Acórdão nº 145/06.3 TACNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. BRIZIDA MARTINS
Data da Resolução05 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGO 127º CPP Sumário: Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância.

Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. Mediante acusação deduzida pelo Ministério Público, a folhas 104/106 dos autos, o arguido P...

, neles já mais identificado, foi submetido a julgamento uma vez que alegadamente indiciado pela prática de factualidade consubstanciadora da autoria material de um crime de ofensa à integridade física, por negligência, previsto e punido nos termos do artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, e, da contra-ordenação causal prevista e punida no artigo 103.º, n.º 1, do Código da Estrada.

Nos termos constantes de folhas 151 e seguintes, D...

, também já melhor identificada, deduziu pedido de indemnização civil contra X... Seguros, S.A.

, pedindo a respectiva condenação a solver-lhe, a título ressarcitório dos danos patrimoniais e não patrimoniais sobrevindos por virtude do acidente génese dos autos e que a vitimou, a quantia global de € 41.341,24, acrescida de juros legais desde a notificação para contestar até integral pagamento (instaurado igualmente tal pedido contra o visado arguido P... através do despacho exarado a folhas 185, foi o mesmo, porém, liminarmente indeferido dada a sua ilegitimidade passiva).

Findo o contraditório, em cujo decurso se deu acatamento ao artigo 358.º do Código de Processo Penal (cfr. acta de fls. 330/331), foi proferida sentença determinando ao ora mais relevante: - A absolvição do arguido relativamente à prática da mencionada contra-ordenação.

- A sua condenação, enquanto autor material do ilícito assacado, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros).

- Por fim, a condenação da demandada seguradora a solver à demandante, a título da indemnização reclamada, a quantia total de € 21.157,50 (vinte e um mil cento e cinquenta e sete euros) – sendo € 21.000,00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais e € 157,50 relativos aos danos patrimoniais –, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização, até seu integral pagamento.

1.2. Porque se não revêem no veredicto assim emitido, recorrem quer a demandante, quer a demandada, extraindo das motivações ofertadas as conclusões seguintes: (a demandante) 1.2.1. O Tribunal a quo aquilatou indevidamente factos relacionados com o circunstancialismo da ocorrência do acidente objecto dos autos, mormente de onde e para onde se dirigia a ofendida aquando da sua travessia da via de trânsito, ou se a mesma efectuou tal travessia dentro da passagem de peões.

1.2.2. Tudo porque sopesou, dando-lhes credibilidade, as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas Filomena Constantino e Sara Dias, no entendimento de que, para si, ambas as ditas testemunhas prestaram um depoimento “isento e credível”, apesar de o julgador não ter deixado de referir na sentença que a testemunha Sara Dias inicialmente prestou um depoimento “menos seguro” e não esquecendo que o arguido tem um interesse directo na questão.

1.2.3. E, isto em detrimento dos depoimentos da ofendida e das testemunhas …; …; …; ….; porque as mesmas “Não mereceram credibilidade face aos depoimentos isentos das duas testemunhas supra referidas”, – mencionadas …e … –, “sendo certo que todas estas revelaram ter algum relacionamento com a demandante ou conhecer o pai desta. Depois, não deixa de se estranhar que tantos amigos da D...tenham – não pode deixar de referir-se “oportunamente” – assistido ao acidente que a vitimou” e que “todas estas testemunhas mentiram ao apresentarem aquela versão do acidente com o claro intuito de beneficiarem a demandante”, esquecendo-se o julgador que todas elas ou as suas esposas trabalhavam naquela zona, sendo normal tomarem café no quiosque junto ao local da ocorrência dos factos.

1.2.4. Na sentença recorrida considerou-se que a testemunha …“apesar de inicialmente ter prestado um depoimento menos seguro acabou por sustentar a mesma versão do acidente” da testemunha ….

1.2.5. Ora, o depoimento desta testemunha … não se mostrou assim tão convincente e seguro. Atesta-o a circunstância de relativamente a um ponto essencial para a decisão do presente caso – qual seja o de se apurar se a ofendida efectuou a travessia da via dentro ou fora da passadeira –, num primeiro momento ter dito que a mesma ia claramente fora da passadeira, mas num segundo momento já haver afirmado precisamente o contrário, como fluí da motivação probatória da decisão recorrida.

1.2.6. Decidindo nos termos em que o fez, esta decisão violou o artigo 127.º do Código do Processo Penal e o princípio aí consignado da livre apreciação das provas.

1.2.7. Os fundamentos da matéria de facto não revelam que os critérios da apreciação da prova tenham sido objectivos e concordantes com o que a experiência em geral manifesta e, por isso, devem conduzir a uma diferente apreciação da prova produzida na audiência de julgamento dos autos.

1.2.8. E, por isso mesmo, deve ser alterada a decisão da matéria de facto relativamente aos seus pontos 2, 4, 15, 16, 17, 19 e 62, especificação esta que se faz, nos termos e para os efeitos do art.º 412.º, n.º 3, alínea a) do Cod. Proc. Penal.

1.2.9. Por outro lado, e dando acatamento ao estatuído pela alínea b) do mesmo preceito legal, indicam-se como provas que sustentam o alegado, os depoimentos citados, quer do arguido, quer das testemunhas … e …, mas, sobretudo da ofendida, e de …, …, …, …, …, …, .

1.2.10. A decisão recorrida mostra-se, assim e também, inquinada com o vício de erro notório na apreciação da prova, o que, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.

1.2.11. Por mais se invoca a invalidade de alguns dos depoimentos prestados no decurso da audiência de julgamento: do arguido; da ofendida; e, das testemunhas …, …, …, … – cfr. artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, bem como, ainda, o Acórdão para fixação de Jurisprudência n.º 5/2002, de 27/06/2002, publicado no Diário da República, I.ª Série A, de 17/07/2002 -.

Terminou pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que mantendo a condenação do arguido pelo ilícito apontado, condene todavia a seguradora a solver à demandante a totalidade da quantia ressarcitória por si peticionada.

(a demandada) 1.2.12. O arguido conduzia desatento vindo a embater com a parte frontal do veículo no peão (ora ofendida) que se encontrava sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem atento o sentido rotunda BP – centro de Cantanhede. Por seu turno o peão tendo efectuado a travessia da via cerca de um metro após (considerando o sentindo rotunda da BP - centro de Cantanhede) aquela passagem para peões, caminhava distraída e a mexer na sua carteira, tendo iniciado a travessia fora da passadeira e sem previamente ter olhado para ambos os lados da estrada e verificado a existência ou não de circulação automóvel.

1.2.13. O condutor do veículo segurado na demandada deixou um rasto de travagem de 18,50 metros. No entanto, o peão estava desatento e não verificou o trânsito que circulava na via que se preparava para atravessar, tendo iniciado a sua travessia fora da passagem de peões.

1.2.14. Consequentemente, por se apresentar repentinamente na faixa de rodagem, o condutor do veículo seguro não logrou evitar o embate e viu-se obrigado a recorrer a uma travagem urgente.

1.2.15. A demandante atravessou a faixa de circulação porque estava desatenta ao trânsito que se fazia sentir, e dessa forma a sua conduta temerária também determinou o sinistro ocorrido.

1.2.16. Dispõe o artigo 101.º, n.º 1, do Código da Estrada, que «Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.» 1.2.17. Sendo certo que «Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito», nos termos do n.º 3 do mesmo normativo.

1.2.18. Na concorrência de culpas entre as condutas assumidas pelo arguido e pela demandante, não pode fazer-se a respectiva repartição tal como na sentença recorrida de 80% para o primeiro e de 20% para a segunda.

1.2.19. Pois que a última agiu com negligência e imprudência ao iniciar a travessia da via de forma desatenta e sem verificar o trânsito que existia na mesma, contribuindo, decisivamente, para a eclosão do sinistro.

1.2.20. A quantia arbitrada na decisão recorrida para ressarcimento dos danos não patrimoniais da demandante mostra-se excessiva e desajustada face aos critérios jurisprudenciais correntes de equidade e às circunstâncias do caso concreto.

1.2.21. Porquanto desajustado ao consignado no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil que determina: «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade», aferida em termos objectivos, «mereçam a tutela do direito.» 1.2.22. Acresce estar obrigado o tribunal – caso um facto culposo do lesado haja concorrido para a produção do dano, como sucedeu –, a, tendo por base a gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas resultam, apurar se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída – artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil –. Operação a dever fazer-se, in casu, por forma distinta e penalizando em maior grau a lesada.

Terminou pedindo a fixação de um montante indemnizatório, pelo dano não patrimonial, mais equitativo, isto é, reduzido à proporção da culpabilidade do condutor do veículo seguro e à culpa da demandante.

1.3. Notificados para tanto, ambos os sujeitos processuais visados responderam às impugnações apresentadas, sustentando os seus improvimentos.

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