Acórdão nº 309/09 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução22 de Junho de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 309/2009

Processo n.º 215/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Por sentença de 18 de Novembro de 2008, o 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém recusou a aplicação da norma do artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, por ser contrária ao estabelecido nos artigos l3º, 26º e 69º, da Constituição da República, e, em consequência, fixou a prestação a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, nos termos dessa disposição e ainda do artigo 3º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, em € 125,00 para cada menor.

      Considerou, em síntese, que, sendo imposto ao Estado o dever de assegurar a garantia da dignidade da criança e a sua protecção em vista a um desenvolvimento integral, a norma do artigo 2º, nº l, da Lei n.º 75/98, ao estabelecer uma limitação nas prestações mensais em 4 UC por devedor, viola os referidos preceitos constitucionais, e desde logo, o princípio da igualdade previsto no artigo 13º, ao discriminar as crianças cujo progenitor infractor tenha um maior número de filhos ou dependentes menores.

      O Ministério Público interpôs recurso obrigatório ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, vindo, no seguimento do processo, a apresentar as seguintes alegações:

    2. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.

      O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da decisão, proferida no Tribunal Judicial de Ourém, nos autos de incumprimento do poder paternal, na parte em que foi recusada aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, à norma constante do artigo 2º, nº 1, da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro na parte em que estabelece um limite, por cada devedor, às prestações em que se consubstancia a garantia dos alimentos devidos a menores

      Ao presente recurso foi atribuído o regime de subida em separado e com efeito meramente devolutivo, com invocação do disposto no artigo 78º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, conjugada com as normas adjectivos reguladores do recurso de agravo aos procedimentos regidos pela Organização Tutelar de Menores.

      Não nos parece, porém, que a norma do citado nº 2 do artigo 78º seja invocável no âmbito de um recurso obrigatório, fundado na alínea a) do nº 1 do artigo 75º: na verdade, como é inquestionável, tal recurso tem de ser interposto, logo e directamente, para o Tribunal Constitucional, não havendo, deste modo, que considerar relevante o recurso ordinário “ não interposto ou declarado extinto”, cuja interposição estava vedada ao Ministério Público recorrente (a nosso ver, tal norma conexiona-se, não com os recursos obrigatórios, mas com os recursos fundados na alínea b) do nº 1 daquele artigo 70º, face ao preceituado no nº 4 desse preceito, que se basta com a exaustão ou preclusão dos normais meios impugnatórios existentes).

      Tal implica a aplicabilidade da regra constante do nº4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional, devendo fixar-se ao presente recurso obrigatório o regime de subida nos próprios autos e o efeito suspensivo.

      Nos casos em que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor não satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não puder beneficiar de rendimento líquido superior ao salário mínimo, o Estado assegura as prestações em débito, sendo estas fixadas pelo tribunal – mas não podendo exceder, mensalmente, por cada devedor o montante de 4 UC, independentemente do número de menores credores da prestação alimentar.

      Violará esta limitação legal, como sustenta a decisão recorrida, os princípios constitucionais da igualdade e da garantia de um mínimo de existência condigna, inferivel, desde logo, do artigo 69º da Constituição da República Portuguesa?

      Parece-nos claramente improcedente o argumento constante em invocar a violação do princípio da igualdade, já que a restrição dos montantes pecuniários disponíveis, no caso de pluralidade de menores titulares activos do direito a alimentos, radica, por assim dizer, na própria “natureza das coisas” – não traduzindo situação substancialmente diversa da que ocorre nos casos em que o progenitor preste, ele próprio, os alimentos, sendo a medida destes condicionada pelos meios pecuniários ao dispor daquele que houver de prestá-los: não sendo obviamente ilimitadas as capacidades financeiras do devedor de alimentos, é evidente que a circunstância de serem plúrimos os titulares do direito alimentar acabará por influenciar os valores efectivamente disponíveis por cada um dos co-interessados, sem que tal traduza qualquer discriminação constitucionalmente censurável.

      Mais complexa é a questão da compatibilização da dita restrição legal com o direito a um mínimo de existência condigna, inferível, neste caso, da norma do artigo 69º da Constituição da República Portuguesa, na parte em que prescreve que os menores têm direito à protecção da sociedade do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, sendo devida “especial protecção” às crianças por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

      Implicará tal direito “social” a possibilidade de exigir do Estado um conteúdo prestacional, inviabilizador da aplicabilidade da restrição quantitativa constante da norma desaplicada?

      Propendemos para uma resposta negativa, afigurando-se ser necessária uma especial cautela do aplicador do direito na área dos direitos sociais, envolvendo prestações pecuniárias directas do Estado uma vez que, como é evidente, o cumprimento do programa constitucional ínsito, no caso, no citado artigo 69º depende fundamentalmente de factores financeiros e materiais que o Estado está longe de...

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