgamento.

    Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenadas: - as rés, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de € 73.428,47 acrescida de juros de mora vencidos desde 31.12.2001 até 03.10.2003, no montante de € 15.787,12, e vincendos desde 03.10.2003 até ao integral pagamento do valor de capital; - as 2ª e 3ª rés, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de € 79.667,00, acrescida de juros de mora desde a citação da 2ª ré até integral pagamento do valor do capital.

    Inconformadas com o assim decidido apelaram as rés Q… – I… DE L..., LDª e AA, e com êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto absolveu aquela ré do pagamento solidário com as co-rés da dívida resultante dos fornecimentos da autora à ré L… – S… DE P… L…, LDª e absolveu a ré AA dos pedidos contra si formulados, determinando-se ainda que lhe fossem restituídas as quantias que ela pagara à autora, no montante de € 21.947,72; e ficaram as rés L… – S… DE P… L…, LDª e Q… – I… DE L..., LDª condenadas a pagar à autora as quantias resultantes dos fornecimentos que a cada uma lhes fizera e ainda em dívida.

    Irresignada é a vez de recorrer agora a autora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça pugnando pela manutenção do decidido em 1ª instância.

    Contra-alegou a ré AA em defesa da improcedência do recurso.

    *** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo da recorrente radica, em síntese, no seguinte: 1- O acto ou negócio praticado pelos sócios gerentes de uma sociedade comercial não pode ser considerado nulo com o fundamento de que, dado o princípio da especialidade, a sociedade não tem capacidade de gozo para o realizar.

    2- E isto porque a capacidade das sociedades, nos termos do art° 6° do CSC, abrange os direitos e obrigações necessárias ou convenientes á prossecução do seu fim, incluindo-se as liberalidades usuais.

    3- Ora, os factos provados demonstram que a assunção da dívida da ré AA em nome e representação da co-ré Q… – I… DE L..., LDª foi assumida no interesse, proveito e vantagem desta, tendo sido mesmo necessária e essencial ao início da sua actividade.

    4- Daí resulta a validade e eficácia da obrigação assumida, nos termos e para os efeitos do art° 6° do CSC, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido.

    5- Cabe à sociedade o ónus de prova de que a garantia que prestou a terceiro não satisfaz um justificado interesse seu.

    6- Considerando que a ré Q… – I… DE L..., LDª, até ao julgamento, negou ter assumido perante a autora a obrigação de lhe pagar a dívida da ré L… – S… DE P… L…, LDª (só em sede de recurso para a Relação veio invocar a nulidade de tal garantia) e que sobre ela recaía o ónus de provar a sua falta de interesse ou de vantagem em tal acto, certo é que, mesmo que não lhe pertencesse tal ónus, não podia nem pode exigir-se que a autora se defendesse de tal arguição em sede de recurso, alegando e provando ela a falta de interesse, porque já não o podia fazer, uma vez que isso teria de ser feito nos articulados.

    7- Como esta ré não assumiu a assunção dessa dívida e, consequentemente, não invocou a sua nulidade e gratuitidade, e o ónus era seu, não podia a Relação acolher tal situação, porque isso violaria os princípios da estabilidade e oportunidade da instância (arts. 268°, 481° e 660°; 2 do CPC), do contraditório (art.° 3°) e da igualdade das partes (art.°3° CPC).

    8- Uma vez que a “assunção de dívida”, prevista no art° 595°, n.° 1, al. b) C.Civil, está sujeita, quanto aos requisitos (designadamente de forma), ao tipo de negócio que lhe serve de base (aquele contrato de compra e venda de leite) e este não estava nem está sujeito a forma, aquele também o não estava.

    9- Por outro lado, não faz sentido a interpretação defendida pelo acórdão recorrido segundo a qual, por resultar da matéria assente que a ré Q… – I… DE L..., LDª se obriga e obrigava pela assinatura da ré AA, sua gerente, isso significava que a única forma prescrita para que os actos praticados em nome daquela ré fossem válidos era e é a forma escrita, razão pela qual o acordo de assunção de divida aqui em causa seria nulo por não ter sido reduzido a escrito nem assinado pela gerente.

    10- A expressão “assinatura de um gerente” constante do registo comercial da ré Q… – I… DE L..., LDª só pode razoavelmente ser interpretado sentido de que: - nos actos de gerência não sujeitos a forma escrita é suficiente a intervenção do gerente, em nome da sociedade e dentro dos seus poderes de representação (n° 1 do art. 260° do CSC); - nos autos escritos, é suficiente a assinatura do gerente com indicação dessa qualidade (n.° 4 do mesmo art° 260°).

    11- Só alegando e provando que a autora, no momento dos factos descritos sob os nºs 4 a 8, tinha conhecimento do modo e forma de se fazer representar e obrigar (o que não fez) podia opor-lhe a nulidade admitida pelo acórdão recorrido, se tal nulidade devesse proceder.

    12- Mas se se viesse a considerar nulo, inválido ou ineficaz o acordo de assunção de dívida por parte da ré Q… – I… DE L..., LDª, então, a levar a nulidade daí decorrente à imposição à autora do dever de restituir as quantias que, de modo livre e voluntário, lhe foram pagas em cumprimento daquele acordo livremente assumido e em que a contraparte confiou para “abrir” os fornecimentos posteriores a 31.8.99, constituiria um manifesto excesso dos limites impostos pelo fim social e económico do correspondente direito das rés Q… – I… DE L..., LDª e AA, sendo abusivo o exercício do correspondente direito.

    13- O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação designadamente dos arts. 6°, 259°, 260°, 1 e 4, do CSC, 3°, 3°-A, 268°, 481°, 660°, 2 do CPC, 463° do C.Com. 595°, 219°...

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