Acórdão nº 08S3967 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução17 de Junho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Águeda, a presente acção emergente de contrato de trabalho, contra o Banco de Fomento Exterior, S. A.

(a que mais tarde sucedeu o Banco BPI), pedindo que a sanção disciplinar de 24 dias de suspensão com perda de retribuição, que lhe foi aplicada em Julho de 1998, fosse declarada ilegal e injustificada e que o réu fosse condenado a indemnizá-lo pela perda da referida retribuição, no montante de 256.000$00, e por todos os prejuízos morais e materiais que lhe causou que, provisoriamente, liquidou em 5.000.000$00, sem prejuízo de ulterior quantificação mais rigorosa em execução de sentença.

Em resumo, o autor alegou o seguinte: - é funcionário do réu, em regime de contrato de trabalho sem termo, desde 3 de Setembro de 1990; - exerce as funções de gerente da agência de Águeda, embora se encontre de baixa por doença, desde Agosto de 1998; - por deliberação do conselho de administração do réu, de 9 de Outubro de 1997, foi-lhe instaurado processo disciplinar, com intenção de despedimento; - tal processo é destituído de qualquer fundamento de facto e de direito, conforme resulta da nota de culpa, da defesa apresentada e da decisão final, "que aqui se junta e dá por integralmente reproduzidas" e, também, "da recusa igualmente não fundamentada em depor por parte dos então administradores da ré"; - a simples existência de tal processo, a publicidade que lhe foi dada e que, de qualquer modo, sempre teve e sempre teria, numa cidade de província como Águeda, onde o autor reside e sempre havia sido considerado por todos quantos o conheciam e com ele privavam, as absolutamente injustificadas decisões que nele foram tomadas (primeiro, a de lhe suspender a prestação de trabalho, em 10 de Setembro de 1997, sem lhe ter sido enviada a nota de culpa ou instaurado processo disciplinar; depois, a de manter essa suspensão até 10 de Julho de 1998 - 9 meses -, sem decisão do processo disciplinar; e, finalmente, a de lhe ter sido aplicada sanção de suspensão, com perda de retribuição por 24 dias), a circunstância de o autor não ser merecedor de qualquer sanção ou sequer de processo disciplinar, mas antes merecedor de toda a consideração e respeito, pela competência, zelo, dedicação e fidelidade e eficiência com que sempre desempenhou o seu trabalho, tudo isso causou no autor sentimentos de profunda e gravíssima humilhação e desconsideração pessoal, pesadíssimos sofrimentos morais, complicados problemas psíquicos e emocionais, que, infelizmente, o transformaram em pessoa doente, em tratamento médico, sob efeitos de medicamentos a que sempre achou não precisar de recorrer, obrigando-o à situação de baixa em que se encontra, padecendo sempre e notoriamente, para além disso, de grande e constante tristeza, de profunda depressão e permanentes inquietudes, interrogações e dúvidas quanto ao seu futuro, sendo frequentes as noites de insónia que atravessa e preocupante o isolamento social a que se votou, tudo em absoluto contraste com o que o autor era antes disso: pessoa profissionalmente realizada, segura de si, contagiantemente simpática e alegre, que sempre dormiu muitíssimo bem, com vida social muito activa; - o autor não está, neste momento, em condições de poder liquidar com rigor todos os gravíssimos danos morais que já sofreu e continuará a sofrer, que, de todo o modo, quantifica em nunca menos do que 5.000.000$00, e que definirá com exactidão em execução de sentença; - aos danos morais acrescem os prejuízos materiais correspondentes, e por eles necessariamente causados, com assistência médica e medicamentosa, deslocações e outros que também oportunamente, em execução de sentença, serão rigorosamente liquidados.

A contestação foi apresentada pelo Banco BPI, S. A.

, que sucedeu ao Banco réu (em virtude da fusão neste, por incorporação, do Banco Fonsecas & Burnay e do Banco Borges & Irmãos e da sequente alteração de nome), que nela sustentou a improcedência da acção, alegando que a sanção aplicada ao autor resultou de ele ter praticado uma série de factos, que discriminou, que se traduziram em grave violação dos seus deveres contratuais, infracções essas que, pela sua gravidade, podiam constituir justa causa de despedimento, mas que o réu puniu com uma sanção menos grave.

O autor não respondeu à contestação.

No saneador, o M.mo Juiz seleccionou a matéria de facto que considerou relevante para a decisão da causa, quer a que, do seu ponto de vista, já estava assente, quer a que ainda era controvertida, selecção essa que foi objecto de reclamação por parte do autor e do réu, tendo a do réu sido parcialmente deferida.

Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos (que não foram objecto de qualquer reclamação), foi, posteriormente, proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente.

Mais concretamente, na sentença entendeu-se que embora, na petição inicial, o autor não tivesse invocado expressamente a prescrição e a caducidade do procedimento disciplinar, era de conhecer das referidas excepções, não só porque poderia entender-se que ele o tinha feito remissivamente no art.º 6.º da petição inicial, mas, sobretudo, porque aquelas excepções devem ser consideradas de conhecimento oficioso, se se mostrarem apurados factos dos quais se possa extrair a sua verificação.

E, na sequência desse entendimento, o M.mo Juiz declarou prescritas as infracções disciplinares correspondentes aos factos vertidos em V)1, V)4, V)15 e V)21 da matéria de facto, e decidiu que não se verificava a caducidade do procedimento disciplinar, uma vez que os factos apurados não permitiam afirmar que, quando a nota de culpa foi enviada ao autor, as infracções já eram do conhecimento do conselho de administração da ré há mais de 60 dias, facto que ao autor competia provar.

E mais se entendeu, na sentença, que, apesar da prescrição de algumas das infracções e de não se terem provados todos os factos que suportaram a decisão disciplinar, sempre se podia afirmar que os demais factos provados eram suficientes para justificar a sanção que ao autor foi aplicada, por constituírem uma violação dos deveres contratuais a que o mesmo estava obrigado.

Inconformado com a sentença, o autor interpôs recurso de apelação, arguindo, expressamente, no requerimento de interposição do recurso, várias nulidades da sentença, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando a verificação da caducidade do procedimento disciplinar e da prescrição de todas as infracções disciplinares ou, pelo menos, das mais importantes, e pedindo, consequentemente, a procedência da acção.

Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu: - que a sentença não padecia das nulidades que lhe foram assacadas; - rejeitou o recurso, no que toca à impugnação da matéria de facto, com o fundamento de que o autor não tinha cumprido minimamente o ónus previsto no art.º 690.º-A do CPC; - não tomou conhecimento da questão relacionada com a caducidade do procedimento disciplinar, com o fundamento de que se tratava de questão nova, por não ter sido suscitada na petição inicial, sendo irrelevante que a 1.ª instância, contrariando o decidido no acórdão uniformizador de 21.5.2003, publicado no D.R., I-A Série, de 10 de Julho, dela tenha conhecido, por a ter considerado de conhecimento oficioso; - não conhecer da questão atinente à prescrição das infracções disciplinares, por entender que a mesma não era de conhecimento oficioso e por não ter sido invocada na petição inicial, sendo que, mesmo que assim não se entendesse, sempre havia vários comportamentos do autor que não estavam prescritos e que, só por si, eram suficientes para justificar a sanção aplicada.

Mantendo a sua irresignação, o autor interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: A. No douto Acórdão recorrido foram erroneamente interpretadas as disposições conjugadas do artigo 668.º, nº 1, alínea d), primeira parte e do artigo 660.º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil ao considerar-se que a douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz do Tribunal de Comarca não padecia de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, sendo que, em verdade, em tal decisão foi de todo ignorado o conteúdo da Resposta à Nota de Culpa apresentada pelo ora Recorrente em sede do processo disciplinar instaurado pela Ré, e que, como por este reiteradamente indicado nos artigos 6° e 31° da petição inicial, desta fazia parte integrante e nela se dava por integralmente integrada e reproduzida para todos os efeitos legais.

  1. Não existe qualquer preceito no Código de Processo Civil no qual se disponha que o conteúdo integral da petição inicial, e nomeadamente os fundamentos de facto e de direito da acção, devem constar de um único e exclusivo documento, desconhecendo-se igualmente a existência de qualquer norma que proíba a remissão naquela peça processual para outros documentos que sendo apresentados conjuntamente com ela passem a ser, por expressa indicação do proponente, parte integrante da peça em questão.

  2. A total ignorância pelo Tribunal de Comarca do conteúdo da Resposta à Nota de Culpa, enquanto parte integrante da petição inicial, a desconsideração, ausência ou erro de julgamento dos factos nela alegados prejudicaram a pronúncia sobre questões tão essenciais à resolução da causa como a ilegalidade e injustiça da sanção disciplinar aplicada, a prescrição das imputadas (inexistentes) infracções disciplinares e a caducidade do também (inexistente) direito de acção e sanção disciplinar da Ré.

  3. No douto Acórdão em crise verificou-se um segundo erro de interpretação das disposições conjugadas do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte e do artigo 660°, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, quando se considerou que a douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz do Tribunal de Comarca não padecia de nulidade por omissão de pronúncia relativamente às...

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