Acórdão nº 04800/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução23 de Setembro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

C..., SGPS, SA, sociedade comercial com os sinais nos autos, inconformada com a decisão proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em sede de despacho saneador, vem dela vem recorrer concluindo como segue: 1. O âmbito de aplicação da Directiva n° 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro (directiva recursos) e dos artigos 100° e segts. do CPTA que visam a sua transposição, coincide com o âmbito de aplicação da Directiva 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho (empreitadas de obras públicas e concessões de obras públicas), abrangendo todos os contratos onerosos que visem "a realização, seja por que meio for, de uma obra que satisfaça as necessidades indicadas pela entidade adjudicante", abrangendo "todas as formas contratuais a que uma entidade adjudicante possa recorrer para dar resposta às suas exigências específicas" (cfr. Comissão Europeia, in Guia das regras relativas aos processos de adjudicação dos contratos públicos de obras. Luxemburgo, 1997, págs. 12 e 13).

  1. O Anúncio e o Programa de Concurso referem claramente que o concurso tem por objecto a concepção, financiamento, construção e exploração" de uma obra (uma Unidade Comercial de Dimensão Relevante), esclarecendo que tal desiderato se processará "mediante a alienação das parcelas de terreno referidas no número seguinte, em regime de direito de superfície, pelo Município de Leiria à entidade adjudicatária" - cfr. Anúncio, Programa de Concurso e Caderno de Encargos -havendo que distinguir entre a finalidade e objecto do contrato e os meios ou o modo de concretização desse objecto.

  2. Na descrição do objecto do concurso, o Anúncio e o P.C. esclarecem claramente que "o projecto, no seu todo, pretende implementar um importante conjunto de equipamentos de interesse público e de utilização colectiva, destacando-se a criação de infra-estruturas comerciais, de serviços, culturais e lúdicas" - cfr. Anúncio, Programa de Concurso e Caderno de Encargos - sendo inequívoco são essas obras as necessidades que a entidade adjudicante visa suprir com o concurso.

  3. Na estrutura do contrato objecto do concurso, a constituição do direito de superfície é instrumental da realização das obras de construção da Unidade Comercial, sendo os projectos desta obra que definem os terrenos a transmitir, para além de que o concurso contempla a execução de outras obras a executar em imóveis públicos que não serão transmitidos ao adjudicatário (conclusão do Edifício Topo Norte do Estádio Municipal, a reconstrução do Mercado Municipal de Leiria, a construção de um pavilhão Multiusos, a construção de um jardim, etc).

  4. O ponto 23 do P.C. e o artigo 31° do C.E., remetem de modo expresso para a regulação normativa do Decreto-Lei n° 55/99, de 2 de Março e, portanto, para as Directivas 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho e Directiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro (directiva recursos).

  5. Ao contrário do entendimento expresso no despacho recorrido, o concurso em causa nos presentes autos visa a celebração de um contrato abrangido pela Directiva 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho (empreitadas de obras públicas e concessões de obras públicas), sendo-lhe consequentemente aplicável a Directiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro (directiva recursos) e a legislação que visa a consagração de tal disciplina no direito interno (artigos 100° e segts. e 132° e segts. do CPTA).

  6. O regime processual previsto nos artºs. 100° e segts do CPTA para o contencioso pré-contratual, não têm aplicação exclusiva nos casos em que os contratos aí referenciados se apresentem nas suas vestes puras e versões típicas, aplicando-se igualmente sempre que as prestações típicas próprias de tais tipos contratuais se combinem com outros contratos, assumindo-se como contratos mistos, uniões de contratos ou contratos atípicos.

  7. Ao contrário do entendimento expresso no despacho recorrido, o procedimento contratual em causa nos autos visa a celebração de um contrato de direito público com prestações típicas da empreitada de obras públicas e que visa a realização de obras para a satisfação das necessidades públicas indicadas pela entidade adjudicante, sendo-lhe aplicáveis os artºs. 100° e segts. e 132° e segts. do CPTA.

  8. Ao julgar inadequado o processo de contencioso pré-contratual urgente previsto nos artigos 100° e segts. do CPTA, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação os citados normativos e a Directiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro (directiva recursos).

  9. Ao decidir ser "prematura e deslocada, e portanto inoportuna a invocação da violação de normas vigentes em matéria de urbanismo e do ambiente" concluindo pela falta de interesse em agir da Recorrente, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola a garantia de acesso aos Tribunais e à tutela judicial efectiva (v. artºs. 268° da Constituição da República e 2°/2 do CPTA.

  10. Ao relegar para a ulterior fase do licenciamento das obras o momento adequado para sindicar as ilegalidades do acto de adjudicação em matéria de Ambiente e de Urbanismo, assumindo que as obras poderão vir a conformar-se com a legalidade, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, tanto mais que "admitir propostas cuja concretização ou valia está dependente de eventos futuros (e incertos), ou seleccionar concorrentes cuja habilitação virá (ou não virá), é tornar aleatórios, permanentemente aleatórios, os resultados dos concursos e obrigar a Administração a fazer, desfazer e refazer actos do procedimento, sempre que esse futuro não viesse tal como tinha sido hipotizado (ou projectado) no momento de admissão de concorrentes e propostas" (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, 2a Reimpressão de 1998, pág. 368, nota 17).

  11. Pressupor que os projectos de obras podem vir a ser alterados na fase de licenciamento, conformando-se então por essa via com a legalidade, atenta contra todos os princípios rectores do procedimento concursal, designadamente os princípios da publicidade, da igualdade, da concorrência e da boa fé, bem como o princípio da estabilidade das propostas em matéria de concurso público, colocando em crise a própria utilidade e função do procedimento de concurso para escolha da melhor proposta.

  12. Ao contrário do pressuposto pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, os contratos administrativos também estão sujeitos ao princípio da legalidade (v. artº. 266°/2 da Constituição), pelo que "é nulo o contrato administrativo, com objecto possível de acto administrativo, se a contraprestação do particular for incompatível com a lei, e essa incompatibilidade é sancionada com nulidade" - cfr. Ac. STA de 04/02/2008, no Proc. 01004/07, in www.dgsi.pt.

  13. Ao contrário do julgamento expresso na decisão recorrida, uma das condições legais para a celebração de qualquer contrato é a possibilidade do seu objecto, sob pena de nulidade (cfr. artºs. 133°/2 al. c), 134°/l e 2 ex vi artº. 185°/3 al. a) do Código de Procedimento Administrativo e, actualmente, os artºs. 284° e 285° do Código dos Contratos Públicos).

    Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, devendo o despacho recorrido ser anulado ou substituído por outro que reponha a tramitação da acção sob o regime processual urgente previsto nos artigos 100° e segts. do CPTA e conhecendo-se de todas as ilegalidades imputadas na p.i. ao acto impugnado, com todas as demais consequências legais.

    * O Recorrido Município de Leiria contra-alegou, sustentando a bondade do decidido. * Com dispensa legal de vistos legais substituídos pela competente entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência - artºs. 36º nº 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

    * Com interesse para a decisão do presente recurso, julga-se provada a matéria de facto que segue, com fundamento nos documentos especificados ponto por ponto, juntos aos autos e ao processo instrutor - artºs. 712º nº 1 b) CPC, ex vi artº 140º CPTA.

  14. Em 04.JAN.2007 a Câmara Municipal de Leiria deliberou abrir concurso público internacional para a “concepção, financiamento, construção e exploração de uma unidade comercial de dimensão relevante, mediante a alienação de parcelas de terreno, em regime de superfície, pelo Município de Leiria à entidade adjudicatária” – doc. fls. 52 a 54 dos autos.

  15. Pelo anúncio nº 2611001536 levado ao DR, II Série, nº 66 de 03.04.2007 e Jornal das Comunidades Europeias nº 2007/S58-071172, de 23.03.07, foi publicitada a abertura do concurso público nos seguintes termos: “O presente concurso público internacional tem por objecto a concepção, financiamento, construção e exploração de uma Unidade Comercial de Dimensão Relevante, mediante a alienação das parcelas de terreno referidas no número seguinte, em regime de direito de superfície, pelo Município de Leiria à entidade adjudicatária, numa operação única e indivisível, pelo prazo de noventa anos, a indicar na proposta, renovável automaticamente por períodos iguais a metade desse prazo, nos termos do caderno de encargos e do Decreto-Lei nº 794/96, de 5 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 313/80, de 19 de Agosto.

    O projecto, no seu todo, pretende implementar um importante conjunto de equipamentos de interesse público e de utilização colectiva, destacando-se a criação de infra-estruturas comerciais, de serviços, culturais e lúdicas, em harmonia com os equipamentos desportivos já existentes, as quais visam promover uma zona central catalisadora do desenvolvimento da cidade de Leiria e do seu centro histórico.” 3. O Programa do Concurso, no ponto 1.1 e o Caderno de Encargos no artº 1º nº 1 descrevem o objecto do concurso público nos exactos termos constantes do anúncio nº 261 100 1536, DR, II Série nº 66 de 03.04.07 e no JOCE nº 2007/S58-071172, de 23.03.07 – Programa do Concurso...

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