Acórdão nº 2043/06.1TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. ARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução11 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 334.º, 874.º, 879.º E 939.º DO CC Sumário: 1. No âmbito da venda/cedência de coisa defeituosa, as normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabelecem encargos sobre eles, nomeadamente ao escambo ou troca.

  1. A resolução do contrato de compra e venda é possível quando a reparação, a substituição ou a redução do preço não sejam suficientes para acautelar os interesses do comprador.

  2. A inexistência de demonstração de actuação dolosa por parte da ré vendedora nada contende com o invocado direito à resolução por parte do autor comprador, pois que, tal facto apenas afasta a aplicação do regime do erro.

  3. Verificando-se nos autos que o autor se limita a exercer o direito de resolução do contrato que a lei lhe confere, é manifesto que não actuou em abuso do direito.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Autor: A...

    , residente na Rua de ..., ..., X......

    Ré: B...

    com sede em ..., ....., Y....

    O autor alega que comprou à ré – que se dedica à venda de veículos novos e usados – um automóvel para seu uso doméstico, especificamente um Nissan com motor a gasóleo e matrícula de Janeiro de 2003, dando à troca o veículo que então possuía. Foi atendido pelo sócio gerente da ré, tendo este afirmado, além de outras coisas, que o veículo contava apenas com 49.242 quilómetros.

    Para si era essencial na compra do veículo o número de lugares (cinco), o motor a gasóleo, o bom estado de conservação e a pouca quilometragem.

    Concretizado o negócio, reparou logo no dia seguinte que o veículo apresentava dois problemas, no velocímetro e no rádio-leitor de CD. Mais tarde veio a saber que o veículo contava com cerca de cem mil quilómetros, ou seja, o dobro dos quilómetros indicados no taquímetro; se soubesse disso, nunca teria comprado tal veículo.

    Apesar de lhe ter sido comunicado este facto, a ré – através do seu legal representante – foi respondendo que ia ver o que se podia fazer, sem propor qualquer solução e, a partir da data de vencimento do último cheque entregue para pagamento, quebrou unilateralmente todas as negociações.

    O autor afirma que foi claramente enganado pela ré e que nunca desejou um veículo com aquela quilometragem; pretende ver o contrato resolvido, dispondo-se a entregar o veículo contra a entrega do preço que deu, acrescido de juros. Caso assim se não entenda, deve operar-se a redução do preço do veículo, para o que se terá em conta a quilometragem real do mesmo e a existência dos dois defeitos que assinalou.

    Conclui defendendo que a presente acção deve ser julgada procedente por provada e a ré condenada na resolução do contrato de compra e venda, condenando-se a ré à devolução da quantia entregue pelo autor a título de preço do veículo em causa – ou seja, em € 17.250,00 – acrescida de juros de mora contados desde 23 de Dezembro de 2005 e até ao integral cumprimento (desde já se obrigando o autor a devolver o veículo à ré), devendo ainda ser condenada no pagamento ao autor da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais.

    Caso assim se não entenda e “em alternativa”, deverá a ré ser condenada a reduzir o preço do veículo para a quantia de € 16.739,00 – o que perfaz uma devolução ao autor da quantia de € 511,00 – e a proceder à reparação do leitor de CD, substituição do quadrante do velocímetro e conta quilómetros (taquímetro), bem como à substituição dos quatro amortecedores do veículo; condenada ainda no pagamento da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais sofridos pelo autor, bem como nos juros de mora sobre as quantias descritas, contadas desde a carta de 28 de Dezembro de 2005 até ao integral pagamento.

    Ainda “em alternativa” ao pedido anterior, deverá a ré ser condenada a reduzir o preço do veículo para a quantia de € 16.739,00 – o que perfaz uma devolução ao autor da quantia de € 511,00 – e a pagar ao autor a quantia de € 2.183,93 – correspondente ao custo da reparação do rádio-leitor de CD, do quadrante do velocímetro e conta quilómetros e ainda dos quatro amortecedores e respectiva mão-de-obra; condenada ainda no pagamento da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais sofridos pelo autor, bem como nos juros de mora sobre as quantias descritas, contadas desde a carta de 28 de Dezembro de 2005 até ao integral pagamento Contestando a acção, a ré confirma a venda ao autor do veículo Nissan, refutando no entanto os factos que por ele são relatados quanto às circunstâncias em que se realizou o negócio.

    Afirma que, no exercício da sua actividade, adquiriu o veículo para revenda e sujeitou-o a uma revisão geral; nega categoricamente ter alterado os quilómetros que apresentava.

    Refuta o preço afirmado pelo autor, alegando que o valor atribuído ao Nissan foi de € 16.000,00 – para cujo pagamento o autor, além do seu veículo (avaliado em € 4.750,00), entregou dois cheques com datas de emissão distintas, nos montantes de € 1.250,00 e de € 10.000,00. Por altura da data em que este cheque deveria ser depositado, o autor dirigiu-se às instalações da ré, comunicando a impossibilidade de pagar na data aprazada, afirmando a existência de desentendimento com a respectiva entidade patronal, inviabilizando a intenção que tinha ao adquirir a viatura (de utilizar a mesma ao serviço da sua entidade patronal, debitando esta o valor dos quilómetros efectuados, assim conseguindo aumentar o valor dos seus rendimentos mensais) e pretendendo que a ré ficasse com o cheque em “carteira”, aguardando o seu pagamento conforme as possibilidades do autor – o que aquela não aceitou; só então o veículo, cujo estado era perfeitamente satisfatório, passou a ter todos os defeitos do mundo.

    Alega que o contrato já não pode ser resolvido, em primeiro lugar porque a ré não possui o veículo que o autor entregou e, em segundo lugar, porque não se vislumbra qualquer desconformidade, a qual nem sequer foi indicada.

    Conclui defendendo que deve julgar-se a acção improcedente, com a consequente absolvição do pedido.

    O autor veio responder à contestação, reafirmando que o preço do Nissan foi de € 17.250,00 e que o valor de retoma do seu veículo foi fixado em € 6.000,00. Refutou a intenção alegada pela ré relativamente à aquisição da viatura (afirmando que a respectiva entidade patronal sempre lhe atribuiu um veículo, sem que alguma vez se tenha verificado a utilização de veículo próprio do funcionário com a cobrança de quilómetros), bem como a alegada existência de dificuldades relativamente ao pagamento do cheque.

    Conclui afirmando a improcedência das excepções invocadas pela ré e reitera os termos da petição inicial.

    Com dispensa da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa, fixando-se a matéria provada e a controvertida, de que reclamou o autor, quanto à base instrutória, o que foi indeferido, cf. despacho de fl.s 120 e 121, já transitado.

    Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, com gravação dos depoimentos prestados.

    Após o que foi proferida a sentença de fl.s 283 a 294 v.º, na qual se decidiu o seguinte: “1.1 Declaro resolvido o contrato de compra e venda do veículo com a matrícula 00-00-UN, outorgado entre autor e ré e, em consequência, condeno a ré a restituir ao autor a quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), correspondente ao preço do veículo e contra a restituição do mesmo pelo autor.

    1.2 Condeno a ré a pagar ao autor os juros de mora calculados sobre o aludido montante, à taxa legal sucessivamente em vigor, actualmente de 4% ao ano, desde 27 de Dezembro de 2005 e até integral pagamento.

  4. Absolvo a ré do pedido relativamente ao remanescente que era reclamado pelo autor a título principal e julgo prejudicada a apreciação dos restantes pedidos, formulados a título subsidiário.

  5. Custas a cargo de autor e ré, na proporção 1/5 a cargo do primeiro e de 4/5 a cargo da segunda.

    * Notifique e registe.”.

    Inconformada com tal decisão, interpôs recurso a ré, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 323), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

    1. As respostas aos quesitos 14.º e 15.º devem ser alteradas para não provado.

    2. Não está demonstrado...

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