Acórdão nº 165/06.8TBGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. TELES PEREIRA
Data da Resolução17 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 146/93, DE 26/04 E DEC. LEI Nº 10/2009, DE 12/01. DANOS NÃO PATRIMONIAIS.

Legislação Comunitária: Sumário: I – O controlo pelo Tribunal da Relação da matéria de facto fixada na primeira instância, com base no acesso à gravação áudio dos depoimentos aí prestados, dirige-se à detecção de manifestos erros de julgamento, não se traduzindo numa substituição da “livre apreciação” racionalmente justificada da prova testemunhal feita pelo Tribunal a quo, pela “livre apreciação” do Tribunal ad quem.

II - O Dec. Lei nº 146/93, de 26/04 (entretanto substituído pelo Dec. Lei nº 10/2009, de 12/01), sujeitou a cobertura dos riscos de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva ao regime de seguro obrigatório.

III – A circunstância deste “seguro obrigatório da actividade desportiva” abranger acidentes in itinere para os treinos e as competições implica que a obrigação de segurar se refere à actividade desportiva em sentido amplo, abrangendo actividades preambulares e sequenciais do treino e da competição.

IV – O regime legal deste seguro abrange, obrigatoriamente, enquanto cobertura mínima, além da indemnização por morte, a indemnização por invalidez, total ou parcial, sem qualquer limitação percentual (artºs 4º do DL 146/93 e 5º do DL 10/2009), significando isto que qualquer percentagem de desvalorização funcional permanente estará, obrigatoriamente, coberta pelo seguro.

V – Uma cláusula inserta num contrato de seguro desportivo que cubra a obrigação de segurar estabelecida na lei (e que, por isso, se traduz num “seguro obrigatório”) não pode excluir a indemnização de desvalorizações funcionais permanentes inferiores a 10%.

VI – A nulidade desta cláusula (artº 294º CC) resolve-se com a projecção directa no contrato da norma imperativa (no caso o artº 4º do DL 146/93) que manda indemnizar todas as incapacidades permanentes gerais, a qual passa a “integrar” o contrato, em substituição do trecho violador dessa disposição legal, aproveitando-se o restante da cláusula e do contrato.

VII – Corresponde esta substituição à primazia da ideia de conservação do negócio contendo cláusulas nulas, através da chamada “eficácia mediata das normas imperativas”, funcionando esta como “outra solução”, alternativa à nulidade (à supressão do negócio ou da cláusula nula), resultante da lei (trecho final do artº 294º CC).

VIII – O DL nº 146/93, no seu artº 4º, nº 1, al. a), ao referir a cobertura mínima abrangida pelo seguro desportivo de grupo ao “pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva”, não contém qualquer restrição aos danos patrimoniais resultantes do acidente quanto à incidência obrigatória do seguro (rectius, não contém qualquer exclusão de danos não patrimoniais).

IX – A inexistência de uma cláusula, num contrato referido à obrigação de segurar emergente do DL 146/93, que contenha uma expressa exclusão da cobertura de danos não patrimoniais, deve ser entendida, de acordo com a regra in dúbio contra stipulatorum, própria da interpretação de um contrato de seguro, como cobertura deste tipo de danos.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A...

(A. e neste recurso Apelante)[1] demandou a agremiação desportiva denominada “B...” (1ª R. e Apelada no presente recurso), pedindo a condenação desta a satisfazer-lhe globalmente a indemnização de €22.500,00[2], acrescida de juros.

Invoca, suportando tal pedido, que, sendo ele atleta não profissional desta R., praticando nas equipas desta a modalidade desportiva de basquetebol, sofreu no dia 30 de Abril de 2004, cerca das 17h35m quando “[…] efectua[va] o aquecimento físico que antecedia o treino desse dia” (artigo 9º da petição inicial) um acidente com a rede de uma tabela do qual resultou a amputação de parte do dedo anelar da mão direita (o dedo ficou acidentalmente preso na rede do cesto da tabela provocando a referida mutilação por arrancamento).

A responsabilidade da 1ª R. resultaria da circunstância de, sendo ela Segurada de um “seguro de acidentes pessoais”, tomado pela Federação Portuguesa de Basquetebol (Tomador)[3], sendo entidade Seguradora a C...

(2ª R./Interveniente e Apelada no contexto deste recurso)[4], seguro do qual o A. seria, naquelas condições, a “pessoa segura”[5], sendo que a 1ª R., omitindo a participação do indicado acidente à Seguradora, inviabilizou o pagamento por esta da indemnização a que o A. se considera com direito ao abrigo desse contrato de seguro, entendendo que o evento infortunístico em causa sempre estaria coberto pelo mesmo.

Suportando este entendimento (depois de caracterizar a indicada omissão de participação à Seguradora) diz o A. no seu articulado inicial: “[…]44ºEssa falta foi culposa, tornando [a] R. [refere-se à 1ª R.] como responsável do prejuízo que a mesma causou ao A. – artigo 798º do Código Civil.

45ºSe o R. entender de forma diferente, ou seja, […] que a seguradora pode e deve ser responsabilizada, o A. sugere-lhe que requeira a intervenção principal provocada daquela.

46ºSe isso não acontecer, deve o R. pagar ao A. a quantia global de €22.500,00.

[…]” [transcrição de fls. 6] 1.1.

Contestou a R. (a 1ª R.), impugnando os factos centrais do argumentário do A., reportando o acidente a um período temporal e factualmente exterior (anterior) ao treino no qual o A. iria participar a partir das 18h[6], significando isto que o acidente não se encontraria, em função desse elemento temporal e situacional, coberto pelo seguro (pela incidência situacional deste).

Requereu adicionalmente esta R., nos termos já indicados na nota 4, a intervenção da 2ª R., adiantando que, na sequência do acidente foi informada, pela Direcção da Associação de Basquetebol da Guarda, da circunstância daquela concreta ocorrência não se encontrar abrangida na cobertura do mencionado seguro[7], omitindo, em função disso, a participação do mesmo.

1.2.

Contestou a 2ª R. (Seguradora), indicando que a não participação do sinistro implicou – teria como consequência – a sua não consideração no âmbito do contrato[8] e que a descrição do acidente fornecida pela 1ª R., excluiria a sua cobertura pela cláusula 2.1. do contrato de seguro[9], tal como não abrangeria a responsabilidade desta R. a existência (conforme indica o A.) de uma incapacidade parcial permanente de 4% (as condições gerais da Apólice apenas cobririam uma IPP igual ou superior a 10%)[10], além de que o contrato não cobriria danos não patrimoniais.

1.3.

Finda a fase dos articulados, foi o processo objecto de saneamento, fixação dos factos interlocutoriamente provados e elaboração, em vista do julgamento, da base instrutória (todos estes elementos estão contidos no despacho de fls. 138/143).

1.3.1.

Em sede de saneamento, aí qualificada como “questão prévia” e fora da apreciação tabeliónica dos pressupostos formais da instância, equacionou e resolveu o Tribunal a questão da “[r]esponsabilidade da Seguradora pelo facto do sinistro lhe ter sido comunicado para além do prazo previsto no contrato de seguro” (ou seja, a questão do sinistro não ter sido comunicado à Seguradora nos termos previstos no contrato)[11].

Aí, aludindo às alternativas interpretativas configuradas face ao artigo 440º do Código Comercial[12], considerou-se (decisoriamente) o seguinte: “[…] Tendo presente este quadro factual, contratual e legal, há que concluir que o facto do tomador do seguro [a 1ª R.] não ter participado atempadamente o sinistro apenas a faz incorrer em responsabilidade perante a seguradora, pelas eventuais perdas e danos que esta tenha sofrido derivados de tal omissão.

[…] Assim, há que concluir que a provar-se a factualidade carreada e tendo em conta a intervenção provocada e seus termos, a Seguradora poderá ser responsável, por via e nos termos do contrato de seguro celebrado, pelos danos derivados do sinistro ocorrido, não havendo razões para afastar essa responsabilidade derivada da omissão de participação daquele por parte da tomadora do seguro […]”[13] [transcrição de fls. 139] 1.4.

Realizou-se (com gravação da prova testemunhal) o julgamento documentado a fls. 251/255, 262/265 e 286/288, findo o qual, fixados que foram, por referência à base instrutória, os factos provados (despacho de fls. 289/292), proferiu a Exma. Juíza do Círculo de Seia a Sentença de fls. 299/304 (esta constitui a decisão objecto do presente recurso), julgando a acção improcedente, absolvendo ambas as RR. do pedido.

1.5.

Inconformado, interpôs o A. o presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 316/337, formulando a rematar tal motivação as seguintes conclusões: “[…] 1) A factualidade dada como provada nas alíneas c), d), f), g), i), l) e m) da fundamentação de facto, é, por si só, suficiente para que se conclua que o R. violou o seu dever contratual de comunicar o sinistro à R. seguradora, inobservando o disposto no artigo 798º do Código Civil.

2) A apólice de seguro que assegurava os riscos inerentes à actividade que o A. desempenhava para o R., abrange não só os treinos propriamente ditos como também o período temporal que decorre entre as deslocações dos atletas até ao local do treino e deste até ao seu destino posterior.

3) Donde resulta que se o acidente ocorreu imediatamente antes da hora para a qual estava formalmente designado o treino (18 h), e já no interior do pavilhão, só pode concluir-se que o sinistro se verificou nesse período temporal e só porque o treino se iria iniciar, devendo, por isso, ser enquadrado na apólice do seguro.

4) É certo que no momento do acidente, não se encontrava ainda no interior do pavilhão nem o treinador nem nenhum dirigente do R., mas a verdade é que está demonstrado que era habitual os jovens do Clube chegarem antes da hora reservada para o basquete (ponto bb) dos factos provados) e também era habitual exercitarem-se fisicamente fazendo aquecimento de forma...

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