Acórdão nº 0224/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução05 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório A… veio interpor o presente recurso de revista (per saltum) nos termos do artigo 151, n.ºs 1 e 2 do CPTA da sentença proferida no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que julgou improcedente – por prescrição – a ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM por si intentada contra o MUNICÍPIO DE LISBOA.

Formulou, em síntese as seguintes conclusões: I. Considerações Gerais 1 A sentença do TACL agora recorrida, considerou que a deliberação camarária de 29/5/2002 revogatória do acto tácito de deferimento do pedido de construção de dois edifícios de escritórios sobre o Centro Colombo, por ofensiva da sentença intimatória do TACL de 30/1/2002, era como reconheceu o Acórdão do STA de 27/10/2005 (Proc. 408/05) era nula e por conseguinte não poderia ter quaisquer consequências, nem vincular a Administração; 2 Resultava daqui ser o referido acto revogatório do acto tácito de indeferimento completamente inútil, por não poder afastar a decisão judicial intimatória; 3 A interposição do recurso contencioso do referido acto camarário revogatório não teria assim tido qualquer utilidade pois que aquele acto administrativo, dada a sua nulidade, não poderia produzir quaisquer efeitos; 4 Daí que o citado Acórdão do STA de 27/5/2005, declarativo da nulidade do acto revogatório, foi uma sentença “inuliter data” e que todos os actos processuais interpelativos da Ré, incluindo as citações, primeiro na acção de impugnação no TACL e depois no processo de recurso da sentença desta no Supremo Tribunal Administrativo, e o próprio Acórdão do STA de 27/10/2005 não tivessem tido quaisquer efeitos interruptivos do prazo de prescrição; 5 Em suma, segunda a sentença recorrida, não há que aplicar a interrupção da prescrição prevista no artigo 323, nº 1 do Código Civil, pelo que a sentença “a quo” considerou procedente a arguição da prescrição, sendo o Réu absolvido do pedido; 6 A sentença recorrida entende assim que o momento a partir do qual se torna exigível o pedido de indemnização e se deve começar a contar o prazo prescricional dos 3 anos previstos no art 498, n°- 1 do Código Civil, deveria ser o do trânsito em julgado da sentença do TACL de 30/01/2002, intimatória da passagem do alvará do acto tácito de indeferimento; 7 A sentença ora recorrida desconsidera assim o procedimento administrativo que conduziu ao acto revogatório da Câmara Municipal de Lisboa e o próprio acto revogatório nos seus efeitos jurídicos como actos ilícitos, os quais se integram no âmbito mais vasto de uma atitude geral e permanente tomada pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa no sentido de impedir o exercício do “ius aedificandi” por parte da Autora, confundindo o plano da existência e validade dos efeitos com a questão da licitude ou ilicitude da conduta causadora de prejuízos à Autora; 8 Nega também necessariamente a sentença recorrida, ainda que de modo implícito, a própria utilidade do Acórdão do STA de 27/10/2005 que deu provimento ao recurso da Autora da sentença do TACL de 20/11/2004 e que ao contrário desta última, entendeu que o acto camarário revogatório não era válido, mas nulo, justamente por violação do caso julgado da sentença intimatória do TACL, que ordenou a passagem do alvará de licenciamento da construção das Torres Colombo; 9 A aliás douta sentença recorrida sofre assim de diversos vícios por violação da lei substantiva e da lei processual e até da própria Constituição que vamos passar a enunciar e analisar; 10º Diga-se, aliás, de passagem que corresponde ao sentimento jurídico (“Rechtsgefuehl”) que a solução justa e acolhida pelo ordenamento jurídico não pode corresponder à adoptada pela sentença ora recorrida, È algo que decorre da sua simples leitura mesmo antes de um exame analítico da mesma a que a seguir vamos proceder.

II Os vícios da sentença em matéria de pressupostos da responsabilidade civil aquiliana e de aplicação do artº 323, 1 do Código Civil 11 Levada por um conceptualismo excessivo de pendor normativista conducente a retirar inferências erradas de conceitos e construções jurídicos correctos, a sentença equivoca-se quanto à identificação do pressuposto “facto ilícíto que está na base da constituição do direito de indemnização da Autora; 12 Confunde aliás os planos da validade e eficácia dos actos administrativos com o plano da ilicitude e é neste que se situa a perspectiva de apurar se o acto revogatório da Câmara Municipal de Lisboa, por ilícito, integra um pressuposto da responsabilidade civil aquiliana da Administração; 13 Esquece também a sentença “a quo” que tanto viola a esfera jurídica, o mesmo é dizer, os direitos que a constituem, negar a existência de determinado direito, como impedir o seu legal exercício; tanto assume um comportamento ilícito por violador do “lus aedificandi” quem o nega como quem obsta ao seu exercício; 14 O acto camarário revogatório do acto tácito de deferimento da licença de construção inutilizando o correspondente alvará ordenado pela sentença do TACL é nulo - é agora indiscutível depois do Acórdão do STA de 27/10/2005, pois que antes muitos o consideravam válido e eficaz incluindo o próprio TACL de Lisboa na sentença revogada por aquele Acórdão - mas representa uma formidável “turbatio” do exercício do direito de construir da Autora; 15 A perturbação é tanto mais grave por não ser uma simples divergência opinativa. Trata-se de um comportamento voluntário preparado por um procedimento administrativo “ex oficio”, que culminou com um acto administrativo revogatório que o próprio TACL admitiu por sentença ser válido e eficaz; 16 Acontece ainda que para a construção de um prédio não é suficiente ter a licença construção e o correspondente alvará ou equivalente. Torna-se indispensável obter autorizações complementares como a licença de ocupação da via pública para montagem do estaleiro; 17 Essas diversas autorizações não seriam obtidas enquanto a Câmara Municipal Lisboa e o seu Presidente não abandonassem a sua posição negativa global quanto à admissibilidade legal da construção das Torres Colombo; 18 O procedimento revogatório e o acto administrativo revogatório que o concluiu constituíam elementos centrais dessa posição denegatória que a autarquia e o presidente com tanto calor e intensidade assumiram, como o evidencia a longa luta jurídica travada para sustentar a legalidade do acto de revogação, quer ao longo processo de impugnação no TACL, quer depois na continuação deste processo no STA que terminou no já tantas vezes citado Acórdão de 27/10/2005; 19 A sentença ora recorrida não atentou também para a circunstância posta em relevo na réplica de que os comportamentos ilícitos da Ré causadores do dano de mora de impedir a construção das Torres Colombo, ou seja, de “de facto” não permitir o exercício do “ius adificandi» da Autora, se não reconduzem a um único acto jurídico ilegal mas a uma atitude global e permanente traduzida em actos jurídicos, afirmações e outros comportamentos impeditivos do exercício do direito conferido à Autora; 20 Sublinhe-se que nos encontramos perante pelo menos dois conjuntos de actos e comportamentos autónomos entre si e que qualquer deles, sem a conjugação do outro, é gerador de responsabilidade; 21 O primeiro conjunto de actos ilícitos reporta-se às omissões da Ré ao não cumprir o seu dever de decidir quando lhe foi formulado o pedido de licença de construção e, já depois da formação do acto tácito de deferimento, ter mantido o mesmo comportamento omissivo ao longo de todo o processo judicial de injunção que ordenou a passagem do referido alvará até se verificar o trânsito da sentença condenatória; 22 A partir deste último momento a situação ilícita cessaria. Com efeito, se a Ré tivesse cumprido a sentença, a responsabilidade por mora na construção limitar-se-ia ao período que decore entre a formação do acto tácito e o trânsito da sentença intimatória do TACL de 30/1/2002; 23 Mas o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa não cumpriu a injunção e, pouco tempo volvido, o Despacho 188/P/2002 determinava a abertura de um procedimento administrativo destinado a apurar a legalidade do deferimento tácito do pedido de licenciamento das obras de construção dos dois escritórios do Centro Colombo, e na sequência do procedimento a Câmara revogou, como já se disse, em 29/5/2002 o acto tácito de deferimento da construção das duas Torres; 24 A atitude de clara contestação da Ré, traduzida em declarações públicas e actos jurídicos, pouco importa para este efeito se nulos, que se prolongou através designadamente de uma conduta beligerante nos Tribunais Administrativos, só foi vencida e cessou com o reconhecimento do Acórdão do STA de 27/10/2005 de que o acto era nulo por ofensa do julgado; 25 Mas essa atitude de permanente contestação do direito de construir da Autora impediu esta de obter as licenças complementares e a cooperação dos serviços da Câmara indispensáveis ao exercício do seu “jus aedificandi”; 26 Este conjunto de actos é também por si gerador de responsabilidade se causador de prejuízos pelos atrasos provocados, o que efectivamente aconteceu; 27 Os três anos do prazo prescricional só poderiam ser contados a partir da cessação dessa atitude de «turbatio», que consubstanciou um acto ilícito complexo. Esse acto ilícito complexo aliás só cessou perante a evidência constituída pelo Acórdão do STA de 27.10.2005.

28 A Autora ainda tentou seguir um caminho mais curto, pedindo a execução da sentença injuntiva do TACL, mas sem êxito quer por a sentença do TACL de 11/2/2003 sujeitar o período de execução e interposto recurso o Tribunal Central Sul confirmar o decidido; 29 Ambas as sentenças entenderem em suma que a sentença injuntivas já por natureza terem execução aparelhada. Só que esta execução é a dos efeitos jurídicos no plano do dever ser e não vence nem venceu a oposição fáctica e até no plano jurídico a propósito da revogabilidade do acto de deferimento em que a Câmara Municipal de Lisboa e o...

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