Acórdão nº 519/08.5TBSRE.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. ALBERTO RUÇO
Data da Resolução11 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 34.º DO C. R. PREDIAL Sumário: 1. O registo predial tem por fim publicitar a situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

  1. O princípio do trato sucessivo, previsto no artigo 34.º do Código do Registo Predial, não se aplica aos casos de aquisição originária de direitos.

  2. O conservador do registo predial deve lavrar registo provisório de aquisição fundada em usucapião, declarada por decisão judicial, se verificar que o titular inscrito no registo não é abrangido pelo respectivo caso julgado.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção): * Recorrente…………………A...

    , representada por B....

    , advogado, requerente da apresentação n.º 15, do dia 3 de Novembro de 2008, da Conservatória do Registo Predial de Soure; e Recorrido…………………..Instituto dos Registos e Notariado, I.P..

    * I. Relatório:

    1. A... instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Soure, em 14 de Maio de 2008, uma acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C...

      , à qual coube o n.º 201/08.3TBSRE, pedindo, no confronto com este, a condenação do mesmo a reconhecer que ela era proprietária do «prédio rústico composto por terra de cultura, com três oliveiras e vinha, com cerca de 550 videiras, com a área aproximada de 1300 m2, sita na Serra do Casal, freguesia de Vinha da Rainha, concelho de Soure, a confrontar do Norte com Rosalina dos Santos, do Sul com António Nunes Alexandre, do Nascente com João Alves e do Poente com caminho público, inscrita na matriz sob o artigo 2518 (parte)»; a reconhecer que do mesmo prédio faz parte integrante a faixa de terreno referida no artigo 35.º da petição; a arrancar os pilares, ferros e vigotas que implantou no prédio da Autora, retirando todos os materiais, bem como a retirar todos os resíduos, e, por fim, a pagar à Autora a quantia de €500,00 euros, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos.

      O pedido foi fundamentado na posse e na aquisição da propriedade por usucapião.

      A acção não foi contestada e o Réu foi condenado nos termos pedidos pela Autora, tendo a sentença transitado em julgado no dia 10 de Setembro de 2008.

      Posteriormente, a Autora, por intermédio do seu advogado, requereu o registo desta aquisição com base nesta decisão judicial (Apresentação n.º 15 de 2008-11-03 – Decisão Judicial).

      A Sr.ª Conservadora deu início ao registo, atribuindo-lhe a ficha n.º 6336 da freguesia de Vinha da Rainha, concelho de Soure, que lavrou como «Provisório por dúvidas por não se haver provado a intervenção do comproprietário inscrito no registo, o casal D...

      e E...

      – artigos 68.º, 70.º, 73.º e 34.º, n.º 2 do C. R. Predial».

      O Ex.mo Sr. advogado da Autora interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Judicial da Comarca de Soure, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 140.º do C. R. Predial.

      A Sr.ª Conservadora sustentou a sua decisão fundamentando-a no princípio do trato sucessivo, previsto no n.º 2 do artigo 34.º do C. R. Predial, referindo que o princípio em causa promove a continuidade das inscrições, com o fim de proteger o titular inscrito, o qual goza da presunção de que o direito existe na sua esfera jurídica, nos termos definidos pelo registo, o que implica a necessidade da sua intervenção, para que possa ser feita uma inscrição nova e definitiva.

      Foi proferida sentença que julgou o recurso improcedente, a qual manteve a decisão que qualificou o registo como provisório.

      Considerou-se na sentença que o princípio do trato sucessivo exige, na altura de ser lavrada nova inscrição, a intervenção do titular inscrito no registo, pelo que, se este não foi demandado na acção, cuja sentença serve de base ao registo, dado que este não é abrangido pelo caso julgado, o registo tem de ser lavrado como provisório.

      É quanto a esta decisão que vem interposto o presente recurso.

    2. O recorrente alega que a sentença recorrida fez errada aplicação do disposto nos artigos 95.º, n.º 1, alínea g) e 34.º, n.º 2 do C. R. Predial, incorrendo num equívoco que é a referência à compropriedade, que não existe.

      Concluiu: 1- A sentença transitada em julgado, que julgou procedente a acção declarativa de reconhecimento de direito de propriedade, adquirido por usucapião, constitui título para registo da sua parte dispositiva, introduzindo modificação no que está registado, e pode fundamentar um novo registo – artigos 3.°, n.º 1, alínea a) e c) e 95.º, n.º 1, al. g) do C. R. Predial.

      2 - O direito de propriedade sobre o prédio registando foi adquirido originariamente, por usucapião, pelo que, no caso vertente, não há lugar a trato sucessivo.

      3 - Tendo sido adquirido originariamente um direito de propriedade, as inscrições em vigor no «prédio-mãe», não se arrastam ao prédio usucapido.

      4 - Tendo sido reconhecido pela sentença que o prédio objecto do registo é autónomo e distinto do «prédio-mãe», não existe compropriedade.

      5 - A inscrição por decisão judicial do prédio objecto de registo é, nos termos da legislação registral em vigor, primeira inscrição.

    3. O Ministério Público contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão, sustentando, em síntese, que, efectivamente, o princípio do trato sucessivo implica a demanda na acção dos titulares inscritos no registo predial, sob pena do registo ser lavrado como provisório por dúvidas, nos termos do artigo 70.º do C. R. Predial.

    4. O objecto do recurso consiste, por conseguinte, nisto: Saber se é legal qualificar como «provisório por dúvidas» um registo relativo à aquisição de propriedade, com fundamento no instituto da usucapião, quando: (1) O facto a registar respeita à aquisição de parte de um prédio já objecto de descrição predial em vigor; (2) Na acção judicial onde foi proferida a sentença que declarou a aquisição da propriedade, com base na usucapião, não interveio o comproprietário inscrito no registo.

      1. Fundamentação. Matéria de facto.

    5. A matéria provada, relevante para a questão a decidir, é esta: 1 – Na Conservatória do Registo Predial de Soure encontra-se descrito, sob o n.º 4335/19970429 – freguesia de Vinha da Rainha/Descrição em livro n.º 29469, Livro n.º 77, um prédio rústico, sito em Serra do Casal, com a área de total de 2460 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 2518.

      2 – Este prédio está inscrito: Na proporção de ½ a favor de E... casada com D... e de D... casado com E..., sendo a causa a partilha da herança de F...

      e a doação da meação de D....

      Na proporção de ½ a favor de A..., viúva, sendo a causa da aquisição uma doação e sujeitos passivos da transmissão G...

      e H...

      , em relação aos quais consta um registo prévio de aquisição, na proporção de ½, tendo como causa a partilha da herança de F... e a doação da meação de D....

      3 - A... instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Soure, em 14 de Maio de 2008, uma acção declarativa de condenação, com processo sumário, à qual coube o n.º 201/08.3TBSRE, contra C..., pedindo, no confronto com este, a condenação do mesmo «A reconhecer que ela era proprietária do «prédio rústico composto por terra de cultura com três oliveiras e vinha com cerca de 550 videiras, com a área aproximada de 1300 m2, sita na Serra do Casal, freguesia de Vinha da Rainha, concelho de Soure, a confrontar do Norte com Rosalina dos Santos, do Sul com António Nunes Alexandre, do Nascente com João Alves e do Poente com caminho público, inscrito na matriz sob o artigo 2518 (parte)»; e ainda «A reconhecer que do mesmo prédio faz parte integrante a faixa de terreno referida no artigo 35.º desta Petição»; «A arrancar os pilares, ferros e vigotas que implantou no prédio da A., retirando todos os materiais bem como retirar todos os resíduos»; e, por fim, «A pagar à A. a quantia de 500€ a título de indemnização pelos prejuízos sofridos».

      4 - O pedido de declaração do direito de propriedade sobre este prédio, assim identificado, foi fundamentado em actos de posse conducentes à usucapião.

      5 - A acção não foi contestada e o réu C...foi condenado nos termos pedidos pela Autora, tendo a sentença transitado em julgado em 10 de Setembro de 2008.

      6 – Posteriormente, A... requereu, na Conservatória do Registo Predial de Soure, o registo desta aquisição com base nesta decisão judicial (Apresentação n.º 15 de 2008-11-03 – Decisão Judicial).

      7 - A Sr.ª Conservadora deu seguimento ao registo, atribuindo-lhe a ficha n.º 6336, da freguesia de Vinha da Rainha, que lavrou como «provisório por dúvidas por não se haver provado a intervenção do comproprietário inscrito no registo, o casal D... e E... – artigos 68.º, 70.º, 73.º e 34.º, n.º 2 do C. R. Predial.

    6. Passando à análise da questão objecto do recurso, que, recapitulando, passa por indagar se na aquisição por usucapião, declarada por sentença judicial, de parte de prédio já descrito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT