Acórdão nº 64/08.9TBSBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. GONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 668.º DO CPC E ARTIGOS 1294.º E SEGUINTES DO CC Sumário: 1) Só se verifica a nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, se a sentença não incluir os factos ou o direito; 2) A alínea c), por seu lado, postula um vício real de raciocínio: a fundamentação aponta num sentido, mas a decisão segue caminho oposto ou diferente; 3) A alínea d) abrange os casos de omissão de pronúncia e de pronúncia indevida; 4) A alínea e), finalmente, tem em vista a ultrapassagem do pedido, seja em quantidade, seja em qualidade; 5) Não é possível alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, se a respectiva fundamentação respeitar as regras da experiência e as leis que regulam a actividade mental; 6) A presunção derivada do registo predial só abrange o prédio em si, que não a sua descrição, e não garante os elementos de identificação do prédio; 7) A utilização pacífica, pública e de boa fé, por várias pessoas, de uma faixa de terreno, como acesso às respectivas residências, exercida na convicção de se tratar de um espaço comum e de se não lesarem direitos de terceiro, mantida por mais de 15 anos, conduz à aquisição da compropriedade por usucapião.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A...

e mulher, B...

, residentes em ...., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C...

e mulher, D...

, residentes na ...., alegando, em síntese, que: São donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, sito no ...., inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 601º e 602° e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o n.º 2406.

Os Réus, por sua vez, são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano que confronta com aquele, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Malcata sob o artigo 527° e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o nº 2394.

A entrada para o seu prédio é efectuada a partir da Rua Beco do Vale.

Os réus têm acesso directo ao respectivo prédio através da rua pública, mas a ele chegam, também, através de uma servidão de passagem implantada no logradouro do prédio dos autores, a cuja utilização estes nunca se opuseram.

Sucede, porém, que, há cerca de um ano a esta parte, os réus, de forma abusiva, têm vindo a comportar-se, não como titulares de um direito de servidão de passagem, mas como se fossem os verdadeiros donos do logradouro dos autores, designadamente, mantendo os portões abertos, contra a vontade destes, queimando, com herbicida, a vegetação aí existente e colocando uma campainha e uma caixa de correio no pilar de entrada, onde assentam os portões de entrada do prédio; estes factos foram praticados contra a sua vontade e sem o seu consentimento; antes do ano de 2007, os réus tinham a campainha e a caixa de correio na entrada principal da respectiva casa, sita na rua de cima da entrada da casa dos autores, que, aliás, utilizavam como principal acesso à sua propriedade; os autores entregaram uma chave dos portões de acesso à sua propriedade aos réus, para que estes por ali puderem entrar, mas com a condição de os fecharem de seguida.

Defendem os autores que, ainda que se entenda que os réus tenham adquirido o direito à servidão de passagem por usucapião, a verdade é que eles dispõem de acesso próprio para a habitação de que são donos a partir da via pública, o que torna desnecessária a utilização do logradouro dos autores para o mesmo fim.

Concluíram, pedindo se reconhecesse que são donos do prédio identificado, que aos réus não assiste o direito de por ele passar e que não têm necessidade de o fazer e se condenassem os mesmos a retirar a caixa de correio e a campainha que instalaram no pilar referido nos autos e a pagar aos autores a quantia de € 2.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Os réus contestaram, de modo a impugnar a versão dos factos descrita pelos autores; alegaram, no essencial, que o espaço em causa foi reservado pelo proprietário inicial do terreno (que abarcava a área dos prédios que hoje são de autores e réus) como rua de acesso aos dois lotes, que em tempos vendeu a E...

(um) e a F...

(outro), destinando-o a possível entroncamento e ligação com a rua pública existente a poente; o referido E....vendeu o seu lote aos réus, onde estes construíram dois prédios – artigos urbanos 527 e 680 – e o mencionado F....vendeu o seu lote a G...

, que construiu outros dois prédios – artigos urbanos 601 e 602; desde, pelo menos, 1968 que o terreno em questão é utilizado por si, tendo-o sido, antes, por E...., F..., G.... e respectivas famílias, como espaço destinado a rua e acesso a todos os prédios urbanos construídos no terreno inicialmente vendido em lotes, à vista de toda a gente, mormente dos autores e seus antecessores, sem qualquer interrupção, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de se tratar de um espaço comum, de passagem e acesso às casas ali existentes, funcionando como verdadeira rua, e de que não prejudicam direitos de terceiros.

Terminaram pela improcedência da acção.

Deduziram, ainda, pedido reconvencional, com vista a obter o reconhecimento de que a parcela em litígio é um espaço comum, destinado a acesso às casas ali existentes, designadamente às suas.

Os autores responderam, de molde a reafirmar a versão já exposta na petição inicial.

No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da lide.

A selecção da matéria de facto não sofreu reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento e fixada, sem objecções, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção (excepção feita ao segmento em que os autores pediam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as realidades prediais inscritas na matriz sob os artigos 601.º e 602.º e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2406) e procedente a reconvenção, com a declaração de que a faixa de terreno ora discutida era espaço comum destinado a rua, passagem e acesso para os prédios descritos na matriz urbana da freguesia da Malcata sob os artigos 601.º, 602.º, 527.º e 680.º.

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, a que foi fixado o efeito devolutivo, alegaram e formularam vinte conclusões, que se resumem, com toda a facilidade, a, apenas, seis: A sentença é nula, por não especificar os fundamentos que justificam a decisão, por haver contradição entre os fundamentos e a decisão, por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento e por condenar para além do pedido; b) Os artigos 8.º a 17.º da base instrutória deveriam ter sido considerados provados; c) Os artigos 27.º a 33.º deveriam ter sido considerados não provados; d) Alteradas, assim, as respostas, terá a acção de proceder na sua totalidade e a reconvenção de improceder; e) De resto, a reconvenção não é admissível; f) Foram violados os artigos 158.º, 274.º, n.º 2, alínea a), 653.º, 655.º, 668.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e) e 712, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo Civil, 350.º, n.º 2, 1271.º, 1274.º, 1278.º, 1291.º e 1403.º a 1413.º do Código Civil e 7.º do Código do Registo Predial.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção do julgado.

O ex.mo juiz indeferiu a arguição das nulidades invocadas.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

São questões a requerer resolução: 1) A nulidade da sentença; 2) A alteração da matéria de facto; 3) A admissibilidade da reconvenção; 4) A procedência dos pedidos formulados na acção e na reconvenção.

  1. Na sentença apelada foram dados por assentes os seguintes factos: A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal, referente à freguesia da Malcata, sob o nº 2406/200070411, “o prédio urbano situado em: Beco do Vale, área total: 342 m2; área coberta: 161,48 m2; área descoberta: 162,52 m2; valor tributável: 39.700,00 euros; matriz nº 602; matriz nº 601; composição e confrontações: duas casas de rés-do-chão e 1º andar e dois logradouros – norte, caminho; sul, servidão; nascente, G.... e beco do vale; poente G.... e C....; resulta da anexação dos prédios nºs 1781 e 1782”, a favor do autor, casado com a autora no regime de comunhão geral, pela inscrição G-Ap. 11, de 2007.01.08.

  1. Os réus são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano que confronta com o prédio dos autores referido em A), inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Malcata sob o artigo 527 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o nº 2394, da mesma freguesia.

  2. Os réus são possuidores de um outro prédio, do lado sul, descrito na matriz urbana da freguesia de Malcata sob o artigo 680º, constituído por casa de rés-do-chão e 1º andar para habitação (factualidade admitida por acordo e provada por documento – art. 659º do C.P.C.).

  3. A entrada para o prédio referido em A) é efectuada a partir da Rua do Beco do Vale.

  4. Os réus, além de acederem ao prédio referido em B) directamente, através da rua pública, acedem, também, através de uma faixa de terreno existente do lado sul do prédio referido em A).

  5. Os autores nunca se opuseram a que os Réus usufruíssem da passagem pela faixa de terreno referida em E).

  6. O réu queimou com herbicida a vegetação existente na faixa de terreno referida em E).

  7. Os réus, há cerca de um ano a esta parte, colocaram uma campainha num pilar de entrada, onde assentam os portões que dão acesso à faixa de terreno referida em E).

  8. Os réus, há cerca de 20 anos, colocaram uma caixa de correio no mesmo pilar.

  9. A colocação da campainha foi efectuada contra a vontade e sem o consentimento dos autores.

  10. O prédio referido em B) tem acesso fácil e directo à rua pública.

  11. A sul do prédio referido em A), a poente do prédio referido em B) e a nascente da Rua do Vale existe um espaço com o comprimento de cerca de 20 metros e largura de cerca de 4 metros.

  12. E.... transmitiu aos réus a posse do terreno onde estes construíram o prédio referido em B)...

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