Acórdão nº 812/07.4TBAND de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução09 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Legislação Nacional: ARTIGOS 547.º;1315.º; 1550.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 4.º, 2-C) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Sumário: 1. Consoante o título constitutivo da servidão, distingue-se entre servidões legais (hoc sensu) e servidões voluntárias, caracterizando-se estas como sendo constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário e aquelas por serem constituídas coercivamente (artigo 1547º do Código Civil) 2. Não é admissível convolar um pedido de reivindicação de servidão, alegadamente adquirida por usucapião (artigo 1315º do Código Civil) – pedido típico de uma acção declarativa de condenação, a que alude o artigo 4º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil –, num pedido que tem por objecto actividade jurisdicional tendente à constituição da servidão por força do encrave do prédio (artigo 1550º do Código Civil) – pedido típico de uma acção constitutiva, a que alude o artigo 4º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil –, ponderando o princípio do dispositivo, na sua vertente da conformação da instância.

Decisão Texto Integral: . RELATÓRIO A...., viúva, B....e mulher, C...., D....e mulher, E...., F....e mulher, G...., e H.... e mulher, I...., a primeira residente em Grada, Anadia, e os outros em Aguim, Anadia, intentaram a presente acção, com forma de processo ordinário, contra J....e mulher, K...., também residentes em Aguim, pedindo que: a) “seja aos AA reconhecida a violação do seu direito de fruição da passagem constituída pela servidão que onera o prédio dos requeridos”; b) “e, em conformidade, ser a estes ordenado que”: - “procedam à imediata retirada, e a expensas suas, do veículo agrícola que colocaram ao longo da servidão de pé e de carro que, partindo das respectivas estremas do prédio dos RR, se estende pelo espaço e com as dimensões necessárias ao acesso a pé e de carro aos imóveis pertença dos requerentes, atento o facto de tal acto causar a estes prejuízo grave e dificilmente reparável, restituindo a passagem à sua forma original”; - “se abstenham de, a partir desta data, colocar entraves à livre admissão e circulação dos AA na integralidade da servidão de passagem que ora se encontra tapada”; - “se abstenham de, a partir desta data, impedir que os AA usufruam da passagem constituída no local”; c) a condenação dos réus a pagar a indemnização “a título de danos não patrimoniais de € 3.000,00 (três mil euros) a cada A., perfazendo o valor global ressarcitório de € 15.000,00 (quinze mil euros), sem prejuízo de outros danos morais e patrimoniais a liquidar em execução de sentença”.

Para fundamentar a sua pretensão invocam que os autores são donos e legítimos proprietários de imóveis rústicos que adquiriram por usucapião, imóveis com os quais confinam os prédios rústicos dos quais os réus são donos, inscritos na matriz sob os arts. 653, 935 e 936; os prédios dos autores estão cercados por imóveis ao longo do respectivo perímetro, sem comunicação com a via pública, sendo o único meio de aceder à via pública e desta para aqueles prédios uma passagem de pé e de carro, que parte das estremas norte, sul e nascente do prédio dos réus, com a largura de cerca de 3 metros ao longo da sua extensão; os autores, há mais de 20 ou 30 anos que acedem aos seus prédios livremente, pelo terreno dos réus; há mais de meio ano os réus colocaram um tractor agrícola que tapou toda a entrada da passagem, obstruindo toda a área que confina com a única passagem para os prédios dos requerentes, causando prejuízos aos autores, que sofreram angústia, arrelias e humilhações constantes, para além de se verem impossibilitados de colher nos seus prédios.

Os réus contestaram, impugnando a factualidade articulada na petição inicial e argumentando, em síntese, que: Cada um dos prédios identificados como sendo dos autores têm uma situação diversa; Durante o tempo em que exploravam alguns deles, os respectivos proprietários acediam aos mesmos através de um carreiro a pé, que começava na estrada que liga Aguim a Grada e seguia ao longo da extrema nascente dos prédios pertencentes a …., …. e seguintes, carreiro esse com cerca de 1,5 metros de largura, delimitado de ambos os lados por carreiras de oliveiras e outras árvores adultas, incidindo essa passagem sobre uma franja de terreno que os confinantes de ambos os lados tomavam como sendo uma “res nullius”; essa passagem, dada a sua estreiteza, apenas permitia a passagem a pé, sendo os terrenos cultivados manualmente e com juntas de bois, nunca aí passando carros de bois, nem tractores nem outras máquinas agrícolas; o reboque agrícola a que os autores aludem acha-se estacionado em terreno propriedade dos réus, junto ao limite nascente do carreiro de pé acima referido.

Os autores apresentaram réplica.

Procedeu-se ao saneamento do processo, com despacho a fixar a factualidade assente e base instrutória.

Realizou-se o julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma: “Pelo exposto, julga-se a acção apenas parcialmente procedente, condenando-se os réus a proceder à imediata retirada, a expensas suas, do veículo agrícola que colocaram no local de passagem para os prédios dos autores e a abster-se de colocar entraves à livre admissão e circulação de pessoas e carros dos autores por essa passagem, absolvendo-os de tudo o demais que era pedido.

Custas por autores (5/6) e réus (1/6)”.

Não se conformando, as partes recorreram.

Os autores formulam, em síntese, as seguintes conclusões: “Primeiro. Deu o douto Tribunal enquanto PROVADA a factualidade que emerge dos QUESITOS 1 a 5, 7, 8, 13, 15 e 16 da Base Instrutória, ou seja, que os AA./recorrentes são os legítimos proprietários dos imóveis que agricultam e que a actuação dos RR. não só os humilha e constrange como os impede de obter os dividendos patrimoniais da sua labuta nos citados imóveis ; Segundo. Mais determina a sentença que a prática dos actos cerceadores dos direitos dos AA. por parte dos RR. impede " ...o exercício do direito de propriedade dos autores sobre os seus prédios (...) arreliando-os e humilhando-os e impossibilitando-os de colher os proveitos que retiravam dos seus prédios"; Terceiro. Não sendo prejuízos por ora materialmente quantificáveis, como sejam os lucros cessantes ou os danos patrimoniais, os danos não patrimoniais resultantes da actuação ilícita dos RR. provocou inequívocamente danos nos AA./recorrentes;(…) Quinto. A sentença parcialmente recorrida, ao atribuir a capacidade de PROVADOS os Quesitos 1 a 5, 7, 8, 13, 15 e 16 obliterou, na parte decisória, a legitimidade e necessidade de condenação dos RR. no pedido formulado pelos AA., ainda que o mesmo se liquidasse em execução de sentença ; Sexto. O art.° 661°, n0 2, do CPCivil permite que o tribunal condene no que se liquidar em execução de sentença se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade da reparação; Sétimo. Subsiste, no ancorar da ofensa processual invocada, uma clara desconformidade entre os FACTOS PROVADOS, a FUNDAMENTAÇÃO e a decisão operada nos autos, o que se invoca nos termos e para os efeitos consignados nos art.0s 668.0, n.os 1 e 4 e 744.° do CPCivil; Oitavo. A decisão recorrida violou o disposto nos artips 483.° e 496.° do CCivil e art.° 661.0, n.0 2, do CPCivil, Nono. pugnando-se por que, na senda de acórdão a proferir pelos Venerandos Juízes Desembargadores no Tribunal da Relação de Coimbra, seja a decisão recorrida parcialmente revogada e substituída por outra que, dando provimento à acção proposta, às alegações de recurso e ao vingar das normas jurídicas violadas, determine a condenação dos RR. no pagamento e/ou prestações patrimoniais e não patrimoniais ainda que a determinar em sede de execução da sentença (…)”.

Os réus formulam, em síntese, as seguintes conclusões: “1ª - A presente acção intentada pelos AA. configura-se como uma típica acção de reivindicação, tendo como objecto o direito real de servidão por eles invocado, estribada no disposto nos arts. 1311º a 1315º do Código Civil expressamente alegados no artº 52 e na conclusão da petição inicial; 2ª - Nas acções de reivindicação "tout court" importa formular cumulativamente dois pedidos: a)— O pedido de reconhecimento do direito real violado ou ameaçado; e b)— A consequente restituição da coisa, ou a remoção dos obstáculos impeditivos do exercício do direito, 3ª- Sendo que o Tribunal não pode condenar o demandado sem previamente declarar a existência ou a constituição do direito que os demandantes pretendem fazer valer.(…) 6ª- No caso "sub judicio", estavam os AA. sujeitos à alegação de factos que satisfizessem três objectivos essenciais: a)— A prova do seu direito de propriedade sobre os prédios encravados [pedido aparente, e mero...

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